O juiz e a borboleta

 


(*) Taciano Medrado


Dizem que a Justiça é cega. Mas o que ninguém contou é que, em tempos modernos, ela também criou asas. Sim, senhoras e senhores, estamos falando de um novo espécime da fauna jurídica nacional: o juiz-borboleta — aquele que voa leve entre os códigos, pousa onde lhe convém, e ainda acredita ser a flor mais perfumada do jardim republicano.

A metáfora pode soar poética, mas não se engane: por trás desse voo colorido, esconde-se uma figura preocupante. Na filosofia grega antiga, a palavra “borboleta” é a tradução de psykhé — a mesma usada para designar alma, mente… e que na linguagem moderna nos brinda com o termo “psicopata”. Um acaso etimológico? Talvez. Mas não deixa de ser irônico — e sintomático.

Enquanto a borboleta da natureza espalha beleza e poliniza flores, o nosso juiz-borboleta espalha incertezas e poliniza arbitrariedades. Seu voo errático passa longe dos princípios constitucionais, ignora os trilhos da imparcialidade e se orienta por uma bússola própria — calibrada pela vaidade e alimentada por holofotes.

Se outrora os magistrados se curvavam apenas à Constituição e ao pudor de não se tornarem protagonistas, hoje vemos um novo tipo de toga: aquela que brilha mais que a estrela de qualquer influenciador digital. O juiz-borboleta quer palco, quer microfone, quer rede social. Quer ser a manchete — não o mediador.

E quando pousa — ah, quando pousa — não é no terreno fértil da Justiça, mas no delicado e conveniente campo das decisões monocráticas. Ele decide sozinho. Tudo. Para todos. Como um semideus togado que acredita ter recebido a missão divina de salvar a República... de si mesma.

Talvez você, leitor do TMNews do Vale, já tenha visto esse tipo em ação: declara inconstitucional o que não lhe agrada, censura o que o desagrada, e promove o que lhe convém. Se a borboleta da fábula oriental decidia o destino da vida com o leve bater de asas, o nosso juiz decide o destino de milhões com um clique no sistema eletrônico do tribunal.

E o povo? Ah, o povo que aguarde. O povo não entende mesmo desses voos jurídicos complexos, desses floreios retóricos, dessas decisões que ora parecem pautadas pela lei, ora por um artigo opinativo de jornal. O juiz-borboleta não quer ser questionado. Ele voa alto, acima do bem e do mal, das críticas e das consequências.

Mas atenção: todo voo tem seu pouso. E toda borboleta um dia descansa. Resta saber se, quando a poeira baixar, ainda haverá Justiça de pé ou apenas uma floresta devastada por decisões aladas e inquestionáveis.

Neste país onde as instituições vivem de narrativas, o juiz-borboleta é o personagem perfeito para a nossa tragicomédia institucional: leve na responsabilidade, pesado na vaidade; sensível à crítica, mas insensível ao contraditório.

Ironia das ironias: quem devia garantir o equilíbrio das leis virou protagonista do desequilíbrio institucional. Quem deveria agir com discrição, age com espetáculo. E quem deveria dar voz à lei, agora fala por si — e muito.

Talvez os gregos tivessem razão ao associar a borboleta à psique — a mente. Mas não contavam com a nossa versão tupiniquim: uma toga alada que delira entre o narcisismo e o autoritarismo, achando que governa com a ponta da caneta aquilo que deveria apenas julgar com a balança.

Por ora, só nos resta observar, irônicos e atentos, esse voo colorido pelas salas do poder. E torcer para que, um dia, a toga volte a ser toga — e não fantasia de carnaval.

(*) Professor, psicopedagogo e analista político

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