No
que depender do Supremo Tribunal Federal (STF), em particular do ministro Dias
Toffoli, falta muito pouco para que milhões de brasileiros passem a acreditar
que, talvez, no auge da Operação Lava Jato, tenham vivido uma espécie de surto
coletivo. Tudo o que viram, leram e ouviram a respeito do monumental esquema de
corrupção envolvendo as maiores empreiteiras do País durante os governos do PT,
a despeito das inúmeras provas fornecidas pelos próprios acusados, aceitas como
perfeitamente válidas em todas as instâncias judiciais ao longo de anos,
simplesmente não aconteceu – e, pior, que as empresas envolvidas foram vítimas
de uma sórdida conspiração da Lava Jato.
Em
setembro do ano passado, o ministro Dias Toffoli decidiu liminarmente anular
todas as provas que consubstanciaram o acordo de leniência da Odebrecht, hoje
rebatizada como Novonor. Como dissemos nesta página na ocasião, o despacho com
tintas imperiais “foi uma decisão exagerada e desequilibrada que, numa só
canetada, colocou abaixo o trabalho de anos de várias instituições estatais”.
Quase três meses depois, o mesmo Dias Toffoli voltou a apor sua pena sobre o
papel em que decidiu reescrever a história recente do País. Com mais uma
infeliz canetada, o ministro, aproveitando o recesso de fim de ano do Poder
Judiciário, suspendeu o pagamento da multa de R$ 10,3 bilhões prevista no
acordo de leniência firmado entre a J&F e as autoridades brasileiras.
Dias
Toffoli parece seguir imparável no que se revela como uma autoatribuída missão
de mostrar à sociedade que as investigações da Operação Lava Jato, as
revelações da imprensa profissional e as confissões de centenas de executivos
envolvidos em tramoias com agentes públicos – sem falar na extraordinária soma
em dinheiro que tiveram de devolver ao erário – não passaram de uma conspiração
urdida nos corredores do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal em
Curitiba. Na quinta-feira passada, foi a vez de o ministro suspender o
pagamento da multa de R$ 6,8 bilhões da Odebrecht (em valores corrigidos), sob
quase os mesmos argumentos que o levaram a decidir favoravelmente ao pleito da
J&F. Dias Toffoli foi convencido pela equipe de defesa da Odebrecht de que
seus executivos teriam sofrido “chantagem institucional” para assumir a autoria
dos crimes e firmar os acordos de leniência.
É
curiosa, para dizer o mínimo, a interpretação exótica que o ministro Dias
Toffoli faz da suposta coação, ou “chantagem”, de que teriam sido vítimas os
executivos da Odebrecht. Em primeiro lugar, são necessárias doses generosas de
candura ou boa vontade para acreditar que uma das maiores empresas privadas do
País, assessorada, portanto, por uma equipe de advogados de primeira linha,
poderia ser forçada a assinar o que quer que fosse. Ademais, que
constrangimento ilegal ou abuso de autoridade seriam esses que, ora vejam, só
serviriam para sustar os ônus do acordo de leniência, mantendo íntegros os
bônus do pacto? Não faz sentido.
Se
firmados à força, sob chantagem, todos os acordos devem ser anulados em seus
termos, inclusive os que beneficiam as empreiteiras, como a possibilidade de
voltar a participar de licitações públicas e o fim do acordo de não persecução
criminal. No limite, que os processos voltem à estaca zero, os erros cometidos
pela força-tarefa da Operação Lava Jato sejam saneados e os implicados voltem a
responder por seus atos.
Tudo
é ainda mais estupefaciente quando se observa que, até hoje, nenhuma das
decisões monocráticas do ministro Dias Toffoli sobre os acordos de leniência
foi submetida ao crivo do plenário do Supremo. Ocioso esperar que seus pares
cassem essas liminares, algo que raramente acontece na Corte. Mas os outros dez
ministros poderiam ao menos dar um sinal à sociedade de que o Supremo ainda é
um tribunal colegiado, como diz a Constituição.
Na
abertura do ano Judiciário, no dia 1.º passado, o presidente do STF, Luís
Roberto Barroso, comemorou o fato de que “as instituições funcionam na mais
plena normalidade” hoje. Resta a pergunta: para quem?
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