(*)
Percival Puginna
A
ciência do direito deve ao ministro Alexandre de Moraes, com a coautoria dos
seus colegas do STF, a criação do flagrante perpétuo. Deve, também, a prisão
preventiva por tempo indeterminado. Deve o inquérito policial que “só acaba
quando termina”. Deve à elevação do Supremo Tribunal do país à categoria de
maior vara penal do mundo, com 2 mil processos pelas últimas contas, como se
admira publicamente o próprio ministro – diante dos aplausos e da
bem-aventurança da esquerda, cada vez mais encantada com essa criatividade na
defesa da democracia.
Moraes
vem agora com mais uma contribuição – ou pelo menos um up grade – nas técnicas
jurídicas de enfrentamento (palavra da moda, hoje) da extrema direita: o
magistrado “quatro-em-um”, com opção para o uso “dois-em-um”. É a autoridade
multiuso que preenche simultaneamente as funções de vítima, polícia, promotor e
juiz, tudo num mesmo caso. Sua variante é o dois-em-um, quando os serviços do
promotor e do juiz são terceirizados para gente de estrita confiança. Parece um
grande negócio para os interesses da administração: o Estado executa quatro
tarefas, ou pelo menos duas, mas o público tem de pagar por um funcionário só.
O
ministro Moraes acaba de desfechar mais uma operação dessas, na modalidade
“dupla premium” – ou seja, duas funções no mesmo caso. Mandou prender dois
suspeitos de crimes contra a democracia, citando a si mesmo como vítima de
ambos. No entendimento leigo, dá a impressão de ser aplicação de justiça pelas
próprias mãos, proibida no artigo 345 do Código Penal Brasileiro como crime de
“exercício arbitrário das próprias razões”.
No
entendimento do STF, é uma autoridade dando voz de prisão a um possível
infrator das leis penais. De fato, não foi a polícia que descobriu uma trama
contra o ministro e pediu as devidas providências, mas é o ministro quem ficou
desconfiado com os suspeitos – e mandou a Polícia Federal prender os dois.
Cuidou-se, no caso, de mandar o Procurador-Geral da República assinar a
papelada legal que se espera dele. Moraes também se declarou suspeito para ser,
ele próprio, o juiz-relator. Mas não muda nada.
Se
Alexandre Moraes e o resto do STF determinarem ao atual Procurador-Geral da
República a prisão do Coringa, ou do Doutor Silvana, ele apresenta o pedido na
hora – de modo que a função de promotor independente não existe para efeitos
práticos.
No
caso, ele pediu e Moraes, de próprio punho, expediu a ordem de prisão. O fato
de ele não ser o juiz deste caso também não tem nada a ver. E daí? Não passa
pela cabeça de nenhum dos seus dez colegas contrariarem o ministro Moraes em
nada; se o juiz é ele ou não dá na mesma para os acusados. Eles teriam, segundo
as denúncias de Moraes, indicado a “intenção de alterar o curso da justiça”;
pelo que foi dito, haveria também suspeitas de ameaças a seus familiares. Nem a
OAB gostou. “A lei brasileira não permite que a vítima julgue o próprio caso”,
disse o presidente da Ordem. O STF, claro, vai dizer que não é assim, pois o
ministro se declarou suspeito. Mas, é exatamente assim.
(*) Arquiteto,
empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Membro da Academia Rio-Grandense de
Letras. Escreve, semanalmente, artigos para vários jornais do Rio Grande do
Sul, entre eles Zero Hora, além de escrever o seu próprio blog e em outros websites
de expressão nacional, a exemplo do Mídia Sem Máscara, Diário do Poder, Tribuna
da Internet. Sua coluna é reproduzida por mais de uma centena de jornais.
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