O presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a faixa presidencial, ao lado de sua mulher Marisa Letícia, o presidente Fernando Henrique Cardoso e dona Ruth Cardoso, no Parlatório do Palácio do Planalto em janeiro de 2003 (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passa a faixa a Dilma Rousseff no Planalto, em Brasília, em 2009 (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
29 set 2016 - 10h41 atualizado em 30 set 2016 - 10h24
O governo dos Estados Unidos – preocupado com o fracasso das negociações anteriores e com a exposição dos bancos internacionais, os quais eram os credores dos países subdesenvolvidos endividados – propôs renegociar as dívidas externas com o Plano Baker. Os países endividados deveriam promover a pauta de liberalização econômica e de privatização de empresas públicas em troca da negociação das dívidas externas. O plano, contudo, fracassou e houve uma nova tentativa, o Plano Brady, que vingou. Pelo novo acordo, os Estados Unidos aceitaram reduzir o principal e os juros da dívida externa. Em troca, os países endividados deveriam securitizar suas dívidas externas.
As
negociações com o Brasil iniciaram-se no governo de Fernando
Collor de Mello, em 1990, mas se completaram apenas na gestão de Itamar
Franco, em abril de 1994, com a emissão de nove títulos públicos, que deram
maior liquidez aos ativos da dívida e ficaram conhecidos como “bonds”.
A
renegociação da dívida externa autorizou a União ser a devedora de todos os
títulos emitidos na troca da dívida antiga. Também ampliou o processo de
administração do passivo externo do país – operações de recompra dos títulos,
troca por títulos novos ou adiantamento nos pagamentos dos débitos.
Quando o processo de renegociação foi iniciado, em 1990, a dívida externa
brasileira estava orçada em US$ 115,5 bilhões. Ao final da década, em 1999, ela
atingiria os US$ 241,2 bilhões, um crescimento de 109%.
A
Era FHC
Até
meados da década de 1990, o maior percentual da dívida pública brasileira
estava relacionado aos débitos externos. “A partir dos anos 1990 e 2000, o
Brasil ampliou sua dívida pública interna ao tentar, talvez, se liberar um
pouco dessa restrição externa, representada pelo excesso de endividamento. É
uma dívida [a interna] mais fácil de ser rolada. Porém, uma dívida mais cara
porque os juros praticados no Brasil eram muito elevados”, diz o economista
Antonio Corrêa de Lacerda.
Com
a renegociação da dívida externa, a pauta econômica voltou-se para o combate da
hiperinflação que se prolongava desde a década de 1980 devido à indexação
econômica. Como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Fernando Henrique
Cardoso lançou o Plano Real, baseado na criação de uma nova moeda
nacional pautada na ancoragem cambial – câmbio fixo e equiparado ao dólar,
moeda sobrevalorizada e taxa básica de juros elevada para garantir o câmbio
sobrevalorizado – e na abertura da economia nacional que se iniciara no governo
Collor.
O
Plano Real obteve êxito no controle da inflação, porém teve como consequência a
desnacionalização da indústria brasileira e o crescimento rápido e acentuado da
dívida pública interna – já que a taxa básica de juros permaneceu elevada.
Dados do Banco Central apontam que em novembro de 1997 a taxa Selic atingiu o
nível recorde de 45,67% ao ano.
A
dívida pública interna cresceu a um ritmo médio de 24,8% ao ano no primeiro
mandato de FHC. Ela subiu de R$ 43,5 bilhões, em 1995, para R$ 188,4 bilhões,
em 1998.
Nem
mesmo a política de superávit primário, iniciada em 1997, foi capaz de conter o
crescimento da relação dívida/PIB, que manteve sua trajetória de ascensão. “A
economia cresceu pouco, 2,7% em média, no período Fernando Henrique, e os
sucessivos choques de juros levaram, na média, a taxa Selic a 22% ao ano.
Evidentemente, aí não tem erro, é uma questão aritmética”, diz Luiz Gonzaga
Belluzzo.
A
instabilidade financeira gerada pelas crises do leste asiático (1997) e da
Rússia (1998) tornou a política de câmbio sobrevalorizado insustentável e o
governo precisou desvalorizar a moeda. Em janeiro de 1999, o câmbio tornou-se
flutuante e o Comitê de Política Monetária (Copom) passou a realizar a
orientação da política macroeconômica que segue até hoje: regime de metas de
inflação, câmbio flutuante e superávit primário.
