(*)
Philipp Lichterbeck
Políticos,
juízes e outras autoridades de alto escalão não precisam ser santos. Reconhecer
erros deveria ser sinal de força, não de fraqueza, e também se aplicar ao
ministro do STF.O ato de pedir desculpas não está entre os pontos fortes dos
brasileiros. É algo quase ausente na cultura política. Quem pede desculpas
admite sua culpa e deve enfrentar as consequências. No Brasil, porém, costuma
ocorrer o contrário: os erros são negados, mesmo quando são comprovados e
óbvios para todos.
Com
frequência, a pessoa que comete um erro, um delito ou um crime tenta desviar a
atenção ao acusar seus próprios acusadores de agir por razões desonestas ou de
ter algo a esconder. Ela se coloca como uma criança inocente, alvo de uma
verdadeira caça às bruxas.
Pode-se
observar esse padrão de comportamento no trânsito, por exemplo, quando um
motorista insulta enfaticamente a pessoa a qual ele próprio prejudicou ou
colocou em perigo.
Na
política, essa situação se torna ainda mais dramática. Ali, o senso de culpa e
a habilidade de pedir desculpas estão quase completamente ausentes. Não há uma
cultura de responsabilização.
Os
acusados normalmente negam tudo e imediatamente atacam seus oponentes.
Precedentes
alemães
Talvez
isso seja mais perceptível para mim em razão de a higiene política na Alemanha
ser, de certa forma, mais pronunciada. Em 2009, por exemplo, o então ministro
do Trabalho e Assuntos Sociais Franz Josef Jung renunciou após se tornar
público que ele havia misturado voos particulares com oficiais.
O
conservador Karl-Theodor zu Guttenberg renunciou do cargo de ministro da Defesa
em 2011 por cometer plágio em sua tese de doutorado, tendo seu diploma
revogado. No ano seguinte, o presidente e chefe de Estado da Alemanha Christian
Wulff renunciou devido um caso envolvendo empréstimos privados. Essa lista pode
ir longe, mas o princípio, contudo, deve ser claro. Parece surreal que figuras
como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha ou o ex-governador
do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão, com o passado que têm, pudessem retornar
à política.
O
fato de a cultura da admissão do erro e responsabilização ser pouco
desenvolvida no Brasil pode ter a ver com o machismo generalizado na sociedade.
Admitir um erro e se desculpar é visto como fraqueza, apesar de requerer força
– especialmente, força de caráter. O sistema político brasileiro, no entanto, é
mais como uma rinha de galo, onde todos estufam o peito e gritam o mais alto
possível.
É
ainda mais lamentável que até mesmo uma figura como Alexandre de Moraes não
pareça ser apto a admitir erros óbvios.
A
negação de Moraes
O
jornal Folha de S. Paulo publicou conversas entre o juiz instrutor do gabinete
de Moraes Airton Vieira e o então assessor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Eduardo Tagliaferro, responsável pelo combate à desinformação na corte. O
escritório de Moraes pediu informações a Tagliaferro de maneira informal, o que
não está em linha com as regras. Essas informações foram usadas pelo magistrado
para ordenar ações como parte das investigações do inquérito das fake news
contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal
(STF). Tanto Vieira quanto Tagliaferro expressaram desconforto com essa
prática.
É
claro que é absurdo igualar esses eventos à “Vaza Jato” [o escândalo gerado
pela revelação da troca de mensagens irregulares entre o então juiz Sergio Moro
e os procuradores da Operação Lava Jato], numa evidente manobra política para
tentar deslegitimar as legítimas investigações de Moraes contra os
bolsonaristas. Uma diferença fundamental é o fato de não ter havido um acordo
entre um juiz (Moro, no caso da Lava Jato) e o Ministério Público – ou seja,
entre um juiz imparcial e uma parte envolvida nos procedimentos.
No
caso de Moraes, o que ocorreu foi uma comunicação entre dois tribunais superiores
que integram o mesmo poder de Estado. Porém, o fato de isso ter ocorrido de
maneira não oficial, ou seja, em segredo, não foi correto.
A
alegação de Moraes e seus admiradores de que não há nada do que se reclamar é
igualmente absurda. Embora não haja juridicamente nenhuma ilegalidade, Moraes
colocou a si mesmo e o STF em situação vulnerável.
Seria,
portanto, um necessário sinal de força, e não de fraqueza, se Moraes admitisse
os erros cometidos. Está claro que o juiz, com seu posicionamento irredutível,
se tornou um símbolo da luta contra os inimigos da democracia brasileira. Mas
eximi-lo de críticas por esse motivo tem mais a ver com idolatria do que com
defesa da democracia.
Políticos, juízes do Supremo e outras autoridades de alto escalão não precisam ser santos. Eles cometem erros, como todas as pessoas. A gravidade desse erro é que determina se eles devem ou não estar aptos a exercerem seus cargos
(*) O Autor do artigo queria
abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em
2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da
América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja
frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano.
Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
Fonte:
Artigo publicado originalmente pelo DW
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