Com declarações sobre Israel e Navalny, Lula deixou claro que quer distância do Ocidente democrático. Para se projetar como líder do Sul Global, ele escolhe bajular ditadores influentes, escreve Alexander Busch.O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro no fim de semana, com duas declarações espontâneas e um silêncio aquiescente diante das perguntas de jornalistas, onde ele atualmente situa o Brasil (e a si mesmo) politicamente no mundo.
Primeiro
ele comparou os ataques de Israel à Gaza com o Holocausto sob Hitler. Depois,
recusou-se a fazer qualquer comentário sobre a morte do líder opositor russo
Alexei Navalny, sob o argumento de que a causa da morte ainda não havia sido
oficialmente determinada. A prisão da dissidente, ativista de direitos humanos
e advogada Rocío San Miguel na Venezuela também não lhe foi digna de
comentário.
Tudo
isso não é novidade. Lula nunca escondeu sua simpatia aberta pelo ditador russo
Vladimir Putin e sua aversão ao presidente ucraniano Volodimir Zelenski. Ele
defende o ditador venezuelano Nicolás Maduro como se este fosse um democrata.
Também não é segredo que Lula, como esquerdista, vê Israel de forma crítica.
Mas
com a cínica comparação com o Holocausto e a defesa do regime assassino de
Putin contra opositores, Lula, mais uma vez, aumentou consideravelmente as
divisões com o Ocidente.
Lula
quer distância do Ocidente democrático – no que é seguido por grande parte do
Partido dos Trabalhadores e da esquerda brasileira. Para isso, ensaia uma
aliança com regimes como Rússia, China e ditaduras no Oriente Médio. Governos
autoritários da América Latina, como Venezuela, Cuba e Nicarágua, já podem
contar de qualquer maneira com a solidariedade dele.
Assim,
Lula dá as costas a um princípio fundamental da política externa brasileira, a
uma ordem mundial multipolar e baseada em regras. Ele ignora os pilares
democráticos da Constituição brasileira e do Ocidente, afirma Rubens Ricupero,
o principal especialista em política externa brasileira.
Lula
aceita implicitamente o direito do mais forte no mundo. O ataque à Ucrânia, a
ameaça latente da China de anexar Taiwan, os ataques de milícias apoiadas pelo
Irã a Israel e ao Ocidente – o presidente do Brasil aceita tudo isso
abertamente. Ao tomar partido em conflitos, mostra que também desistiu da
tradicional política brasileira de não intervenção.
Quem
supõe que Lula tenha passado por uma mudança ideológica não leva em conta que
ele sempre foi um político pragmático. Ele sempre esteve disposto a adaptar
suas convicções quando lhe pareceu útil para chegar ao poder ou exercê-lo.
Do
ponto de vista geopolítico, as ditaduras unidas de Rússia, Irã e China estão
claramente ganhando neste momento no tabuleiro internacional. Elas pressionam a
Europa e os Estados Unidos como nunca antes.
Ao
voltar-se para os ditadores, Lula reage ao ganho de poder internacional desses
regimes, porque quer se apresentar como líder do Sul Global. Para isso, ele
aumenta a distância em relação ao Ocidente – e bajula aqueles que mandam cada
vez mais na geopolítica.
Mas
a ascensão política de Lula – de líder sindical que desafiou uma ditadura até a
eleição como presidente décadas depois – só foi possível em uma democracia.
Dificilmente aquele sindicalista teria sobrevivido a regimes como os da China
ou Rússia. Ele, porém, parece ter se esquecido disso.
Isso
é decepcionante para muitos, especialmente para os atuais opositores dos
regimes em Caracas, Moscou ou Pequim, diante dos quais Lula não está disposto a
mostrar a mesma solidariedade que outrora recebeu.
A
vitória de Lula alimentou muitas esperanças, principalmente na Europa, após os
anos sombrios para a democracia sob o presidente Jair Bolsonaro.
Lula desaponta essas expectativas com sua política externa. A Alemanha e outros governos europeus devem ser mais cautelosos no futuro, se quiserem contar com ele como “aliado de primeira hora”. Porque Lula é cada vez menos isso.
Há
mais de 30 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do
Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido
em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em
Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre
o Brasil.
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