Podem ficar anos sem se manifestar, mas quando apresentam os primeiros sintomas, podem ser graves e levar à morte. As hepatites virais — dos tipos B e C — foram responsáveis pela morte de mais de 83 mil pessoas no país entre 2000 e 2021, segundo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado em 2023.
Ainda
de acordo com o levantamento do Ministério, a maior parte dos casos está
concentrada nas regiões Sul e Sudeste. São Paulo é a Unidade da Federação com o
maior número de registros: de 2000 a 2022, foram notificados 58,6 mil casos do
tipo B e 133,6 mil da C.
Diante
desse contexto, a hepatite B foi incluída no rol de 11 doenças e 5 infecções
determinadas socialmente a serem eliminadas ou terem cargas de transmissão e
mortalidade reduzidas pelo Programa Brasil Saudável, do Governo Federal, que
prevê ações coordenadas de 14 ministérios.
Doenças
totalmente evitáveis, mas que se não forem diagnosticadas e tratadas da maneira
correta, podem levar a problemas hepáticos graves, como explica Artur Olhovetchi
Kalichman, coordenador-geral de Vigilância do HIV/AIDS e das Hepatites Virais
no Ministério da Saúde. “São causadas por vírus. Normalmente, têm poucos
sintomas, a pessoa pode cursar assintomática com a hepatite B ou C. Porém, no
passar do tempo — principalmente a hepatite C —, pode levar a problemas sérios:
câncer, cirrose”.
Pelo
caráter silencioso e progressão lenta, a pessoa pode passar anos sem saber que
tem hepatite. Por isso, as autoridades de saúde destacam a importância da
testagem. O teste para ambas as doenças é feito na atenção básica do SUS — em
UBSs, centros de saúde e outras unidades especializadas. Trata-se de um teste
rápido, feito apenas com uma gota de sangue e que tem o resultado pronto em
poucos minutos.
Hepatites
Virais: tipos
Dentro
os quatro tipos de hepatites existentes (A, B, C e D), a hepatite B atinge
21,5% das pessoas. A principal forma de contágio é sexual, mas também pode ser
transmitida de mãe para filho no parto (transmissão vertical). Desde 1988, a
vacina para a doença está disponível pelo SUS desde o nascimento. Mas adultos
que não têm a doença podem receber as doses. A hepatite B não tem cura, mas
pode ser prevenida pela vacinação, oferecida na rede pública de saúde do SUS.
“É
importante falar que há vacina para a hepatite B. Nossa expectativa é, de fato,
eliminar a hepatite B, porque já entrou no Calendário Nacional de Vacinação do
SUS, as crianças quando nascem já estão tomando a vacina para hepatite B; os
adultos também, fazendo um teste, vendo que nunca teve hepatite B, podem tomar
vacina.
No
caso da hepatite B, uma arma fundamental de saúde pública é a vacina. E
incentivamos todo mundo a buscar a vacinação. [Recomendamos] Os pais vacinarem
seus filhos e os adultos a buscarem a sua própria vacinação”, pontua Kalichman
.
No
Brasil, a hepatite B está presente nas cinco regiões. Mas é nos grandes centros
que aparece com mais frequência (ver mapa interativo abaixo).
Já
a hepatite C é o tipo que mais aparece entre as virais no Brasil — responsável por
76,1% dos casos. O contágio acontece principalmente pelo sangue contaminado,
compartilhamento de agulhas ou instrumentos não-esterilizados, ou ainda de
forma menos comum, por meio do sexo se o uso de preservativos — se houver algum
fissura ou sangramento na região intima. Ainda pode ser transmitida
verticalmente, de mãe para filho, durante o parto.
A
hepatite C ainda não tem vacina, mas tem tratamento e cura. O tratamento
oferecido pelo SUS é feito com os chamados antivirais de ação direta (DAA). O
ciclo dura entre 4 e 12 semanas, não tem efeitos colaterais e apresenta taxas
de cura de mais 95%.
E
foi justamente com esse tipo de vírus que a professora aposentada Faustina
Amorin Silva, 83 anos, conviveu por mais de 40 anos. A moradora de Araçatuba
(SP) conta que contraiu hepatite C depois de um aborto espontâneo, nos anos 60.
