Einstein visitou o
Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Ele posou para esta foto com vários
cientistas, entre eles o diretor da organização, o médico Carlos Chagas (ao
centro)© Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Albert Einstein expressou alguns de seus pensamentos mais íntimos em diários de viagem. Em suas páginas, o homem que revolucionou a Física não tinha filtros.
Ele
não pretendia que as anotações fossem publicadas, mas foram — e isso nos
permite conhecer suas impressões sobre os países que visitou.
"Algo
que é realmente interessante é que seus diários revelam uma clara discrepância
entre suas declarações públicas, que eram progressistas e humanitárias,
convidando à tolerância, e algumas passagens das suas anotações privadas, nas
quais expressava preconceitos e estereótipos em relação às
pessoas que conheceu."
Esse
alerta nos foi dado, em 2018, pelo historiador Ze'ev Rosenkranz, com quem
conversamos por conta do lançamento de Os Diários de Viagem de Albert
Einstein: Extremo Oriente, Palestina e Espanha, 1922 - 1923, livro do qual foi
editor.
Naquela
entrevista, ele nos contou que a visão do cientista sobre os japoneses era
positiva, contrastando com o que ele pensava sobre os chineses, que descreveu
como "uma gente trabalhadora, asquerosa e obtusa".
Rosenkranz
é editor do The Collected Papers of Albert Einstein, um projeto do Instituto de
Tecnologia da Califórnia, que coletou, traduziu e publicou milhares de
documentos do ganhador do Prêmio Nobel alemão — e que conta com a
colaboração da Universidade de Princeton, nos EUA, e da Universidade Hebraica
de Jerusalém, em Israel.
Agora,
voltamos a conversar com o especialista por conta do livro Os diários de
viagem de Albert Einstein: América do Sul, 1925, publicado pela Princeton
University Press em 2023, para descobrir o que o físico escreveu sobre sua
visita a três países da região.
Em
seu livro, Rosenkranz nos conta que embora o físico tenha ficado encantado com
"a cordialidade genuína" dos uruguaios, escreveu comentários muito
"duros" sobre os argentinos e manifestou "um afeto ambivalente
pelos brasileiros".
Um
território inédito
Em
março de 1925, Einstein embarcou para uma região que nunca havia visitado: a
América do Sul.
Vários
fatores podem ter influenciado sua decisão de embarcar no navio: desde pessoais
(como se ausentar de Berlim) até científicos (como ampliar o conhecimento sobre
a teoria da relatividade).
O
especialista lembra que muito do que se encontra nos diários foram as
impressões imediatas que o cientista teve dos lugares e das pessoas que
conheceu, e que grande parte do seu conteúdo foi escrito de forma extremamente
concisa.
E
o que o físico pretendia era ter um registro para si mesmo e para compartilhar
com Elsa (sua segunda esposa) e a filha mais nova dela, Margot, que não puderam
acompanhá-lo, e o aguardavam em Berlim.
Einstein
formou opiniões diferentes sobre os três países, mas o que parece ser uma
constante é o impacto positivo que a geografia e a natureza da região tiveram
sobre ele.
Brasil,
ambivalência
Einstein
passou pouco mais de uma semana no Brasil, e ficou maravilhado com "a
majestade" da paisagem e da vegetação.
O
Corcovado e o Pão de Açúcar estavam entre os pontos turísticos do Rio de
Janeiro que o cativaram.
"Ele
também ficou encantado com o que chama de 'mistura racial', a diversidade
étnica", explica Rosenkranz.
Assim
como aconteceu na Argentina e no Uruguai, houve figuras que o impressionaram
muito, como o médico Antônio da Silva Mello e o psiquiatra Juliano Moreira.
Mas
foram exceções.
Em
uma parte do diário, o físico escreveu: "Aqui sou uma espécie de elefante branco
para os demais, eles são macacos para mim".
A
impressão de Einstein sobre o Brasil e sua população envolve suas próprias
complexidades.
Rosenkranz
afirma no livro que essa percepção "se aproxima muito de uma desumanização
dos brasileiros". Esta tendência se reflete não só na sua visão dos
moradores locais como "macacos", mas na referência que faz a eles
como "fofinhos".
Peço
ao pesquisador que contextualize.
"Einstein
acreditava no que é chamado de determinismo geográfico. Ele achava que um clima
mais quente ou mais úmido prejudicava as faculdades cognitivas da população
local."
Ele
já havia expressado essa ideia em um diário anterior, quando fez uma escala no
Ceilão (atual Sri Lanka), e indicou que os trópicos suavizam a população.
"Ele
não consegue imaginar que as pessoas tenham as mesmas habilidades cognitivas se
tiverem que lidar com o calor e a umidade, o que, obviamente, demonstra sua
atitude de superioridade."
