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Como
seria previsível, Vladimir Vladimirovitch Putin, 71, foi reeleito por mais seis
anos como presidente com 87% dos votos e 74,2% de comparecimento às urnas,
recordes na história da Rússia pós-soviética. Foi o que apontaram,
respectivamente, pesquisa de boca de urna e a Comissão Eleitoral Central.
Não
que houvesse dúvidas, seja pelo real apoio de um líder que tem 86% de aprovação
em sondagens independentes, seja pelas fartas acusações por parte da minguante
oposição de que houve fraudes e abuso do poder político para garantir o
resultado desenhado pelo Kremlin.
Até
os protestos do "Meio-dia contra Putin", que levaram muitos russos no
país e fora dele a engrossar filas às 12h (6h em Brasília) para demonstrar
descontentamento com a eleição a pedido dos apoiadores do falecido opositor
Alexei Navalni (1976-2024), tiveram um grau de previsibilidade.
Ocorreram
sob forte escolta policial, mínimos incidentes e, a acreditar na comissão e na
boca de urna, sem impacto no resultado final. Os resultados parciais até aqui,
claro, confirmam as pesquisas. Ao fim, tudo será verdade a depender de qual
rede social conta a história.
Putin teve, diz levantamento do instituto estatal FOM, 87% dos votos, acima do que o Kremlin projetava. A seguir vieram três deputados que cumpriam tabela, o comunista Nikolai Kharitonov, com 4,7%, o liberal Vladislav Davankov, com 3,6% e o ultranacionalista Leonid Sluski, com 2,5%. Uma segunda sondagem, do também estatal VTsIOM, apontou dados com variações, com o presidente marcando 87,8%.
O
comparecimento ficou acima dos já recordistas 67,7% de 2018. A divisão da
votação principal em três dias facilitou o impulso, com empresas incentivando
funcionários a ir às urnas.
OPOSITORES
ACUSAM FRAUDE
Apesar
do franco favoritismo de Putin mesmo que a eleição fosse na Dinamarca, país
menos corrupto do mundo segundo a Transparência Internacional, medidas foram
tomadas para garantir um passeio no parque.
Elas
incluíram a exclusão de duas candidaturas abertamente críticas às políticas do
Kremlin e, no dia da votação, grande presença policial junto às filas que se
formaram em postos de votação de cidades como Moscou, São Petersburgo e
Iekaterimburgo.
Segundo
os críticos do governo russo, que operam de forma virtual, pulverizada e no
exílio em sua maioria hoje, a isso foram adicionadas fraudes paroquiais, como o
enchimento de urnas com votos para Putin. A possibilidade de voto pela internet
em 27 das 83 unidades da Federação Russa, usada por quase 10% dos 85 milhões
que foram às urnas, também é apontada como suspeita.
O
Kremlin descarta as acusações como propaganda, e de resto o resultado será
desdenhado de qualquer modo no Ocidente. Uma das maiores votações de Putin foi
na região ocupada de Donetsk, na Ucrânia: 95%.
"É
óbvio que as eleições não foram nem livres, nem justas", disse em nota a
Casa Branca. "O ditador russo simulou outra eleição", afirmou o
presidente ucraniano, país invadido por Putin em 2022, Volodimir Zelenski.
Seja
como for, o fato incontornável é que o homem que comanda o maior arsenal
nuclear do mundo e promove a maior guerra em solo europeu desde 1945 sela com a
vitória grandiloquente um momento positivo em seus quase 25 anos de poder.
Putin,
um ex-tenente-coronel da KGB soviética chamado de medíocre por um superior e
posteriormente diretor de sua agência de espionagem sucessora, o FSB, entrou no
alto escalão do poder em 9 de agosto de 1999, quando o então presidente Boris
Ieltsin o nomeou premiê.
