(*)
: Philipp Lichterbeck
O
presidente Lula demitiu seu ministro dos Direitos Humanos e da
Cidadania nesta sexta-feira (06/09). Silvio Almeida era uma figura de proa no
gabinete governamental de 39 membros. Como advogado, é reconhecido nas áreas de
direito empresarial, direito econômico e tributário e direitos humanos. Sua
demissão ocorreu após acusações de abuso sexual , que estão ainda sendo
investigadas. A ONG Me Too Brasil divulgou as denúncias, sem citar a identidade
das supostas vítimas ou os crimes cometidos por Almeida. O ex-ministro nega as
acusações.
No
entanto, a professora Isabel Rodrigues publicou um vídeo no qual descreve como
Almeida a teria assediado sexualmente em 2019. Rodrigues é candidata à
vereadora de Santo André (SP). Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial,
também relatou a seus colegas ministros que Almeida havia tocado nas suas
pernas de forma inadequada durante uma reunião oficial em maio de 2023.
Aparentemente, ela não tornou isso público para não prejudicar o governo.
Pelo
menos a troca de mensagens pelo WhatsApp atribuída aos dois ministros, vazada
depois da denúncia, levanta questões nesse contexto. Em agosto de 2023, os dois
marcaram um jantar pessoal. Sem deixar claro a que está se referindo, Almeida
escreve: "E, olha: eu quero recomeçar com você. Recomeçar". Anielle
Franco teria respondido: "Eu também. De verdade." Ela escreve ainda:
"Minha admiração por você é imensa". No início de setembro de 2023,
Almeida teria escrito: "Somos lindos, Anielle! E esse seu vestido é
deslumbrante". A ministra responde: "Ficou mto foda né!?" Cinco
minutos depois, Franco descreve a si mesmo e a Almeida como: "Lindos,
negros, competentes e ainda ministros kkkkkkk". Dois meses depois, ela lhe
garante sua solidariedade após os ataques políticos: "Por isso a união da
gente é tão importante! Qualquer coisa, tô aqui!."
As
mensagens não permitem tirar conclusões sobre a situação descrita por Anielle
Franco, mas mostram que os dois mantiveram um relacionamento profissional e
amigável depois disso, e que Franco aparentemente queria deixar o incidente
para trás.
Dilema
O
caso Silvio Almeida apresenta um dilema, como acontece frequentemente com as
alegações de abuso sexual. As acusações raramente podem ser comprovadas, e é
por isso que muitas vítimas relutam em vir a público. Mas a situação também é
ruim para o suposto perpetrador. Afinal, como ele poderá provar sua inocência
se a acusação for fabricada e usada como arma política ou por motivos de
vingança pessoal? Particularmente no Brasil, onde os nomes e as fotos dos
acusados (não dos condenados!) são publicados pela mídia, esse é um método
eficaz de causar enormes danos sociais e profissionais.
E
nesse teclado toca agora Silvio Almeida, apresentando-se como vítima de uma
conspiração e ameaçando seus "algozes" com vingança. Ele fala de uma
campanha "para afetar a minha imagem enquanto homem negro em posição de
destaque no poder público". Diz que provará sua inocência e indiretamente
acusa a Me Too Brasil de corrupção, alegando que houve irregularidades na
candidatura da ONG em uma licitação de seu ministério. Para criar clareza, a Me
Too Brasil deveria fundamentar de forma concreta as acusações contra Almeida.
Não
cabe à internet ou à imprensa julgarem Almeida sem ter acesso a todas as
informações. Almeida, como todo acusado, tem o direito à presunção de inocência
até que um juiz o considere culpado. No entanto, é possível se perguntar qual é
a probabilidade de haver uma conspiração contra o "único ministro negro do
governo" (autodenominação de Almeida), conforme sugerido por Almeida, na
qual justamente Anielle Franco e tantas outras mulheres (o número está
crescendo quase diariamente) estariam envolvidas?
Consequência
para vítima é o que importa
A
questão de saber se Almeida considerava seu comportamento – toques, abraços,
beijos, palavras – como socialmente apropriado porque confundiu amizade e
afinidade política com o direito à intimidade, ou se abusou deliberadamente de
sua posição de poder porque se sentia poderoso como advogado renomado e figura
de proa do movimento negro e dos direitos humanos, é, em última análise,
irrelevante porque não é a intenção de Almeida que importa, mas as
consequências psicológicas negativas para as mulheres.
Apesar
da consternação causada pelo caso Silvio Almeida, o Brasil e sua política de
identidade de esquerda podem aprender que nem as convicções políticas corretas
e nem o fato de pertencer a um grupo estruturalmente desfavorecido impedem uma
pessoa de explorar sua posição de poder contra aqueles considerados mais
fracos.
A
segunda lição, no entanto, é que existem dois pesos e duas medidas intoleráveis
no governo Lula. Desde o início do Lula 3, há investigações policiais contra
o ministro das Comunicações, Juscelino Filho. De acordo com a
PF, ele cometeu crimes de corrupção passiva, organização criminosa, falsidade
ideológica, lavagem de dinheiro e fraude em licitação.
Mas
Filho, ao contrário de Almeida, ainda está no cargo. "Nós vamos sempre
primar pela presunção da inocência, até porque a gente já viu muita gente ser
injustamente condenada publicamente", diz o ministro das Relações Institucionais
de Lula, Alexandre Padilha, justificando a manutenção de Filho no governo.
Aparentemente,
a presunção da inocência só parece se aplicar a ministros acusados de
corrupção.
(*)
Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou
de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o
Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e
Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do
continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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