O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acompanhado do ministro Juscelino Filho (Comunicação) durante a cerimônia de lançamento da Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, em setembro de 2023 Foto: Wilton Junior/Estadão© Fornecido por Estadão
Uma
auditoria interna da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do
Parnaíba (Codevasf) concluiu que houve irregularidades em obras
bancadas com recursos indicados pelo ministro das Comunicações, Juscelino
Filho, em Vitorino
Freire (MA) e pagamentos indevidos para a empresa contratada.
O
chefe da pasta afirmou que não é responsável pela execução das obras e que não
haverá prejuízo para os cofres públicos. A estatal respondeu que vai seguir as
recomendações da apuração. A prefeitura de Vitorino Freire, por sua vez, não
respondeu os questionamentos da reportagem.
Conforme
o Estadão revelou, o ministro usou o orçamento secreto para asfaltar uma estrada
que passa em frente à sua fazenda. A emenda secreta foi indicada quando ele
era deputado federal, em 2020. Os recursos foram enviados pela Codevasf para a
prefeitura do município, governada pela irmã do ministro, Luanna
Rezende. O presidente Lula cobrou explicações, mas resolveu manter
Juscelino no cargo.
A
auditoria especial, concluída em maio deste ano, se debruçou sobre dois
convênios assinados entre a Codevasf e a prefeitura de Vitorino Freire, no
montante de R$ 8,988 milhões, que contemplam a estrada do ministro e outras
ruas da cidade. A Polícia
Federal suspeita de um esquema de fraudes licitatórias, desvio de
recursos públicos e lavagem de dinheiro. A irmã do ministro chegou a ser afastada do cargo e os bens de
Juscelino foram bloqueados.
De
acordo com a laudo da Codevasf, houve pagamento indevido de R$ 172,2 mil para a
empresa contratada, a Construservice, em um dos convênios, o equivalente a 11%
do recurso transferido pela União para o município. O pagamento ocorreu sem o
devido controle do serviço e acabou bancando mais do que deveria, de acordo com
a apuração. A PF aponta o empresário Eduardo José Barros Costa, conhecido
como Eduardo Imperador, amigo de Juscelino, como verdadeiro dono da empresa. A
empreiteira sempre negou que ele fosse o sócio.
O
resultado prejudicou a qualidade do asfalto e o transporte do material para as
obras. Basicamente, a massa asfáltica colocada foi uma, mas o poder público
pagou por outra, mais cara, que não foi executada. Até o caminhão usado no
transporte do material ficou com pagamento acima do valor devido. Para a
auditoria, o serviço precisa ser refeito ou o dinheiro precisa ser devolvido
para os cofres públicos, uma vez que “resta comprovada a má aplicação dos
recursos públicos”.
O
relatório também aponta que a Codevasf não atestou a espessura do asfalto ao
fazer o acompanhamento das obras no local, trazendo riscos para a população.
“Como consequência para o achado, tem-se o pagamento de serviços executados com
qualidade inferior ao estabelecido em normativo técnico, com possibilidade de
entrega de um pavimento com prazo de vida útil reduzido e/ou diferente do
pactuado, resultando no não atingimento do objetivo do convênio de entregar uma
melhor qualidade de vida para a população atendida.”
Pagamentos
indevidos podem ser ainda maiores por falta de documentação
Os
valores pagos indevidamente podem ser ainda maiores. No segundo convênio,
também em Vitorino Freire, foi repassado R$ 1,38 milhão sem a apresentação de
nenhum documento que comprovasse a execução do serviço. Sem essa comprovação,
não é possível verificar se os serviços feitos estavam de acordo com o que foi
contratado e o que foi pago pela administração pública.
Também
houve divergência na extensão de ruas pavimentadas e pagas em relação ao
projeto básico e ao projeto executivo. “Essas falhas nos controles dos
partícipes do convênio podem resultar no pagamento de serviços sem embasamento
técnico, com qualidade inferior ao especificado ou mesmo incompatível com o
objeto conveniado”, diz o laudo.
De
acordo com a investigação, o erro não foi apenas da empresa, mas também da
prefeitura e da própria Codevasf, que falharam na fiscalização. O relatório
pondera que a estatal, apesar de o trabalho feito pelo órgão ser uma das causas
para as irregularidades, está revisando seu normativo de fiscalização e
convênios.
Na
estrada que leva para a fazenda do ministro, a mais extensa e a mais cara do
projeto, orçada em R$ 5 milhões, a auditoria não encontrou nenhum problema na
execução, diferentemente das outras ruas do município. De acordo com os últimos
relatórios da Codevasf, as obras nesse trecho pararam ainda na fase inicial,
com a terraplanagem, e não houve asfalto. Os trabalhos foram suspensos após operação da Polícia Federal,
baseada em reportagens do Estadão.
Codevasf
diz que vai atender recomendações para corrigir problemas
Em
resposta à reportagem, a Codevasf afirmou que a auditoria interna foi elaborada
a pedido da presidência da própria companhia e foi encaminhada para a
Superintendência Regional da empresa no Maranhão, que colaborou com a apuração.
A estatal tem até o dia 19 de agosto para atender as recomendações, que incluem
correção dos serviços ou devolução do dinheiro.
“Apontamentos
e recomendações da auditoria interna são observados pelas demais unidades
orgânicas da Codevasf para fins de controle e contínuo aperfeiçoamento de
procedimentos. O relatório da auditoria especial aponta todas as causas de seus
achados. A conduta corretiva a ser adotada é apresentada nas recomendações do
relatório, com prazo de atendimento até 19/08/2024?, afirmou a companhia.
Ministro
diz que não haverá prejuízo para os cofres públicos
O
ministro das Comunicações, Juscelino Filho, disse que não é responsável por
fiscalizar e executar as obras, apesar de ter sido o padrinho das emendas
secretas enviadas para a prefeitura da irmã. “Portanto, qualquer tentativa de
atribuir essa responsabilidade a Juscelino Filho, durante seu mandato como
deputado federal, é equivocada. A responsabilidade pela execução e fiscalização
dessas obras é do Poder Executivo e dos órgãos de fiscalização, que possuem
profissionais técnicos para isso”, disse o ministro em nota.
De
acordo com o ministro, não há haverá prejuízo ao erário público, pois a
prefeitura firmou um acordo com a Codevasf para a devolução de recursos.
Juscelino disse ainda que prestou esclarecimentos à Polícia Federal e criticou
a investigação. “Essa investigação tem repetido um modo operante que já vimos
na Operação Lava Jato, com vazamentos seletivos, de forma questionável,
buscando a qualquer custo levar a opinião pública a uma condenação prévia na
mídia, sem direito a um julgamento justo, e a uma instabilidade política,
justamente quando o país necessita de coesão e unidade.” O ministro não
respondeu à reportagem se possui algum conhecimento ou envolvimento com as
suspeitas de fraude, desvio e lavagem de dinheiro.
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