O Judas de Borges e a Política no Brasil



(*) Taciano Medrado

No conto Três versões de Judas, Jorge Luis Borges desconstrói a figura tradicional do traidor por excelência, propondo interpretações ousadas que desafiam o senso comum. Para Borges, Judas pode ter sido não um vilão, mas o verdadeiro sacrificado da história — aquele que escolheu a infâmia para que o plano divino se cumprisse. Essa inversão moral é tão desconcertante quanto familiar para quem observa a política brasileira.

Na política do Brasil, "Judas" é uma metáfora recorrente. A palavra é lançada com frequência nos palanques, nos bastidores partidários, nas redes sociais e nos discursos inflamados. Traidores, reais ou imaginados, surgem a todo momento — entre aliados que mudam de lado, partidos que abandonam ideais, líderes que renegam compromissos de campanha. No entanto, o que Borges nos ensina é que o conceito de traição pode ser, em si, uma construção narrativa.

Tal como o teólogo fictício Nils Runeberg reinterpreta Judas para além do bem e do mal, muitos políticos e analistas tentam reescrever a história de certos “traidores” como heróis incompreendidos, que agiram em nome de um bem maior. Quantas vezes vemos figuras que romperam com governos ou partidos sendo posteriormente celebradas por essa escolha, enquanto outros são permanentemente marcados pela pecha da traição?

A política brasileira, marcada por viradas repentinas, acordos de bastidores e alianças improváveis, parece viver dentro de uma narrativa borgeana: não há heróis ou vilões absolutos, apenas versões — versões de Judas. E, assim como no conto, cada versão revela mais sobre quem conta a história do que sobre o próprio Judas.

No fim das contas, o conto de Borges não nos fala apenas sobre religião ou literatura, mas sobre a natureza das narrativas humanas. E em um país onde a política é feita tanto de fatos quanto de versões, talvez todos sejamos, em algum momento, leitores e autores do nosso próprio Judas.

(*) Professor e analista político


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