Parece
infinita a disposição do PT para sabotar os próprios governos que conquista e
lidera – e o calvário enfrentado há meses pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, é prova inconteste dessa vocação. Não é de hoje o confronto aberto
entre morubixabas petistas e quem defende uma política econômica séria e
fiscalmente responsável. Chama a atenção, no entanto, que não apenas se
dediquem a tentar arruinar o arcabouço fiscal e o que resta da frágil
credibilidade do governo, como também trabalhem para desmontar em praça pública
uma liderança do partido. Haddad é considerado o principal herdeiro político do
presidente Lula da Silva e o candidato de maior potencial para quando chegar o
momento da aposentadoria do chefe. Abalos definitivos na sua atuação na Fazenda
comprometem o governo, o presidente e o próprio partido, mas os algozes
petistas de Haddad não parecem se importar com isso, muito menos com a
estabilidade do governo e do Brasil. Ao contrário: talvez esteja nesse peso
político do ministro, e não apenas nas divergências econômicas, a natureza dos
ataques dirigidos a ele.
O
PT foi forjado numa imensa variedade de tendências e correntes internas. Do
grupo majoritário, a CNB (Construindo um novo Brasil), de Lula e José Dirceu, a
muitas outras, como Resistência Socialista, Democracia Socialista, Articulação
de Esquerda e algumas dúzias mais, há um cipoal de interesses, visões e
disputas que costumam orgulhar as lideranças do partido – uma democracia
interna louvável, embora grande parte acabe adotando silêncio obsequioso quando
convém a Lula e ao comissariado. A história é diferente quando se trata da
economia. Sob inspiração da própria ambiguidade presidencial, não só os
desejáveis debates públicos se tornam mais intensos, como algumas das
principais vozes do partido não hesitam em trabalhar contra. Contra o ministro
de ocasião, contra o governo, contra o Brasil.
Nunca
será demais lembrar os ataques sofridos por Joaquim Levy – que aceitara o
desafio de ser ministro da Fazenda de Dilma Rousseff – e seus efeitos para a
instabilidade política posterior. Pouco depois de eleita numa campanha
polarizada ideologicamente, em que acusou os adversários Marina Silva e Aécio
Neves de planejarem um ajuste duro, Dilma escalou Levy – reconhecido
fiscalista, a ponto de receber o apelido “mãos de tesoura” quando dirigiu o
Tesouro Nacional, durante o primeiro mandato de Lula – para, ela sim,
implementar medidas de austeridade fiscal. A guinada entre a campanha e o
segundo mandato foi oficializada, mas o PT trabalhou dia e noite no Congresso e
na opinião pública para implodir os planos do ministro e deu no que deu: a
deterioração fiscal foi crescente até provocar desequilíbrio macroeconômico e
perda contínua de apoios, culminando com a crise política e o impeachment de
2016. A lição pareceu insuficiente, porque o PT fez o que costuma fazer: pôs o
fracasso na conta de forças externas.
Se
Joaquim Levy era um forasteiro, um corpo estranho nas entranhas do poder
petista, Haddad é um quadro potencial num partido cujas lideranças envelheceram
– no tempo e nas ideias. Atribui-se à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e ao
ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, a liderança das investidas contra
Haddad. Uma resolução da sigla chegou a classificar de “austericídio fiscal” a
meta de déficit zero. Uma grita de tal monta que o ex-ministro José Dirceu
definiu como “quase covardia” integrantes do PT não apoiarem as propostas de
Haddad. De Gleisi se desconhece formação em matéria econômica. De Rui nota-se a
dificuldade de construir e articular um plano crível de governo. De ambos
sabe-se que não fariam o que fazem sem a anuência do presidente, pródigo na
arte de estimular a emissão de sinais variados, de modo a garantir a ele o
papel de árbitro. No passado, era Lula também que deixava lideranças petistas
atacarem duramente outro ministro da Fazenda, o também petista Antônio Palocci
– assim como Haddad, também citado à época como possível sucessor do
presidente.
As
cizânias petistas seriam irrelevantes, divertidas até, caso se restringissem ao
partido. O problema é quando suas altercações atingem o nervo central do País:
a economia. E o Brasil paga a conta.
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