(*) Angelo Zanaga Trapé
Resumo
A avaliação de agrotóxicos (pesticidas) no Brasil é historicamente conduzida por critérios técnico-regulatórios centrados na análise de risco e toxicologia ambiental. No entanto, decisões recentes, como o banimento do paraquat pela ANVISA com base no Princípio da Precaução, evidenciam lacunas na integração entre a toxicologia clínica e o processo regulatório. Este artigo propõe uma nova arquitetura de governança técnica — multidisciplinar e transparente — que fortaleça as decisões sanitárias, incorporando evidências clínicas, ocupacionais e sociais à avaliação de risco tradicional.
1. Introdução
A regulação de agrotóxicos é tema sensível na interseção entre saúde pública, agricultura e política. A divergência entre instituições como ANVISA (regulatória), INCA (prevenção do câncer) e movimentos sociais evidencia tensões metodológicas — entre o foco no perigo potencial, a avaliação de risco real e a comunicação pública.
Casos como o banimento do paraquat, após mais de 60 anos de uso no Brasil, sem estudos clínicos nacionais que atestassem causalidade direta com doenças neurodegenerativas, suscitam questionamentos sobre a base técnica, a legitimidade social e os limites da atual estrutura decisória.
2. Avaliação de Risco x Avaliação de Perigo: Distinções Fundamentais
Agências como a ANVISA, a EPA (Estados Unidos) e a EFSA (União Europeia) adotam predominantemente a avaliação de risco, que considera:
- A toxicidade intrínseca (perigo);
- A probabilidade e o nível de exposição;
- Os cenários reais de uso e as vulnerabilidades populacionais.
Já instituições como a IARC e o INCA adotam enfoques precaucionários, muitas vezes focados no potencial de dano, mesmo com evidências limitadas de risco sob condições reais.
3. O Caso Paraquat: Precaução Justificada ou Inconsistência Técnica?
A reavaliação do paraquat culminou em seu banimento com base em:
- Estudos experimentais internacionais sugerindo neurotoxicidade;
- Sua alta toxicidade aguda e ausência de antídoto;
- A inviabilidade de uso seguro em condições brasileiras.
Entretanto, não houve registro de casos clínicos nacionais de Doença de Parkinson atribuídos ocupacionalmente ao produto, tampouco biomarcadores detectados em trabalhadores expostos.
O uso exclusivo do Princípio da Precaução, dissociado da avaliação formal de risco e sem participação ativa de toxicologistas clínicos, compromete a robustez técnico-científica da decisão — especialmente diante da ausência de estudos clínico-epidemiológicos nacionais.
4. Lacunas da Governança Técnica AtualA composição da força de trabalho da ANVISA privilegia áreas como agronomia, farmácia e toxicologia ambiental, mas carece de profissionais com:
- Experiência em toxicologia clínica (exposição humana real);
- Atuação hospitalar e ambulatorial em casos de intoxicação por agrotóxicos;
- Vivência na rede SUS, especialmente em regiões rurais.
Essa lacuna dificulta a tradução das evidências científicas em avaliações contextualizadas da exposição real da população brasileira.
5. Proposta de Governança Técnica Integrada
Para fortalecer a legitimidade científica e a aderência à realidade brasileira, propõe-se:
5.1. Comitê Multidisciplinar de Reavaliação Técnica
Formado por especialistas independentes nas seguintes áreas:
- Toxicologia clínica (hospitais de referência);
- Epidemiologia ocupacional;
- Medicina do trabalho e saúde ambiental;
- Toxicologia regulatória e agrícola.
5.2. Inclusão Sistemática de Evidência Clínica Nacional
Com incorporação de:
- Prontuários de intoxicações por agrotóxicos no SUS;
- Registros da vigilância em saúde do trabalhador;
- Dados toxicológicos de ambulatórios especializados;
- Projetos de pesquisa clínico-epidemiológicos.
5.3. Audiências Técnicas e Consultas Públicas com Transparência
Antes de decisões críticas, promover:
- Audiências públicas com especialistas e representantes da sociedade civil;
- Divulgação prévia de relatórios técnicos simplificados;
- Apreciação de estudos clínico-epidemiológicos realizados no país.
5.4. Núcleo de Comunicação de Risco
Equipe integrada com profissionais de comunicação, sociologia e toxicologia para:
- Explicar decisões em linguagem acessível;
- Evitar alarmismo ou desinformação;
- Fortalecer a alfabetização toxicológica da população.
6. Considerações Finais
O aprimoramento da regulação de agrotóxicos (pesticidas) no Brasil exige um modelo decisório mais integrado, clínico, transparente e dialogado. Incorporar a experiência de campo da toxicologia clínica fortalece a legitimidade técnico-científica das decisões e promove maior confiança da sociedade nas instituições públicas.
Sobre o CCAS
O Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) é uma organização da Sociedade Civil, criada em 15 de abril de 2011, com domicilio, sede e foro no município de São Paulo (SP), com o objetivo precípuo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto.
O CCAS é uma entidade privada, de natureza associativa, sem fins econômicos, pautando suas ações na imparcialidade, ética e transparência, sempre valorizando o conhecimento científico.
Os associados do CCAS são profissionais de diferentes formações e áreas de atuação, tanto na área pública quanto privada, que comungam o objetivo comum de pugnar pela sustentabilidade da agricultura brasileira. São profissionais que se destacam por suas atividades técnico-científicas e que se dispõem a apresentar fatos, lastreados em verdades científicas, para comprovar a sustentabilidade das atividades agrícolas.
A agricultura, por sua importância fundamental para o país e para cada cidadão, tem sua reputação e imagem em construção, alternando percepções positivas e negativas. É preciso que professores, pesquisadores e especialistas no tema apresentem e discutam suas teses, estudos e opiniões, para melhor informação da sociedade. Não podemos deixar de lembrar que a evolução da civilização só foi possível devido à agricultura. É importante que todo o conhecimento acumulado nas Universidades e Instituições de Pesquisa, assim como a larga experiência dos agricultores, seja colocado à disposição da população, para que a realidade da agricultura, em especial seu caráter de sustentabilidade, transpareça. Mais informações no website: Link. Acompanhe também o CCAS nas redes sociais:
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(*) Professor-doutor aposentado da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS)
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