(*) Ruth Ogden, Joanna Witowska, Vanda Černohorská*
A tecnologia deveria tornar nossas vidas mais fáceis.
Afinal, os smartphones oferecem uma janela para o mundo do
tamanho da palma da mão, permitindo-nos fazer quase tudo com um toque na tela.
As casas inteligentes cuidam delas mesmas, e as reuniões virtuais significam
que, para muitos, o tempo gasto no deslocamento é coisa do passado.
Portanto,
deveríamos ter mais tempo livre. Tempo que agora é gasto dormindo, relaxando ou
simplesmente não fazendo nada – certo?
Se
a ideia de que você tem mais tempo do que nunca te faz engasgar com o café,
você não está sozinho ou sozinha. Há cada vez mais evidências de que, embora a
tecnologia digital possa nos ajudar a economizar algum tempo, acabamos
utilizando esse tempo para fazer cada vez mais coisas.
Recentemente
entrevistamos 300 indivíduos na Europa para entender o uso que fazem dos
dispositivos digitais no dia a dia. A pesquisa mostrou que as pessoas desejam
evitar períodos vazios em suas vidas e, por isso, preenchem esses períodos
realizando tarefas, algumas que não seriam possíveis sem a tecnologia.
Seja
esperando o ônibus, acordando de manhã ou deitados na cama à noite, nossos
participantes relataram que o tempo que antes estava “vazio” agora era
preenchido com aplicativos de treinamento cerebral, criando listas de coisas a
fazer ou experimentar com base no feed de redes sociais, e questões
administrativas da vida.
Parece
que os momentos tranquilos, de observar pessoas, imaginar e sonhar acordado
estão agora repletos de atividades relacionadas à tecnologia.
O
crescimento das tarefas digitais está acontecendo, em parte, porque a
tecnologia parece estar mudando a nossa percepção sobre para que serve o tempo
livre. Para muitas pessoas, já não basta simplesmente jantar, ver televisão ou
talvez fazer uma aula de ginástica.
Em
vez disso, numa tentativa de evitar perder tempo, essas atividades são
realizadas enquanto navega-se na web em busca dos ingredientes para uma vida
mais perfeita e tentando desenvolver um sentimento de realização.
À
primeira vista, algumas dessas tarefas podem parecer exemplos de como a
tecnologia nos poupa tempo. Em teoria, o banco online deveria significar que
tenho mais tempo porque não preciso mais ir ao banco na hora do almoço. No
entanto, nossa pesquisa sugere que não é o caso. A tecnologia está contribuindo
para uma forma de vida mais densa.
As
mídias sociais podem, às vezes, inspirar, motivar ou relaxar as pessoas. Mas a
nossa pesquisa sugere que as pessoas muitas vezes sentem culpa, vergonha e
arrependimento depois de preencherem o seu tempo livre com atividades online.
Isso ocorre porque elas consideram as atividades online menos autênticas e
valiosas do que as atividades do mundo real.
Parece
que as pessoas ainda consideram mais válido fazer uma caminhada ou estar com os
amigos do que estar online.
Talvez,
se desligarmos um pouco mais o telefone, teremos tempo para realmente preparar
aquelas receitas que assistimos online.
Por
que a tecnologia está criando mais trabalho?
Acredita-se
também que as mudanças dos padrões de trabalho também estão tornando-o mais
intenso. O trabalho de casa e híbrido, possibilitado pela tecnologia de videoconferência,
confundiu as fronteiras entre o tempo de trabalho e o tempo pessoal. Agora que
o escritório está no quarto de hóspedes é muito fácil pensar "depois de
colocar as crianças na cama, só vou entrar no escritório e finalizar
tudo".
As
tecnologias digitais estão acelerando o ritmo de vida. Veja o exemplo de emails
e reuniões online. Antes de existirem, tínhamos que esperar respostas a
mensagens de voz e cartas, ou viajar para falar uns com os outros. Em vez
disso, agora temos reuniões on-line consecutivas, às vezes sem nem tempo
suficiente entre elas para ir ao banheiro.
E
o e-mail cria um crescimento exponencial nas comunicações, o que significa mais
trabalho para ler e responder a tudo. Tecnologia mal concebida também pode
forçar-nos a trabalhar mais devido à ineficiência que gera. Todos nós já
passamos por isso, inserindo informações no sistema A apenas para mais tarde
saber que, como os sistemas A e B não se comunicam, teremos que inserir tudo
duas vezes.
Ao
fazer mais, podemos acabar conseguindo menos e nos sentindo pior. À medida que
o tempo fica mais pressionado, o estresse, a exaustão e o esgotamento aumentam,
resultando em mais ausências no trabalho.
Como
desacelerar e recuperar nosso tempo?
Recuperar
o tempo "economizado" pela tecnologia pode exigir uma mudança na
forma como dividimos o tempo. Para nos libertarmos do hábito de preencher o
tempo com cada vez mais tarefas, devemos primeiro aceitar que às vezes é ok
fazer pouco ou nada.
No
ambiente de trabalho, empregadores e empregados precisam criar ambientes em que
a desconexão seja a norma e não a exceção. Isto significa ter expectativas
realistas sobre o que pode e deve ser alcançado num dia normal de trabalho.
Mas
pode ser que o desenvolvimento de legislação que estabeleça o direito de se
desconectar seja a única forma de garantir que a tecnologia deixe de dominar o
nosso tempo. Vários países europeus, como a França e a Itália, já têm
legislação garantindo o direito à desconexão.
Ela
especifica que os funcionários não têm obrigação de estarem contactáveis fora
do horário de trabalho e que têm o direito de recusar levar trabalho digital
para casa.
Também
é possível que a própria tecnologia seja a chave para recuperar o nosso tempo.
Imagine se, em vez de dizer para você se levantar e se movimentar (mais uma
tarefa), seu relógio inteligente lhe dissesse para parar de trabalhar porque
você já completou o horário contratado. Talvez quando a tecnologia começar a
nos dizer para fazermos menos, finalmente recuperaremos o tempo.
*Ruth Ogden é professora de Psicologia do Tempo na Universidade de Liverpool John Moores (Reino Unido), Joanna Witowska é professora assistente de Psicologia na Universidade Maria Grzegorzewska (Polônia), e Vanda Černohorská é pesquisadora de pós-doutorado na Academia Tcheca de Ciências.
**Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original em inglês.
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