Nessa transição, segundo Luiz Filgueiras, em “História do Plano Real”, houve a
fuga de capitais do Brasil, com a saída de cerca de US$ 30 bilhões em apenas
três meses, forçando o país a pedir um resgate financeiro de US$ 41,5 bilhões
junto ao FMI para não desembocar numa crise cambial ainda mais grave.
No
ano de 2002, a crise cambial brasileira piorou. Em meio à campanha política
para presidência do Brasil e o temor do mercado financeiro de que a eleição
de Luiz Inácio
Lula da Silva pudesse trazer na esteira o calote após as eleições de
2002, o risco-país atingiu o nível de 2 mil pontos – com dólar cotado a R$ 4. O
governo FHC chegou ao final com a dívida pública interna do Brasil em R$ 987
bilhões, equivalente 57% do PIB à época.
Fica
tudo como está
Eleito
presidente, Lula cumpriu o prometido em sua “Carta ao povo brasileiro” e deu
prosseguimento à política fiscal e monetária que vinha sendo realizada por FHC.
Seu governo manteve os pilares da macroeconomia brasileira em superávit
primário, câmbio flutuante e no regime de metas de inflação. E estabeleceu uma
política de maior rigor fiscal.
Em 2003, no primeiro ano de governo, a meta do superávit primário foi 4,5% do
PIB, excedendo-se em 0,5% o que fora exigido pelo FMI nos acordos de
empréstimos financeiros de 1999 e 2000, segundo a economista Leda Paulani, em
“Brasil Delivery”.
Só
para se ter uma ideia, a média de superávit primário do segundo governo de FHC
foi de 1,9% do PIB, de acordo com Nelson Barbosa e José Antônio Pereira de
Souza, em “A inflexão do governo Lula”. Nos três primeiros anos de Lula no
Planalto, a média foi de 2,5% do PIB, caindo para uma média de 2,3% do PIB nos
três anos seguintes, o que demonstra o esforço para administrar a dívida
pública brasileira.
Mas
o governo Lula também aproveitou a expansão do mercado mundial nos anos 2000, o
qual refletiu no país “num desempenho em conta corrente muito bom da economia”,
segundo Belluzzo. “Você teve um impacto forte nas finanças públicas, inclusive,
porque a economia começou a crescer”.
Dessa maneira, ao longo dos anos 2000, com a manutenção no rigor fiscal das
contas públicas e o crescimento econômico brasileiro em meio à expansão da
economia mundial até a crise mundial de 2008, a relação dívida pública/PIB do
país caiu para os 53,7%, em outubro de 2008. Isso levou as agências de
classificação de risco a qualificarem o Brasil com o grau de investimento, o
chamado “bom pagador”.
Nessa busca pela confiança do mercado financeiro internacional, o governo Lula
quitou, em 2005, os empréstimos que o Brasil havia contraído em 1999 e 2000 com
o FMI e manteve a política de gerar reservas internacionais em dólares –
atualmente, as reservas brasileiras somam US$ 376 bilhões, de acordo com o BC –
para diminuir a vulnerabilidade externa do país.
A
mudança de paradigma do Brasil em relação ao FMI, de devedor para credor, levou
Lula a comentar em 2009: “Você não acha muito chique o Brasil emprestar
dinheiro para o FMI?”. A grande maioria dos brasileiros concordou com ele.
Contudo, para a coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria
Lucia Fattorelli, a quitação dos débitos com o FMI não foi benéfica ao país. “A
dívida com o FMI era uma dívida que custava apenas 4% de juros. Para pagá-la,
nós emitimos dívida externa e interna a taxa de juros muito superiores. Nós
trocamos dívida mais barata, em termos de taxa de juros, por dívida mais cara”,
diz.
A
volta da crise
A
crise financeira de 2008 atingiu em cheio a demanda mundial. Para incentivar a
produção, o governo brasileiro adotou medidas anticíclicas de incentivo à
produção industrial e ao mercado de consumo interno – como redução do IPI para
automóveis e linha branca – e, assim, dar continuidade ao ciclo de crescimento
econômico que se iniciara em 2003.
A
política funcionou e, com exceção de 2009, quando houve uma queda de 0,6% no
PIB do país, o Brasil manteve o crescimento econômico até 2013. Com o mercado
de consumo nacional dando sinais de saturação devido ao alto endividamento
familiar e à crise que atingiu os países emergentes com mais intensidade, nem a
exportação de commodities ficou a salvo. A desaceleração da China foi um dos
fatores que levou à baixa no preço das commodities e na queda do valor do
barril de petróleo, que chegou à cotação de US$ 22,48, em janeiro deste ano.