Por ter perdido muito sangue, ela precisou de uma transfusão e foi aí que ela
acredita ter sido infectada.
Foram
décadas convivendo com a hepatite, sem sintomas. Até que nos anos 2000 Faustina
precisou fazer uma cirurgia e o médico recomendou colher o sangue para uma
autotransfusão. E foi aí que ela descobriu a hepatite C, que já estava em nível
2 — uma pré-cirrose.
Na
época da dona Faustina, o tratamento era muito mais agressivo e longo: durava
48 semanas. Mas ela conta que valeu a pena todo ‘sacrifício’. “Foram 48 doses.
Na 12ª segunda semana, foi o teste. Já estava negativada [para hepatite C] na
36ª. Nunca mais voltou o meu vírus”, relata
Hoje,
aos 83 anos, Faustina é presidente de uma organização não governamental que
informa sobre a prevenção e a importância da detecção das hepatites virais.
Viaja pelo país dando palestras sobre essas doenças em escolas e outras
instituições. Além disso, promove encontros de testagem para a detecção da
doença. “Falta de informação e de busca ativa são os principais problemas hoje
para a enfrentamento das hepatites virais. Um trabalho que venho fazendo junto
à sociedade civil para tentar eliminar a doença”, afirma.
Hepatites
virais: transplantes de fígado
Quem
se infecta com as hepatites virais (B ou C) pode ficar anos assintomático.
Apesar disso, é capaz de infectar outras pessoas se tiver relações sexuais sem
proteção ou por compartilhar agulhas e seringas. Entre os sintomas que podem
aparecer que servem de alerta estão: icterícia — uma condição que deixa a
pessoa com a pele amarelada —, além de inchaço abdominal. Nos casos mais
graves, a hepatite pode evoluir para uma cirrose ou até mesmo câncer de
fígado.
As
hepatites B e C são a principal causa de transplante de fígado no Brasil. Um
último estágio da doença que só costuma evoluir quando ela não é descoberta e
tratada da forma correta, como explica Kalichman. “Seja do ponto de vista do
sofrimento individual de chegar a precisar de um transplante por estar com o
fígado sem funcionar, seja pelos custos enormes que isso acaba trazendo para o
SUS. Comparando com uma vacina ou um diagnóstico precoce, é muito importante
— seja por bem-estar de cada um ou do ponto de vista de saúde
pública — que cada vez menos gente evolua para cirrose ou para
câncer. E que as pessoas façam o diagnóstico precoce e se tratem”.
Hepatites
virais: Programa Brasil Saudável e enfrentamento
Uma
das políticas públicas mais recentes, que hoje virou um programa de governo para
o enfrentamento das hepatites virais e de outras doenças e infecções
socialmente determinadas, é o Brasil Saudável. Por meio da integração do
Ministério da Saúde com outros 13 ministérios, o programa tem por objetivo
eliminar a transmissão vertical das hepatites virais.
Além
disso, o programa está de acordo com as metas propostas pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), para diagnosticar 90% das pessoas, tratar 80% dos que
foram diagnosticados e reduzir em 90% as novas infecções. Com isso, a meta é
reduzir em 65% a mortalidade pela doença.
Para
Kalichman, o maior desafio da eliminação esbarra na determinação social da
doença. “O Brasil Saudável vem, justamente, tentar lidar com essa dimensão dos
determinantes sociais e, principalmente, da pobreza, das iniquidades. E tentar
— junto todos os ministérios envolvidos dentro da proposta do Brasil Saudável —
como é que a gente, além do setor saúde, consegue promover cidadania, melhores
condições de vida [às pessoas em situação de vulnerabilidade]. E, para isso, os
ministérios — como os que cuidam de Bolsa Família, que cuidam de saneamento, o
Ministério da Educação, o Ministério da Justiça — são muito importantes. E a
ideia do Brasil Saudável é, justamente, que as políticas públicas de todos os
ministérios — como transferência de renda, por exemplo — possam ajudar a
que as pessoas consigam fazer o diagnóstico, se manter e fazer todo seu
tratamento”.
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