Paralisada
desde 2018 na Câmara, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe o
foro privilegiado ganhou sobrevida no Congresso nas últimas semanas e, agora,
pode ser resgatada pelo motivo oposto ao que, no passado, a engavetou.
Se
antes os parlamentares preferiam ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
por acreditarem em uma maior chance de absolvição, de prescrição das ações, ou
para evitar eventuais perseguições de opositores ou juízes de 1ª
instância, agora o movimento é o contrário.
“Se
o foro já não bastasse, agora os ministros querem a extensão pós-mandato? É um
acinte, precisamos rever isso com urgência”, afirmou o 2º vice-presidente da
Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).
Crítica
à atuação de integrantes da Corte, em especial do ministro Alexandre de Moraes,
a oposição avalia que o julgamento em instâncias inferiores poderia dar
maior margem para a defesa dos investigados.
Para
especialistas ouvidos pelo g1, os parlamentares atuam em defesa própria,
já vislumbrando complicações originadas da participação de alguns deles em atos
que atentaram contra a democracia.
Outro
motivo para parlamentares buscarem a limitação do foro seria a possibilidade
de, com a restrição, deputados e senadores poderem, a partir daí, recorrer
a mais instâncias, caso sejam condenados (leia mais abaixo).
O
incômodo com as ações no Supremo se agravou recentemente, com operações nos
gabinetes de parlamentares realizadas neste ano.
Mas
a pressão para que o tema voltasse ao Congresso ficou mais forte depois que o
STF iniciou um julgamento que pode ampliar ainda mais o foro, garantindo a
prerrogativa mesmo às autoridades que tenham saído do cargo.
O
entendimento poderia impactar diretamente nas investigações que envolvem o
ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ),
suspeito de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco.
No
Congresso, a proposta mais avançada restringe o foro apenas para presidentes
dos Poderes — da República, da Câmara, do Senado e do STF. Se fosse aprovada,
deputados, senadores e todas as autoridades que hoje podem ser julgadas pelo
Supremo, teriam suas ações investigadas na primeira instância.
A
aprovação do texto poderia restringir até 30 mil pessoas, segundo estimativas
do relator da PEC no Senado, o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
A
PEC foi protocolada no início de 2013 e virou bandeira de alguns parlamentares
com as manifestações daquele ano. Mas o texto só foi aprovado no Senado em 2017
e, no ano seguinte, passou por duas comissões da Câmara.
À
época, em meio à Operação Lava Jato, havia um apelo popular para que as
autoridades perdessem o foro privilegiado, que permite o julgamento no Supremo,
e tivessem seus casos levados para a Vara de Curitiba, do então juiz Sérgio
Moro, ou para outros tribunais que as investigassem. Mais de cinco anos depois,
o tema nunca andou na Câmara.
Resistências
Ainda
que o tema hoje seja defendido pela oposição, a restrição do foro sofre resistência
de grande parte da Câmara. Parlamentares do Centrão, por exemplo, dizem
não ter certeza se a aprovação seria benéfica, já que deixaria as autoridades
sob o julgamento de justiças nos estados que podem tomar decisões influenciadas
pela política local e por eventuais opositores.
Segundo
deputados, o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não tem
demonstrado boa vontade em avançar no texto e faz ressalvas à PEC.
Um
dos incômodos dos parlamentares é que a PEC mais avançada no Congresso tira quase
todos os casos do STF e leva para a primeira instância — onde não há colegiados
e um juiz analisa o caso sozinho.
Deputados
da oposição já admitem articular uma segunda proposta, modificando o texto para
levar alguns casos à segunda instância. Se o texto for modificado, contudo, ele
precisa ser analisado mais uma vez pelo Senado.
Especialistas
O
advogado criminalista Michel Saliba lembra que antes da implantação do processo
eletrônico nos tribunais, os parlamentares eram beneficiados pela morosidade nos
julgamentos.
“O
processo eletrônico fulminou a possibilidade de morosidade. Antes, uma ação
penal no Supremo você levava para prescrição. Eram autos físicos, você não
tinha controle”, afirmou.
Para
ele, mais do que uma disputa entre Congresso e STF, a tentativa dos
parlamentares de restringir o foro em contraposição à Corte é uma ação em
defesa própria, seja por receio de eventuais desdobramentos de inquéritos
mirando atos contra a ordem democrática, seja pela possibilidade de recorrer a
três instâncias (TJ’s, STJ, STF) em caso de condenação.
“
A oposição ao ver o posicionamento da Corte em relação aos atos de 8 de janeiro
imaginam que destino melhor não terá o deputado acusado de algo dessa natureza.
Eles também estão agindo em defesa própria”, afirmou.
“Os
parlamentares estão buscando se colocar em situação de cidadãos e tomando o
cuidado necessário para não serem expostos a medidas de urgência. Eles vão
querer para si o direito de todo cidadão de querer ser julgado em todas as
instâncias, usando todos os recursos”, destacou o advogado.
O
advogado criminalista Juliano Breda defende que, qualquer que seja a decisão do
Supremo ou do legislativo, ela pacifique de vez a questão.
“Eu
sou crítico das mudanças contínuas, seja por parte do legislativo ou do
judiciário. Acho que o foro privilegiado ou qualquer foro por prerrogativa não
pode sofrer alterações casuísticas. Independentemente das divergências do STF e
do Congresso é um tema que precisa ter uma decisão final”.
‘Foro
misto’
O
advogado criminalista Pierpaolo Bottini afirmou que o STF não tem “vocação”
para conduzir processo criminal.
Ele
defende uma espécie de “foro misto” para os parlamentares, com a instrução
processual na primeira instância, mas a manutenção das decisões que podem
influenciar no mandato nos tribunais competentes.
“Nada
impediria que o parlamentar fosse julgado em primeiro grau, tivesse recurso e
assim por diante. Agora, as medidas cautelares que impactassem no exercício das
funções, como um afastamento, uma prisão ou algo do gênero, aí essas teriam
sempre que ser tomadas pelo tribunal competente. Eu acho que com isso você
garantiria uma celeridade no processo, mas ao mesmo tempo preservaria o
mandato”, explicou.
Saliba
segue a mesma linha.
"Eu
entendo que ao final, o parlamentar será processado e julgado na primeira
instância, mas as medidas de urgência, especialmente aquelas que envolvem
cerceamento de liberdade em caráter provisório, terão que ser decretadas por
autoridades de tribunais superiores. Ao final do debate, nós chegaremos a esse
denominador comum, na minha opinião”.
Fonte: G1
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