(*) Valter Bernat
De
novo vou sair da minha zona de conforto para falar um pouco de geopolítica, em
função da visita de Macron ao Brasil.
Há
algum tempo não víamos a visita de um Chefe de Estado aqui no Brasil, ainda
mais com o burburinho causado por Macron, até porque não foi uma visita curta.
Macron estava muito à vontade, mas nesta história de ganhar queijos e vinhos
brasileiros, passear com Lula e bater fotos “maravilhosas”, ele deixou um bode
na sala que é o acordo da Comunidade Europeia (CE) com o Mercosul, que pouco
foi falado pela mídia.
Para
entendermos bem o motivo desta visita, devemos lembrar que em dezembro de 2021,
quando Lula precisava de um apoio auspicioso para fomentar sua campanha, Macron
entendeu e o recebeu, literalmente esticando o tapete vermelho e banda formada,
enfim, uma recepção de Chefe de Estado para o então candidato à presidência.
Não era Chefe de Estado, mas foi recebido como se fosse. Isso deu um impulso
enorme à candidatura de Lula, que ele precisava retribuir.
Agora
quem está precisando é Macron. Ele precisa captar o eleitor francês mais jovem
que está distante dele, mas muito próximo à candidatura de Marine Le Pen. A
eleição francesa será daqui a dois meses, e a última pesquisa está dando 29%
para Le Pen e 21% para Macron, logo, ele precisava de apoio externo, daí Lula
estendeu a mão, em retribuição ao que Macron lhe fez quando ainda era
candidato.
Macron
se apresentou ao eleitor francês como uma espécie de líder do G7, mas um líder
diferente dos demais, preocupado com os países emergentes e Lula queria se
apresentar ao mundo como uma liderança eficiente do sul global. Enfim, Lula
precisava retribuir o favor e os dois queriam aparecer bem na mídia. O bode na
sala que era o acordo CE x Mercosul, ficou pra depois.
Quando
olhamos para o agricultor francês, estamos olhando para o interior da França,
que está assustado com a concorrência dos brasileiros, porque sabem que não vão
conseguir chegar ao patamar do agronegócio brasileiro. Temos o maior rebanho do
mundo. A estrutura montada em torno disso é muito eficiente. E é neste contexto
que Macron precisa evitar o acordo. Ocorre que o acordo com o Mercosul tem um
segundo lado, que é o interesse da indústria europeia no mercado brasileiro,
sem falarmos na energia verde.
A
França, assim como a Alemanha e outros países da CE, têm muito interesse de
comprar “energia verde” do Brasil, e, no caso específico da França, há mais um
produto: o Urânio. A França tem mais de 2/3 de sua energia produzida por
energia nuclear, ou seja, ela precisa de Urânio e o Brasil tem a 8a. reserva
mundial deste minério.
Este
sim é um dos principais objetivos de Macron no Brasil. E foi um dos temas menos
comentados para os investimentos franceses. O maior motivo da visita de Macron
é midiática, mas também tem a função econômica.
Lula
reforçou a nota do Itamaraty com relação à Venezuela. Na realidade, ele e
Macron queriam “acertar as suas dívidas” com os EUA. O Brasil foi o “fiador” do
Acordo de Barbados, quando os EUA, por interesse no petróleo venezuelano e nas
boas relações com Lula, afrouxaram um pouco as sanções contra a Venezuela,
principalmente as financeiras, para a compra de petróleo, o que aliviou um
pouco a economia do país de Maduro.
Só
que este acordo foi feito em troca de uma maior abertura política por parte de
Maduro. O ditador aceitou o acordo, mas nunca cumpriu o acordado, pois a
eleição “democrática” incluiu, obviamente, Maduro pela situação e, pela oposição,
“quem Maduro quis que fosse”. Assim, não valeu o acordado em Barbados. Maria
Corina Machado foi impedida de participar, tal qual Bolsonaro por aqui, mas
isso é assunto para outro editorial.
Macron
aproveitou esta visita, dizendo que fala pelo G7, que queria uma eleição limpa
na Venezuela, daí Lula, pra não ficar pra trás, também resolveu, muito a
contragosto, pressionar.
Se
relembrarmos 2021, Bolsonaro não esqueceu a Venezuela, porque aquele país é uma
região muito sensível a todos os militares latino-americanos. Por quê? Ora, a
Venezuela é uma região que merece muito cuidado na relação com os EUA. Imaginem
se a Venezuela se ajustar com os EUA. Em tese, isso poderia possibilitar a
criação de uma base norte-americana na América Latina, onde os EUA poderiam
estar dentro da Amazônia legal.
Se
olharmos para o lado geopolítico, quando os EUA apertaram demais as sanções, a
Venezuela foi para o lado da China e da Rússia. E Putin armou a Venezuela.
A
visita de Mourão, no governo Bolsonaro, à Venezuela foi exatamente para que
aquilo parasse ali, porque se este limite fosse ultrapassado, os EUA iriam
agir. A Venezuela é sensível para o governo Lula e já era assim para Bolsonaro.
A
Rússia entregou para a Venezuela mísseis de porte antiaéreos que são os mais
modernos do mundo e ninguém na América Latina tem. A China investiu mais de 60
milhões de dólares, mantendo a Venezuela viva. Daí os EUA perceberam que a
Venezuela era a possibilidade de a Rússia e a China entrarem no contexto
latino-americano. Em função disso, os demais países como Colômbia e Peru se
preocuparam, a fim de não permitir uma entrada dos EUA na América do Sul.
Por
isso a Venezuela é tão sensível para muitos, e foi por isso que Macron falou
nela, porque a comunidade europeia não quer uma entrada dos EUA e, muito menos
da China e Rússia, porque afetaria seus interesses diretos. A Venezuela virou
um epicentro de uma mudança geopolítica muito importante!
Vejam
quantos subprodutos tivemos nesta visita de Macron.
Não
dá pra negar que a diplomacia brasileira, leia-se: Itamaraty, aproveitou muito
bem a viagem.
Macron
precisava dela, mas o Brasil também precisava, principalmente, para consertar
os escorregões do presidente Lula.
(*) Advogado, analista de TI e
editor do site O Boletim
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