Por: Severino Goes correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
O processo para a
nomeação de um novo ministro ao Supremo Tribunal Federal é simples: o
presidente indica um escolhido de "notório saber jurídico e reputação
ilibada", que é então sabatinado pelo Senado e conduzido ao cargo, se
passar pelo crivo dos parlamentares.
O fato de que, desde a
instituição da República, apenas em uma ocasião a indicação foi rejeitada
no Congresso justifica a percepção de que o processo não se faz com diálogo e
de que o presidente pode então escolher quem quiser — o Senado apenas
chancela os nomes que lhe são direcionados.
Mas essa percepção é
errônea. Estudos acadêmicos apontam que, na verdade, as indicações só têm essa
taxa de rejeição tão baixa porque o processo político de conversa entre os
poderes antes da decisão final funciona como uma garantia de que não vá haver
conflito aparente.
A única vez em que os
nomes propostos pelo presidente para o Supremo foram negados aconteceu em
1891, quando o marechal Floriano Peixoto indicou para a corte um médico e
outros quatro engenheiros e militares. O "marechal de Ferro", como
era conhecido, aproveitou um hiato da Constituição daquele ano, que não previa
o saber jurídico como pré-requisito para os postulantes ao cargo, e os indicou.
Foram recusados pelo Senado. O médico rejeitado era Cândido Barata Ribeiro, que
amargou a reprovação quando já atuava como ministro do STF — pois na época
o indicado podia assumir as funções antes da aprovação do Senado.
O episódio é narrado na
tese de mestrado, que depois virou livro, do advogado Álvaro Palma De
Jorge, intitulada Supremo Interesse — protagonismo
político-regulatório e a evolução institucional do processo de seleção dos
ministros do STF, na qual esmiúça o processo de escolha dos integrantes da
corte suprema desde os primórdios da República.
Além de ser um rico
apanhado histórico e jurídico, o livro mostra que, ao longo dos anos,
apesar de críticas difundidas publicamente, a tese de que o Senado não faz
efetivamente o seu papel de controle durante as sabatinas a que são submetidos
os indicados pelo chefe do Executivo não prospera, na opinião do advogado e
professor da Fundação Getulio Vargas.
A recente indicação do
advogado-geral da União, André Mendonça, para ter seu nome submetido ao Senado,
suscitou dúvidas e trouxe à tona, novamente, críticas ao modelo de escolha de
ministros do STF.
No entanto, na opinião
de Palma de Jorge, embora os ministros somente possam ser nomeados após a
aprovação pelo Senado, nas sabatinas ocorridas na Comissão de Constituição e
Justiça, senadores já indicaram que consideraram a opinião de juízes — e do
próprio STF — sobre o candidato como um elemento importante para a sua
aprovação.
"As consultas
informais dos senadores a antigos e atuais integrantes da Corte fazem parte, na
prática, desse processo de avaliação dos indicados pelo chefe do Poder
Executivo. Formal e informalmente, portanto, o preenchimento de uma vaga no
tribunal não é ato unilateral do presidente da República", disse o
professor em artigo recente.
De fato, o projeto
História Oral do Supremo, da Fundação Getúlio Vargas, registra vários episódios
que mostram, de maneira clara, a influência política nas indicações. Em seu livro,
De Jorge conta que o atual presidente do STF, ministro Luiz Fux disse:
"Não existe possibilidade, nenhuma, zero, de se chegar a um cargo desse
sem apoio político."
O ministro aposentado
Cezar Peluso descreve como o apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP),
da Igreja e de ministros do próprio STF — além da decisiva intervenção do
advogado e jurista Márcio Thomaz Bastos, à época ministro da Justiça — foram
fundamentais para que o seu nome fosse selecionado pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e indicado para aprovação pelo Senado.
O ex-ministro Sepúlveda
Pertence, por outro lado, revelou a existência de verdadeiras
"campanhas" para o STF, com desembargadores promovendo manifestos,
abaixo-assinados de prefeitos, governadores e outros políticos, além da
existência de lobby por determinados nomes junto ao presidente da República.
Confidenciou, ainda,
que o então presidente José Sarney lhe teria dito que precisava
"inventar" uma vaga para ele no STF, pois o cargo de procurador-geral
da República, que até então ocupava, estava sendo postulado por setores do
Ministério Público Federal.
Brasil na História
A primeira Constituição
brasileira a tratar do Supremo Tribunal Federal foi a Constituição da República
dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Embora tenha surgido
na sequência de instituições às quais alguns autores indiquem como precursoras
institucionais do STF — tais como a Casa de Suplicação do Brasil, criada por
alvará de D. João VI, em 10 de maio de 1808, e o Superior Tribunal de Justiça
do Brasil, instituído pela Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de
março de 1824 —, o modelo de uma Corte com competência para o controle de
constitucionalidade das leis, nos moldes da Supreme Court dos Estados
Unidos, nasceu, de fato, com a República, explica o livro.
Nos Estados Unidos,
após a indicação do nome pelo presidente da República — cuja liberdade
discricionária é bastante ampla, não existindo critérios formais a serem
observados —, cabe ao Senado, antes de oferecer seu advice and consent (consentimento)
em relação ao candidato indicado pelo presidente, sabatinar o indicado, por
meio do Senate Judiciary Committee. Tradicionalmente, o advice and
consent do Senado americano toma a forma de aprovação ou não da indicação,
afirma o livro.
No Brasil, foram feitas
177 indicações para ministros do Supremo durante a República. Antes da
Constituição de 1988, no entanto, não houve um histórico de debates ou recusa
dos nomes, exceto no caso já mencionado do governo de Floriano Peixoto.
"Tais dados
indicam que a sociedade brasileira, e, portanto, o seu Senado, não se
preocupava com o Supremo Tribunal Federal e seus ministros. Este cenário
começou a ser alterado a partir de 1988", diz De Jorge.
Ou seja, até a
Constituição de 1988, no entanto, não havia uma preocupação tão premente quanto
aos nomes que comporiam a Corte. Foi o desenho institucional esboçado na
Constituição Cidadã que impulsionou a discussão de temas que, até então, jamais
haviam chegado ao STF.
As cientistas
políticas Mariana Llanos e Leany Barreiro Lemos, em estudo
publicado no livro Justiça no Brasil — As margens da democracia,
salientam que "presidentes e congressos latino-americanos geralmente
desempenham papéis decisivos no processo de indicação e nomeação de juízes das
cortes superiores".
De acordo com o texto,
"como o Senado quase nunca se recusou a confirmar um candidato da
presidência desde a criação do STF em 1891, a política das indicações e
nomeações parece confirmar os poderes da Presidência: é o presidente que
controla o processo e seleção de candidatos, enquanto o Senado apenas carimba a
decisão".
"Porém, no mundo
real, os presidentes brasileiros operam no centro de um sistema político com
incentivos contraditórios — incluindo tanto elementos majoritários como
consensuais —, uma situação que, em alguns momentos permite que eles imponham
suas visões e que, em outros, os força a negociar", dizem Lemos e Llanos,
na mesma linha da tese de Palma de Jorge.
Para ler mais acesse,
www: professortacianomedrado.com
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