Por: Luiz Edson Fachin - ministro do Supremo Tribunal Federal e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Eleições periódicas fazem parte da saúde
constitucional de uma sociedade democrática. Consistem em antídoto para o
descontentamento com agentes públicos, a desinformação e disseminação do ódio,
e para o aumento da percepção da corrupção.
O olhar se volta para as eleições
2020. Vêm à tona temas desafiadores como o cuidado na pandemia, o racismo
estrutural, a exclusão social e econômica, e também a corrupção.
A corrupção é renitente, afirmaram
Lilia Schwarcz e Heloisa Starling em sua biografia do Brasil. As
historiadoras registram que nas últimas décadas o país avançou em questões
decisivas, nada obstante a corrupção não foi (e não é) ocorrência marginal. Não
é de ontem que essa forma de governar se metamorfoseou desde
as fissuras do concerto político e econômico de 1988.
Essa resistência poderia ser o que
Raymundo Faoro, embora se referindo ao período D. João I a Getúlio Vargas,
denominou, na obra sobre os donos do poder, de viagem redonda,
curso histórico de um sistema de forças políticas sobre a sociedade que
aparentemente muda e se renova para continuar estamento impenetrável às
mudanças.
No Brasil mais recente, atos contra
bens jurídicos de interesse público e a Petrobras desvelaram múltiplos delitos,
como corrupção, lavagem de dinheiro, e quadrilha. No STF, nos últimos quatro
anos, mais de uma centena de inquéritos foram abertos e desse total: 37 estão
em andamento em nosso gabinete; 31 foram arquivados; 38 declinados a outras
instâncias; 67 redistribuídos a outros ministros no STF, tratando de matéria não
diretamente conexa à Petrobras. Além disso, nove denúncias foram recebidas e
sete, rejeitadas. Há nove ações penais instauradas, sendo até agora quatro
julgadas pela 2ª Turma no quadriênio.
Os números (cujo relatório inteiro
foi publicado no sítio eletrônico do STF) desenham o que se completa trazendo à
esfera pública em geral os desvios praticados — aqui e
alhures — por agentes da ordem econômica e financeira privada. Na
América do Norte, podem ser vistas as feridas abertas pela corrupção no sistema
financeiro dos Estados Unidos em 2008. O Estado e determinados agentes do
mercado não são entes sem sombra, invisíveis. Cá e lá, os acordos de
colaboração premiada são negócios jurídicos entre o Estado e criminosos
confessos, revelando corruptos e corruptores.
Será que a viagem redonda a
que aludia Faoro fez, entre nós, nos vãos do tempo de 1988 a esta quadra, a
lição de Giuseppe di Lampedusa segundo a qual para "que
tudo continue como está, é preciso que tudo mude"? Essas três
últimas décadas teriam aniquilado esperanças constituídas em 1988 de uma
sociedade livre, justa e solidária, apta a garantir o desenvolvimento, a
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades, e a promover
o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação? A resposta da indiferença é a pior escolha, é o
triunfo da apatia adornado de tanto faz.
Contra essa desesperança somente se
pode desenvolver vacina dentro das escolhas democráticas, porquanto é na
Constituição do Estado de Direito em 1988 que se deve redescobrir a
sobrevivência da sociedade hospedeira. As eleições periódicas são redenção
contínua da democracia.
É imperioso, portanto, que as
instituições produzam confiança para enfrentar as enfermidades da democracia
dentro do Estado democrático de Direito. Isso vale também para a corrupção.
Para tanto, é legítimo saber das práticas e dos procedimentos judiciais, se a
prestação jurisdicional é bem administrada, se há suficiente oferta de
informações sobre a justiça, se as decisões são corretas diante da lei,
mantendo pronunciamentos coerentes, estáveis e seguros, preservando a
Constituição e suas normas.
É fundamental proteger e escrutinar
as instituições democráticas. É na opção democrática (utilizando expressão das
professoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling) que, nos termos das autoras
citadas, uma República se faz e, quando necessário, se refaz. Existe uma única
via e somente uma: a democracia.
A democracia é caminho com luzes e
sombras, ruidosa como canteiro de obras. É nela que o país poderá redimir o que
se constituiu em 88. Daí a importância de participar da política e engajar-se
na vida pública, sem deixar abater-se pela indiferença.
As próximas eleições abrem as portas
para um passo importante da cultura democrática. É a democracia que pode frear
a viagem redonda da corrupção. A esperança está no seu voto.
Artigo
originalmente publicado no jornal O Globo.
Para ler outras matérias acesse, www: professortacianomedrado.com
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