Ao
usar o termo "fofinhos", o historiador sugere que, embora possa ser
uma manifestação de afeto, também pode denotar alguma superioridade.
"E
'macacos' é um termo meio difícil em alemão porque também pode significar
apenas tolos. Mas é claro que, no contexto linguístico, estritamente falando, é
uma desumanização, porque estamos comparando pessoas a macacos e, claro, há um
histórico de chamar pessoas de macacos que não é positivo."
O
pesquisador conta que, nas entrevistas que concedeu quando seu livro foi
lançado no Brasil, percebeu que seus interlocutores ficaram ofendidos. "E
acho que eles têm razão de ficar (ofendidos) com essas expressões de
paternalismo."
Sem
censura
Einstein
chegou à América do Sul com sua própria perspectiva, que era
"centro-europeia, caracterizada pelo paternalismo e pela superioridade e
até mesmo por uma boa dose de arrogância", escreveu o historiador.
Em
nossa entrevista, ele nos lembra que o físico fazia anotações em seus diários
"para auxiliar a memória" e para sua esposa e enteada.
"Ele
diz isso explicitamente em uma das cartas que escreve a elas: 'Vocês vão ler
sobre isso no diário'. Não achou que seriam publicados."
"Mas
ele deixou seu patrimônio para uma instituição acadêmica, a Universidade
Hebraica."
"Não
censuramos nenhum material. Tudo o que está lá, nós nos comprometemos a
publicar de alguma maneira", afirma o pesquisador que faz parte da equipe
de especialistas das três universidades responsáveis pelo projeto The
Collected Papers of Albert Einstein.
E
aconteceu que "esses pensamentos muito particulares foram
publicados".
O
especialista nos convida a analisar o contexto mais amplo: "Apesar das
manifestações de preconceito, Einstein se tornou anos depois, um importante
ativista contra a discriminação dos negros nos Estados Unidos e um ativista
contra o racismo".
"Quando
vemos como Einstein se comporta ao longo do tempo, percebemos que ele diz
coisas diferentes em momentos distintos. Ele até se contradiz, é como qualquer
outro ser humano, ele muda de opinião."
Em
seu livro, o pesquisador reflete sobre alguns comentários pesados feitos por
Einstein:
"Eles
nos oferecem a oportunidade de lidar com o fato de que até mesmo os seres
humanos mais reverenciados têm um lado mais sombrio e primitivo que não podemos
e não devemos ignorar ou descartar."
Argentina,
uma impressão 'complexa'
O
primeiro país da viagem foi a Argentina, que — segundo Rosenkranz — contava com uma boa
infraestrutura para pesquisas na área de Matemática e Física, o que contrastava com a situação
no Uruguai e no Brasil.
Na
Argentina, a teoria da relatividade já estava sendo discutida.
O
ganhador do Prêmio Nobel de Física havia recebido vários convites daquele país,
não apenas do meio acadêmico, mas também da comunidade judaica.
Einstein
era uma celebridade internacional, o que significava que sua agenda estava
repleta de compromissos.
"A
impressão que Einstein tem da Argentina é complexa", diz Rosenkranz à BBC
News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
"Ele
chegou com preconceitos sobre a Argentina, sobre a América do Sul em geral, e
não acho que tenha se desfeito deles."
No
início, diz o especialista, o físico teve impressões muito positivas,
especificamente de acadêmicos, como o reitor da Universidade de Buenos Aires,
José Arce, e o filósofo Coriolano Alberini.
Após
sua primeira conferência científica, demonstrou satisfação pela presença de
jovens estudantes interessados nos temas que abordou.
Porém,
depois de um tempo, as opiniões favoráveis se tornaram uma exceção.
Einstein
passou um mês na Argentina.
"Dos
três países, é o que gera a impressão mais profunda, mas, no geral, não é
positiva."
Rosenkranz
acredita que Einstein embarcou no navio carregado de estereótipos e que, no
trajeto, quando conheceu os primeiros argentinos a bordo, "de alguma
maneira, eles confirmaram esses estereótipos".
Inclusive,
pouco antes da viagem, ele chegou a escrever para um amigo dizendo que estava
animado com a jornada, mas não com os compromissos sociais com "os índios
semiaculturados usando smoking”.
"Acho
que é um comentário muito ofensivo porque é como se insinuasse que a população
nativa não tinha uma cultura que ele valorizasse, e que eles estavam se
disfarçando com roupas de gala", disse o autor à BBC News Mundo.
"Do
seu ponto de vista elitista invertido, ele não gostava de smoking,
independentemente de quem os usava. Mas, neste caso, ele estava meio que
dizendo que até mesmo as pessoas que normalmente não usavam smoking,
estavam usando."
