A decisão do governo norte-americano, anunciada em 9 de julho de 2025, de impor tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros marca uma inflexão dura nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos. Em seu segundo mandato, o presidente Donald Trump retoma uma política comercial agressiva, voltada à proteção da indústria americana, mesmo às custas de aliados estratégicos. Para o Brasil, trata-se de um tarifaço com efeitos econômicos imediatos, implicações diplomáticas e agora também reverberações políticas domésticas.
Os setores mais atingidos incluem o aço, o alumínio, o suco de laranja e a carne bovina, pilares do agronegócio e da indústria de base brasileira. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as tarifas impactam mais de US$ 12 bilhões em exportações anuais. A medida provocou desvalorização do real frente ao dólar, aumento do risco-Brasil e queda da bolsa de valores, sinalizando perda de confiança externa no ambiente comercial do país. Para o consumidor brasileiro, os efeitos são perceptíveis: inflação de alimentos processados, encarecimento de derivados metálicos e aumento de custos industriais que acabam repassados ao varejo. Para o trabalhador, o tarifaço ameaça empregos diretos e indiretos em cadeias produtivas que dependem dos EUA como destino comercial.
Especialistas como o economista Alexandre Schwartsman e a professora Vera Thorstensen, da FGV, observam que o tarifaço pode ser usado como catalisador para a diversificação de mercados. A aproximação com a União Europeia, a Ásia e países da África pode se acelerar. “É hora de o Brasil repensar sua dependência de mercados historicamente voláteis”, afirmou Thorstensen em entrevista ao Valor Econômico. Essa linha se alinha com a clássica defesa de livre comércio feita por Adam Smith em A Riqueza das Nações, que já advertia que o protecionismo pode gerar mais perdas internas do que benefícios aparentes.
Politicamente, o gesto de Trump reforça sua retórica de campanha e busca agradar bases eleitorais nos estados industriais. No entanto, ao mirar um parceiro como o Brasil, o presidente norte-americano envia um recado claro: nenhum país está imune às prioridades da América. Há também um componente simbólico na retaliação: ocorre no mesmo mês em que o Supremo Tribunal Federal, no Brasil, marcou novas etapas no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de incitar atos golpistas em 8 de janeiro de 2023. A ala mais conservadora dos republicanos acusa o governo Lula de ser leniente com ditaduras e antagônico aos valores do Ocidente, e essa crítica reverbera nas palavras do próprio Trump. A retaliação tarifária funciona também como retórica ideológica: punir um país que, segundo Trump, “abandona a liberdade para se aproximar da China”.
Internamente, o tarifaço teve efeitos mistos no governo Lula. De um lado, a equipe econômica vê riscos reais de retração nas exportações, perda de divisas e comprometimento do equilíbrio fiscal. De outro, o episódio tem sido explorado como argumento político de defesa do Brasil soberano e como oportunidade para reafirmar a liderança do país no Sul Global. O presidente Lula, que enfrentará eleições gerais em 2026, tem usado o episódio para consolidar apoio entre setores industriais e trabalhadores afetados pelas medidas. No entanto, a perda de receitas e o aumento da percepção de risco podem fragilizar os esforços por investimentos estrangeiros diretos, dificultando o crescimento econômico num momento em que a população sente no bolso os efeitos da carestia e da insegurança alimentar.
A grande questão estratégica recai sobre o futuro das relações bilaterais. O Brasil, que mantinha posição de relativa neutralidade entre China e EUA nos últimos anos, agora se vê forçado a redefinir prioridades. Aproximar-se mais de Pequim seria uma reação natural, mas arriscada diante da atual tensão geopolítica. Por outro lado, recuar diante da agressividade americana sem proteção aos interesses nacionais pode representar fragilidade. Sair da dependência econômica de negócios com os Estados Unidos para se lançar inteiramente nos braços da China seria, no entanto, um erro estratégico para uma nação que aspira expandir sua influência e rugir com força própria nas próximas décadas. O equilíbrio entre firmeza diplomática e realismo econômico será o teste mais complexo da política externa brasileira nesta década.
(*) Pastor, Professor e Escritor, com formação em Filosofia, Psicanálise, Teologia e Educação, atuante em projetos do terceiro setor.
Fontes consultadas: Valor Econômico, Folha de S.Paulo, CNN Brasil, O Globo, Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fundação Getulio Vargas (FGV), declarações públicas de Alexandre Schwartsman e Vera Thorstensen, além da obra A Riqueza das Nações de Adam Smith.


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