Com
a ascensão de Dilma
Rousseff ao Palácio do Planalto, a política econômica de subsídios aos
empresários se aprofundou. O governo estabeleceu as desonerações das folhas de
pagamento dos trabalhadores assalariados e tentou incentivar os investimentos
produtivos diminuindo a taxa básica de juros de 12,50% ao ano, em julho de
2011, para 7,25% ao ano, em janeiro de 2013. Dois meses depois, a taxa Selic
começou a subir aos poucos, até atingir o patamar de 14,25% ao ano, em julho de
2015 – no qual se mantém até agora.
A
volta do crescimento dos juros está relacionada, entre outras coisas, com a
insegurança dos investidores internacionais em apostar nos títulos da dívida
pública. “Os juros reais que vêm aumentando nos últimos tempos são exatamente
em decorrência do desequilíbrio fiscal do Brasil. O aumento do desequilíbrio
fiscal agravou a percepção de risco do Brasil e aumentou o prêmio de risco do
Brasil”, diz Marcos Lisboa, do Insper.
Essa
piora na situação fiscal também fez com que as agências de classificação de
risco rebaixassem a nota do Brasil, retirando o grau de investimento e de bom
pagador, em 2015.
A
questão agora é o que fazer para enfrentar o problema dos juros altos no país.
“Isso não é fácil porque há resistência por parte do aplicador, que é o próprio
mercado financeiro, o mesmo que faz terrorismo a respeito do risco da
inflação”, diz o economista Antonio Corrêa de Lacerda. Ele destaca que há outro
“grande problema no Brasil, que é o custo financeiro da dívida pelo fato de o
Brasil praticar a maior taxa de juros do mundo. Então, isso acaba inflando a
dívida pública”.
O
crescimento da incidência da taxa de juros na dívida pública do país teve um
salto exponencial nos últimos 22 anos. Em 1994, esse valor era de R$ 27
bilhões. No ano passado, ficou em R$ 500 bilhões. Dessa maneira, em 2015, o
governo “utilizou” 8,4% do PIB brasileiro para pagar somente os juros da
dívida.
Enquanto
existia demanda para o consumo, o governo conseguiu administrar as contas
públicas. Mas a situação se deteriorou e o governo passou a atrasar os repasses
de pagamentos de benefícios sociais aos bancos públicos – Caixa Econômica
Federal, Banco do Brasil e BNDES. Esses atrasos, que ficaram conhecidos como
“pedaladas fiscais”, camuflavam a real situação de déficit nas contas públicas.
Para
tentar conter o crescimento acelerado da relação dívida pública/PIB, desde o
início do ano passado o governo promoveu o contingenciamento dos gastos
públicos com a política do ajuste fiscal. Essa política de austeridade inibiu
os investimentos e aumentou a taxa de desemprego, que
chegou a 11,6% no trimestre encerrado em julho – representando 11,847
milhões de pessoas desocupadas –, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Com a recessão econômica e consequente
queda na arrecadação do governo, a dívida pública deve manter sua curva de
subida, com a previsão de atingir os 70% ao final deste ano e chegar aos 80% ao
término de 2017.
Apesar
das promessas de cortes do presidente Michel Temer e das medidas anunciadas
pelo ministro Henrique Meirelles, a trajetória de alta segue em frente. Como a
relação dívida pública/PIB está intrinsecamente ligada à manutenção da taxa de
juros elevada e à recessão econômica, a arrecadação tributária do governo
continua menor.
Segundo
um estudo feito pelos economistas Rubens Penha Cysne, professor da
Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV-Rio, e Carlos Thadeu de
Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), se o
governo terminar este ano sem implementar o ajuste, o esforço fiscal adicional
para implantá-lo no primeiro trimestre de 2017 seria de 0,35% do PIB, ou R$
21,06 bilhões. Se o ajuste ficar só para o fim do ano que vem, esse esforço
adicional dobraria para 0,71% do PIB, ou R$ 42,72 bilhões. "Quanto mais
demorar para implantar o ajuste, mais cara ficará essa conta. Se o governo
tivesse feito o ajuste em junho, este se daria em um determinado nível de
aumento de impostos ou redução de gastos. Se fizer um trimestre depois, ele
precisa ser majorado ainda mais. E assim sucessivamente", afirmou Rubens
Cysne ao jornal O Globo.
Raul
Velloso, economista especialista em contas públicas, aponta que baixar os juros
antes de consertar as contas públicas não é o caminho. Há o risco de se trazer
a hiperinflação de volta. "E isso ninguém quer".
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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