"Não
vejo como evitar ver isso como ofensivo, mas talvez esse seja apenas o meu
ponto de vista."
Em
seu diário, Einstein chamou os argentinos de "índios" e
"espanhóis".
Rosenkranz
me disse que pesquisou em que ocasiões anteriores o físico havia usado o termo
"índios".
Em
uma ocasião, ele se referiu aos "índios" como "os guardiões dos
'segredos da vida natural'".
"Outro
exemplo é quando ele passou as férias de verão com os filhos, fora de Berlim, e alugou uma cabana. Ele comparou
essa experiência a 'viver como os índios' — e disse isso de uma forma
positiva."
Embora
o pesquisador reconheça que hoje em dia provavelmente poderia ter outra
conotação, ele acha que "ele quis dizer isso num sentido favorável".
Ao fazer alusão aos "índios", Einstein "está se referindo a um
dos grupos étnicos da população que encontrou na América do Sul", mas
acaba fazendo uma generalização.
No
caso de "espanhóis", o autor acredita que o físico se referia a
pessoas que falavam espanhol.
"Para
ele, provavelmente da sua perspectiva centro-europeia, não era uma distinção
importante o suficiente."
Embora
tenha considerado sua população "delicada" e "elegante", o
ganhador do Prêmio Nobel não gostou de Buenos Aires.
Em
carta a Elsa e Margot, ele descreveu a capital argentina como "uma cidade
estéril do ponto de vista do romantismo e da intelectualidade".
"Ele
vê Buenos Aires como uma versão sulista de Nova York, mais materialista e mais
focada no que ele considera ser a aparência externa", explica o
especialista.
Em
seu diário, Einstein usou adjetivos como "superficial" e
"fria" e, embora estivesse se referindo à capital, Rosenkranz observa
que o físico novamente recorre a uma generalização para englobar todo o país.
No
entanto, ele deixou registrado o quanto gostou da "energia nova" que
encontrou em Llavallol, da paisagem que viu nas montanhas de Córdoba, e da
arquitetura da cidade, onde encontrou "vestígios de uma cultura
genuína", assim como "um senso de sublime".
A
música tradicional também o atraiu.
Rosenkranz
destaca em seu livro que Einstein descreveu os argentinos como
"displicentes", "infantis" e "estúpidos".
Isso
levou o autor a se perguntar: "Como podemos interpretar a avaliação, em
grande parte implacável, de Einstein sobre os argentinos?" Pego emprestada
sua pergunta e devolvo para ele.
"Acho
que isso se explica, em parte, pelos preconceitos que ele tinha e continuou
tendo durante a viagem."
"Ele
continuou, inclusive, a expressar estereótipos muito semelhantes após a viagem,
quando já estava de volta à Europa."
"Acho
que essas ideias estão inseridas no contexto dos estereótipos alemães e
europeus sobre a América Latina, sobre a América do Sul e, especificamente,
sobre os argentinos."
"Podem
ser estereótipos positivos e negativos, mas acho que, no caso dele, pendeu mais
para os negativos."
"Provavelmente,
faziam parte da sua socialização, da sua educação de classe média centro-europeia
na Alemanha."
"E,
embora ele abra exceções para alguns indivíduos, quando fala, tende a
generalizar e a se inclinar para avaliações mais negativas como parte de seus
preconceitos."
Uruguai,
'feliz'
Einstein
passou uma semana no Uruguai, gostou de Montevidéu e ficou impressionado com
seus habitantes, cuja modéstia chamou sua atenção.
"No
Uruguai, encontrei uma cordialidade genuína como poucas vezes em minha vida. Lá
conheci o amor pela própria terra, sem nenhum tipo de megalomania",
escreveu.
Ele
expressou prazer em conhecer o filósofo Carlos Vaz Ferreira e o engenheiro
Carlos M. Maggiolo.
Mas
a amabilidade não foi a única coisa que o cativou.
"Ele
gostava de países pequenos", diz Rosenkranz.
"Achava
que todos os países grandes deveriam ser divididos em países pequenos."
Na
opinião do ganhador do Prêmio Nobel, isso fazia com que as nações se
relacionassem melhor entre si e reduzissem o poder governamental.
O
clima e a arquitetura o faziam lembrar da Europa.
"Ele
também se sentiu atraído pelo fato de o Uruguai ser uma república, e de haver
uma separação rígida entre o Estado e o clero. Isso era importante para
ele."
"Ficou
muito impressionado com os programas de bem-estar social que existiam."
Para
Einstein, o modelo das instituições sociais era digno de elogios. Um país
"muito liberal", ele escreveu.
De
acordo com Rosenkranz, o físico manifestou uma "genuína admiração pelos
uruguaios".
"Uruguai,
um pequeno país feliz", escreveu o cientista.
Fonte: BBC News Brasil
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