Uma lei adotada no final de março na Rússia permite que suspeitos de crimes possam escapar de uma condenação caso aceitem combater na Ucrânia. Um balanço recente de uma ONG russa calcula que 150 mil detentos tenham sido enviados ao front ucraniano desde o início da guerra.
Adotada em 19 de março, a nova legislação determina o formato do recrutamento nos presídios russos. Ousado, o texto oferece a possibilidade a homens e mulheres a se engajarem nas Forças Armadas da Rússia antes mesmo que a condenação seja pronunciada. A assinatura do contrato com o Exército tem como consequência o final de indiciamentos e até mesmo de investigações.
Além
disso, a lei estabelece que não são mais necessários seis meses de engajamento
militar em troca de uma graça presidencial aos detentos. Chamada de
"libertação antecipada sob condições", a prática é agora autorizada
por um juiz e garante aos prisioneiros uma libertação definitiva no final da
guerra.
Entre
os beneficiários da lei, estão funcionários públicos, políticos e empresários
acusados de corrupção. Um dos casos mais célebres é do marido da blogueira
Elena Blinovskaïa, acusada de fraude fiscal, que anunciou ter se alistado para
tentar obter a clemência da Justiça à esposa.
O
texto exclui do mecanismo acusados de terrorismo, traição, crime organizado,
extremismo, além do descrédito e da difusão de fake news sobre das
Forças Armadas russas. Em contrapartida, assassinos e estupradores podem se
beneficiar da lei, sem nenhuma ressalva.
50
mil detentos em liberdade após servir na Ucrânia
Segundo
a ONG de defesa dos direitos dos detentos Rus Sidiachaïa ("Rússia
na Sombra"), cerca de 150 mil prisioneiros russos foram enviados ao front
ucraniano desde o início da invasão, em fevereiro de 2022. Um balanço
da organização aponta que deste total, 50 mil já "compraram" sua
liberdade após seis meses combatendo na Ucrânia.
De
acordo com informações do jornal Le Monde, a situação suscita uma forte
angústia na Rússia. No último 18 de abril, mídias locais destacaram o caso de
um homem condenado a 21 anos de prisão por vários estupros e o assassinato de
uma adolescente de 16 anos, cometido em 2022. Durante o julgamento, o acusado
explicou que pretendia trocar a condenação por um alistamento à guerra.
Mídias
russas independentes também indicam que o governo russo está fechando prisões
em várias regiões do país: ao menos oito presídios já teriam sido
desabilitados. Já agência americana Associated Press aponta que ao
menos 25 locais de detenção serão abertos nos territórios ucranianos anexados
pela Rússia.
Grupo
Wagner
A
prática não é nova e o fim do grupo Wagner - especialista em recrutamento de
prisioneiros - não colocou um fim a essa dinâmica. Ao contrário, antes mesmo
da morte de Evgueni Prigojine, chefe e fundador da facção
mercenária, em agosto de 2023, o Ministério da Defesa russo resolveu se
apropriar desta estratégia. Atualmente, o recrutamento de voluntários nas
prisões russas é autorizado por lei.
A
estratégia resulta em situações controversas, como o caso do defensor dos
direitos humanos e cofundador da ONG Memorial, Oleg Orlov, aos 70 anos, ter
recebido a proposta de se engajar no Exército em troca do cumprimento de sua
pena de dois anos e meio de prisão. A situação é tão generalizada que a
imprensa oficial russa descartou a polêmica, lembrando que esse é um
procedimento regular e que o contrato é automaticamente proposto a cada
detento.
Fonte: RFI
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