Por Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo
Finalmente
no dia 18/06/2021 o Supremo Tribunal Federal colocou uma pá de cal e
definitivamente sepultou em nosso ordenamento jurídico vigente todas as
alegações contrárias ao dever do Estado de fornecer o medicamento Canabidiol a
pacientes que batem às portas da Justiça lutando pelo direito à vida.
Certamente, um dia a se comemorar nas fileiras de fóruns e, é claro e
principalmente, no seio das famílias de pacientes portadores de epilepsia.
A
Corte Constitucional julgando o salvífico Recurso Extraordinário (RE) nº
1165959, com repercussão geral, ou seja, com eficácia contra todos (“erga
omnes”) e efeito vinculante obrigatório em relação a todos os Órgãos do Poder
Judiciário, decidiu que cabe ao Estado fornecer o medicamento que, embora não
possua registro na Anvisa, tem a sua importação autorizada pela Agência de
vigilância sanitária, desde que comprovada a imprescindibilidade clínica do
tratamento e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das
listas oficiais de dispensação de medicamentos.
O
RE nº 1165959 versava sobre o dever do Poder Público de fornecer o Canabidiol
para paciente menor de idade que sofre de encefalopatia crônica por
citomegalovírus congênito e de epilepsia intratável, com quadro de crises
graves e frequentes. O Estado de São Paulo argumentava que a falta de registro
na Anvisa exonerava o Ente-Público da obrigatoriedade do fornecimento do
medicamento.
Como
não poderia deixar de ser, o Supremo Tribunal Federal se escorou no Princípio
da Absoluta Prioridade insculpido no Art. 227 de nossa Constituição Cidadã
de 1988 que assegura à criança, ao adolescente e ao jovem, dentro outros
direitos fundamentais, o sagrado direito à saúde. Em verdade, o Art. 227 repete
o comando constitucional do Art. 196 da Carta: ”A saúde é direito de todos e
dever do Estado”. Agora, sem nenhuma dúvida, o Canabidiol é, indiscutivelmente,
direito de todos que necessitem e, nestas condições, sempre dever do Estado de
fornecê-lo.
Aqui,
abro um parêntese para descrever ao leigo o cenário dramático destes processos
judicias de Canabidiol. Os pais desses pacientes portadores de graves e
sucessivas crises de epilepsia chegam às portas da Defensoria Pública em
completo quadro de desespero e a afirmação é sempre mesma: “Doutor, pelo amor
de Deus, a cada crise meu filho se despede um pouco de mim. Já tentamos de
tudo”. Já cheguei a carregar uma dessas crianças na fila de espera até meu gabinete,
praticamente desacordada. Dia e noite esses mesmos pais nos procuram em busca
de informação sobre o processo, mesmo porque as crises de epilepsia não dão um
dia sequer de trégua, nem o amor dos pais pelo filho que agoniza. Alguns
pequenos, não aguentam a espera ...
O
expert e experimentado da praxe forense sabe muito, muito bem. Uma mera
preliminar processual ou defesa de mérito pode se transformar num Everest a ser
superado pelo paciente. E, no caso específico do Canabidiol, a preliminar
aventada pelo Estado não era uma “mera” discussão preliminar – processual ou de
mérito, como queiram – , era mesmo um Everest, íngreme, de ar rarefeito e
gélido. De há muito tempo o Supremo já havia banido a Teoria da Reserva ou
postulado do cobertor (“quando o cobertor é curto, cobre a cabeça, descobre os
pés ...) - Tema 793 STF - , agora, finalmente, a ausência de registro do
Canabidiol na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não pode mais
ser arguida como matéria de defesa pela Fazenda Pública. Habemus repercussão
geral! Um Everest a menos a ser superado por esses pacientes e suas famílias
sentinelas que jamais perdem a fé.
Mais
uma vez o Poder Judiciário supera o silêncio do Parlamento em uma matéria tão
cara a milhares de pacientes espalhados na vastidão desse País continental tão
dependente do SUS, regulamentando e determinando o dever do Estado de fornecer
o medicamento Canabidiol em Acórdão vinculante e de observância obrigatória.
Talvez, agora, seja uma boa oportunidade do legislador de deflagrar uma ação
legislativa a respeito dos medicamento imprescindíveis que, embora sem registro
na Anvisa, tenham sua importação autorizada pela Agência, evitando-se a eterna
e aflitiva judicialização da questão nas abarrotadas Varas da Infância e
Fazenda Pública. A dor não pode esperar, o caminho da via administrativa,
estribada em boa lei ordinária vindoura, deve ser aberta a milhares de
pacientes que padecem.
Concluo
com as palavras do Relator para a tese no julgamento em questão, o Eminente
Ministro Alexandre de Moraes:
“Para
garantir acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica, não basta
estabelecer um dado padrão de atendimento público e pretender que o direito à
saúde se esgote nesse figurino. Uma compreensão tão taxativa da padronização da
política de atenção à saúde teria o efeito de submeter pessoas necessitadas de
tratamentos mais complexos ou portadoras de doenças de baixa prevalência e por
isso vitimadas pela ausência de interesse da indústria farmacêutica a uma
condição de dupla vulnerabilidade, obrigando-as a suportar um sacrifício
absolutamente desproporcional”.
Para ler mais acesse,
www: professortacianomedrado.com
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