OPINIÃO: LGPD e a nova política de privacidade dos dados do WhatsApp



Por  Advogada, administradora de empresas, professora do curso de graduação em Direito Empresarial da Universidade do Vale do Itajaí, sócia fundadora do Müller Advogados Associados, mestranda em Ciência Jurídica pela Universidade do vale do Itajaí – Univali, pós-graduada em Direito Processual Civil e Direito Digital e Compliance

 advogado, mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí, pós-graduando em Jurisdição Federal pela Escola da Magistratura Federal do Estado de Santa Catarina, pós-graduando em Direito Ambiental pela Faculdade CERS, membro das Comissões da OAB Itajaí/SC 

O WhatsApp que iria iniciar em 8 de fevereiro de 2021 sua nova política de privacidade de dados, mas decidiu estender o prazo para 15 de maio após considerável repercussão negativa [1].

A extensão do prazo servirá para que as pessoas tenham mais tempo de entender a política, segundo o aplicativo. O Procon de São Paulo notificou o Facebook sobre a política de privacidade do WhatsApp, atualizada no começo do ano. Segundo a política, publicada em 4 de janeiro, o app de mensagens compartilha dados pessoais do usuário com as empresas parceiras do Facebook. A Senacon, ligada ao Ministério da Justiça, avisou que também pretende notificar as empresas [2].

A principal polêmica referente ao tema versa sobre a segurança dos dados frente a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13709/2018) [3], principalmente no que se refere ao compartilhamento coercitivo de dados e informações com o Facebook e as redes do mesmo grupo.

Alega a empresa que a notícia veiculada de forma viral não procede com integral verdade, vez que os dados oriundos do aplicativo continuam criptografados de forma que ambas as redes (Facebook e WhatsApp) não possuem acesso algum ao inteiro teor dos conteúdos. Sendo assim, as ditas atualizações contêm na verdade novas opções de contato com empresas no WhatsApp e fornece mais transparência sobre os procedimentos adotados no serviço [4].

Ocorre que, na última atualização em 2016, os usuários tiveram uma janela de apenas 30 dias para estarem cientes de que os termos do WhatsApp são coercitivos e de fato compartilham dados dos seus usuários. Não houve repercussão alguma nesse período. Agora tudo ficou mais nítido, principalmente com a integração e proposta de fomentar ainda mais a interação do WhatsApp com o Facebook, sobretudo oferecendo integração do WhatsApp business com o Facebook de forma mais dinâmica [5].

A grande questão nessa dinâmica trata-se justamente da utilização dos dados pelas empresas cadastradas no WhatsApp Business, caso tenham de forma irregular utilizando-se dos dados de forma abusiva, promovendo-se assim marketing e direcionamento de serviço e conteúdo, da mesma forma o Facebook.

Com tamanha repercussão, o empresário Elon Musk, CEO da Tesla, chegou a compartilhar em sua conta do Twitter uma sugestão aos seus seguidores para que usem a rede Signal, similar ao WhatsApp e que, em tese, seria mais segura e confiável. A mesma migração ocorreu em benefício ao Telegram, com o número considerável de downloads da rede, seja este o número de 2,2 milhões [ 6].

Excetuou-se dessa significativa alteração, a região europeia e, de acordo com a plataforma, isso se deve justamente às negociações anteriores firmadas com organizações europeias, e inclusive, decorrente da forte legislação europeia de proteção de dados (GDPR) [7]. Pergunta-se: e a LGPD?

Advogados ouvidos pela ConJur afirmaram em sua maioria que as medidas contidas na nova política de privacidade de dados imposta pelo WhatsApp tratam-se de medidas abusivas e violadoras da LGPD, considerando que impõem de forma coercitiva seus padrões, e não meramente pede-se consentimento como opção, aliás, um dos grandes impasses continua sendo o definitivo funcionamento da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), sendo de fundamental relevância a sua participação nessas discussões e debates, sobretudo no que se refere a proteção dos dados dos brasileiros, negociações referentes à proteção de dados e a problemática das sanções futuras, tudo nos moldes da efetiva aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil [8].


Os impactos da LGPD no Brasil já são visíveis, pois a legislação já se encontra em vigência e inclusive foi base de judicialização, sobretudo no que diz respeito ao repasse de dados pessoais de clientes a terceiros sem a expressa autorização [9].


De fato, estamos cada vez mais vulneráveis digitalmente e no convívio em sociedade, considerando-se precipuamente o grande banco de dados sob posse das chamadas big techs.

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Na visão de Bioni [10], uma biografia digital é criada e somos conduzidos secretamente em direção a desejos, selecionados em entrevistas e recebemos até mesmo créditos financeiros, tudo nos moldes do tratamento de dados já sob posse das instituições:


Exemplos não faltam, valendo-se, mais uma vez, do raciocínio dedutivo. Processos seletivos na área de recursos humanos para a concessão de crédito, para a estipulação de prêmios nos contratos securitários e até mesmo o risco de não embarcar em um avião, porque seus hábitos alimentares podem ser coincidentes com o perfil de um terrorista. Essas são amostras de que a categorização da pessoa, a partir de seus dados pessoais, pode repercutir nas suas oportunidades sociais, no contexto de uma sociedade e uma economia movidas por dados.