Era
o ocaso de uma era que não deixou saudades na Rússia. A dissolução da União
Soviética em 1991 levou a uma abertura econômica desenfreada, que destruiu
vidas em seu auge de crise, sete anos depois. Daquelas ruínas emergiu Putin,
personagem então obscuro decidido a recompor o status do país.
Nos
8.988 dias que se seguiram até esse domingo, toda uma geração de russos nasceu
sem conhecer outro presidente, a exemplo do que ocorria nos tempos imperiais e,
de forma mais contida, sob o comunismo implantado em 1922.
LÍDER
MODERNO MAIS LONGEVO DESDE STÁLIN
Em
2028, se estiver no seu gabinete, Putin ultrapassará os 29 anos de ditadura
soviética sob Josef Stálin (1878-1953), tornando-se o mais longevo líder russo
moderno.
Putin
foi premiê naquele 1999, até o alquebrado e embriagado Ielstin renunciar no
réveillon e lhe deixar a cadeira. Foi eleito em 2000 e 2004, e em 2008 voltou
para o banco nominalmente do passageiro como primeiro-ministro do governo do
pupilo Dmitri Medvedev.
Apesar
de Putin já ter direcionado em 2007 sua visão estratégica para um embate com o
Ocidente que ele via como traidor das promessas do fim da Guerra Fria, não
totalmente sem razão, a Rússia se reergueu com a ajuda dos preços do petróleo e
gás, sua fonte de vida econômica.
O
país se assemelhava a uma democracia ocidental na superfície, com a alternância
controlada do poder, apesar de ter dado o primeiro tiro de advertência para a
expansiva Otan [aliança militar liderada pelos EUA] ao promover uma guerra que
tirou do controle da Geórgia 20% de seu território.
Putin
voltaria eleito em 2012, enfrentando os primeiros grandes protestos contra seu
jugo foi ali que primeiro se ouviu falar de Navalni, que nunca teve densidade
eleitoral nacional, mas que ganharia manchetes cinco anos depois ao comandar
enormes atos mobilizados pela internet.
Começou
então um recrudescimento do controle do governo sobre o sistema político e o
acirramento da disputa com o Ocidente. Quando Kiev viu derrubado um presidente
pró-Rússia em 2014, Putin anexou a Crimeia e fomentou a guerra no leste da
Ucrânia.
Em
2018, houve uma "détente" provisória promovida pela Copa do Mundo
bem-sucedida da Rússia. Dali em diante, a repressão ao dissenso só fez crescer.
Em
2020, o presidente mudou a regra do jogo na Constituição para poder concorrer a
mais dois mandatos, devidamente submetendo a manobra a um plebiscito que,
previsivelmente, a aprovou. Tornou-se aliado íntimo da China de outro homem
forte, Xi Jinping, ganhando apoio econômico sob o risco de ser um parceiro
júnior.
GUERRA
DEFINIRÁ LEGADO
E
em 2022 invadiu a Ucrânia, principal ato de seu reinado, cujo impacto vai se
espraiar por gerações independentemente do desfecho do conflito. A demografia
declinante segue um desafio sem solução simples.
Em
um momento de vantagem tática no campo, apesar de ter visto sua capital ser alvejada
sem sucesso por drones neste último dia de eleição e ao menos uma pessoa morrer
em bombardeiros em Belgorodo (sul), Putin irá agora usar a vitória acachapante
como item legitimador de seus próximos passos.
Quais
serão é a incógnita, que inclui ainda as dúvidas acerca de como reanimar a
economia que saiu-se bem sob a pressão de quase 20 mil sanções devido às suas
políticas na Ucrânia, mas que sofre para elevar a renda média dos russos.
A
turbulência inédita pela qual passou com motim de mercenários no ano passado
deixou marcas, mas parece superada. Por ora, conversas sobre sucessão são
evitadas: Putin é visto por agentes políticos e diplomáticos como um czar que
ficará no poder além de 2036, limite teórico se for reeleito em 2030.
Fonte: Folha de São Paulo
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