(*) JR Guzzo
Como
acontece na maioria dos conflitos armados entre nações, o Brasil tem
colaboradores internos na única guerra que trava neste momento – a guerra que
os criminosos movem contra a população brasileira. Mas somos possivelmente o
primeiro país do mundo em que os governantes, o sistema legal, a Justiça e as
classes intelectuais tratam a guerra como um problema social e o inimigo como
uma vítima da sociedade, das circunstâncias ou do destino.
Das
muitas aberrações que o Brasil vive hoje, da supressão da legalidade por parte
do Supremo Tribunal Federal à legalização da corrupção pelo Alto Judiciário,
esta talvez seja a pior: a entrega do território nacional para a tropa invasora
do crime e a colaboração das autoridades com os criminosos que oprimem os
cidadãos, sobretudo os mais pobres. A vitória do crime sobre o Brasil tem uma
causa acima de todas as outras, e essa causa não é a pobreza – é a impunidade,
que aqui se transformou em política de Estado.
Os
que mandam fazem, há pelo menos 30 anos, tudo o que podem para promover os
interesses do crime.
O
Brasil é um país onde os ricos compram a sua segurança pagando a empresas
especializadas e os magnatas do governo, que são os responsáveis diretos pela
proteção e o incentivo ao crime, circulam em automóveis blindados e cercados
por guarda-costas armados – tudo pago por você. É inevitável, assim, que todos
eles nunca sofram pessoalmente os efeitos da criminalidade que promovem.
Como
em tantas outras coisas, é a história de sempre. Não afeta a gente? Então não
há problema. Ao contrário: os que mandam fazem, há pelo menos 30 anos, tudo o
que podem para promover os interesses do crime, pois isso é visto por
comunicadores, cientistas sociais e a maior parte do clero como “consciência
social”. Seja um sujeito progressista, civilizado e “antifascista” – acredite
nos méritos da “regeneração” e aprove leis para criar a “saidinha”, a audiência
de custódia, o cumprimento de um sexto da pena, o juiz de garantias e todo o
resto da festa.
Qual
a surpresa, então, que o FMI tenha acabado de divulgar um relatório mostrando
que o crime reduz em 0,6% o desenvolvimento do Brasil?
Talvez
ninguém represente tão bem esta maneira de ver a sociedade do que o ex-ministro
da Justiça e novo ministro do STF, Flávio Dino. Seria um disparate dizer que
ele é o único a pensar desse jeito, porque há uma multidão de peixes graúdos
iguais ou piores. Mas não há dúvida de que o nosso novo magistrado supremo é um
dos evangelistas-raiz do colaboracionismo com o inimigo – ou “apaziguamento”,
como deu para dizer seu futuro colega Alexandre de Moraes em relação aos crimes
políticos que o STF criou.
Dino,
que em seu ano de atividade como ministro da Justiça foi um feroz perseguidor
dos clubes de caça e de tiro ao alvo, considerados por ele um problema criminal
gravíssimo, fez sua despedida do cargo sugerindo que a lei não punisse mais o
crime de furto pois, no seu entender, furtar objetos de “pequeno valor” é uma
espécie de novo direito dos “pobres”. Isso seria um “avanço civilizacional”,
diz ele.
O
Estado brasileiro, através dos proprietários da máquina estatal, abandonou o
seu dever constitucional de proteger o direito à vida dos seres humanos que
estão dentro do território nacional. Protege com zelo extremo os direitos dos
criminosos, mas não reconhece que os cidadãos tenham qualquer direito à
segurança. Abandonou, também, a soberania sobre espaços públicos cada vez
maiores.
As
favelas do Rio de Janeiro são um caso clássico de extraterritorialidade. A polícia
está impedida, inclusive pela mídia, de entrar ali. Quem governa são os
bandidos e os milicianos – os primeiros tidos como heróis socioculturais, os
segundos como a única semente do mal. A Cracolândia, área do centro antigo de
São Paulo, foi expropriada por drogados, mendigos e traficantes; não podem ser
tirados de lá por ordem expressa do ministro Alexandre de Moraes. Nos últimos
dez anos, nada menos do que 12.500 estabelecimentos comerciais foram fechados
na região – um caso chocante de criação ativa de pobreza por ação direta dos
governantes. Qual a surpresa, então, que o FMI tenha acabado de divulgar um
relatório mostrando que o crime reduz em 0,6% o desenvolvimento do Brasil? São
por volta de 12 bilhões de dólares, ou 60 bilhões de reais. Poderiam estar em
circulação na economia. Foram eliminados pelo crime.
Fonte: Gazeta
do Povo
(*)
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro,
colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste,
publicação da qual integra também o conselho editorial.
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