Nessa perspectiva, enfatiza-se inclusive a relevância da participação popular nos debates atinentes às tecnologias disruptivas que surgem no mercado da pós-modernidade, haja vista que o desinteresse [11] do cidadão pode ser a grande causa de um empoderamento sem precedentes das big techs, e consequentemente seu poderio e feitos dominantes, tenham em "oculto" chegado a proporções devastadoras, a ponto de até mesmo suspender definitivamente a conta do presidente dos Estados Unidos da América [12], com mais de 88 milhões de seguidores.


Em suma, espera-se que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) demonstre efetividade e aplicabilidade, sobretudo com significativo incentivo e gestão do órgão regulador e sob respaldo dos governos e autoridades, a fim de que os dados sensíveis dos cidadãos brasileiros não fiquem a mercê de um conglomerado de empresas multimilionárias e o ser humano tenha sua dignidade vilipendiada, sendo transformado em um mero produto nesse conhecido dilema das redes.

 

Referências bibliográficas


 — BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: A função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

— BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGDP). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm.

— BUCCO, Rafael. Procon-sp quer explicações do facebook sobre uso de dados do whatsapp. Tele Síntese. Disponível em: < https://www.telesintese.com.br/procon-sp-quer-explicacoes-do-facebook-sobre-uso-de-dados-do-whatsapp/>.

— LEME, Carolina da Silva. Proteção e tratamento de dados sob o prisma da legislação vigente. Revista Fronteiras Interdisciplinares do Direito, [s.l.], v. 1, n. 1, p.178- 197, 9 maio 2019. Portal de Revistas PUC SP. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/fid/article/view/41960.

— REDAÇÃO. As polêmicas novas regras do WhatsApp que exigem compartilhamento de dados com Facebook. BBC NEWS. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-55606054.

— REDAÇÃO. WhatsApp adia início de sua nova política de privacidade. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2021/01/15/whatsapp-adia-inicio-de-sua-nova-politica-de-privacidade.ghtml.

— REDAÇÃO. Twitter suspende permanentemente conta de Trump. BBC NEWS. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55597638.

— REGULAMENTO GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS – GDPR. Disponível em: https://gdpr-info.eu/.

— RODAS, Sérgio. Nova regra do WhatsApp sobre dados pessoais contraria LGPD, dizem advogados. ConJur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-11/regra-whatsapp-compartilhamento-dados-desrespeita-lgpd.

— SCHREIBER, Mariana. Após reação negativa, WhatsApp adia para maio 'ultimato' para usuário compartilhar dados com Facebook. BBC NEWS. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55680262

[1] REDAÇÃO. WhatsApp adia início de sua nova política de privacidade. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2021/01/15/whatsapp-adia-inicio-de-sua-nova-politica-de-privacidade.ghtml. Acesso em 17 jan. 2021.

[2] BUCCO, Rafael. Procon-sp quer explicações do facebook sobre uso de dados do whatsapp. Tele Síntese. Disponível em: < https://www.telesintese.com.br/procon-sp-quer-explicacoes-do-facebook-sobre-uso-de-dados-do-whatsapp/>. Acesso em 17 jan. 2021.

[3] BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGDP). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 17 Jan. 2021.

[4] SCHREIBER, Mariana. Após reação negativa, WhatsApp adia para maio 'ultimato' para usuário compartilhar dados com Facebook. BBC NEWS. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55680262. Acesso em: 17 jan. 2021.

[5] SCHREIBER, Mariana. Após reação negativa, WhatsApp adia para maio 'ultimato' para usuário compartilhar dados com Facebook. BBC NEWS. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55680262. Acesso em: 17 jan. 2021.

[6] REDAÇÃO. As polêmicas novas regras do WhatsApp que exigem compartilhamento de dados com Facebook. BBC NEWS. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-55606054. Acesso em: 17 jan. 2021.

[7] REGULAMENTO GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS – GDPR. Disponível em https://gdpr-info.eu/. Acesso em 17 jan. 2021.

[8]RODAS, Sérgio. Nova regra do WhatsApp sobre dados pessoais contraria LGPD, dizem advogados. CONJUR. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-11/regra-whatsapp-compartilhamento-dados-desrespeita-lgpd. Acesso em: 17 Jan. 2021.

[9] Se refere-se aos autos de n. 1080233-94.2019.8.26.0100, tendo esse por objeto o dano moral decorrente de compartilhamento indevido de dados. disponível em: <www.tjsp.jus.br>. Acesso em 17 Jan. 2021.

[10] BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: A função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 122.

[11] A causa do desinteresse decorre principalmente do tamanho dos termos e da complexidade com que se encontram estruturados, conforme outra recente pesquisa divulgada, a qual demonstrou que a leitura dos termos de uso dos oito principais serviços acessados demandaria aproximadamente quatro horas e meia. LEME, Carolina da Silva. Proteção e tratamento de dados sob o prisma da legislação vigente. Revista Fronteiras Interdisciplinares do Direito, [s.l.], v. 1, n. 1, p.178- 197, 9 maio 2019. Portal de Revistas PUC SP. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/fid/article/view/41960. Acesso em: 17 Jan. 2021.

[12] Conforme: REDAÇÃO. Twitter suspende permanentemente conta de Trump. BBC NEWS. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55597638. Acesso em: 17 Jan. 2021. 


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