Fundada sobre Aquífero Guarani, Ribeirão Preto perde 43% da água que distribui e consome mais que média do país

 

Cidade desperdiça recursos por falhas na rede, enquanto moradores reclamam de problemas no serviço. Sustentabilidade de reservas subterrâneas preocupa autoridades.


Há dez anos, desde que escolheu a Lagoinha, na zona leste de Ribeirão Preto (SP), para viver com a família, o comerciante Washington Junior, de 57 anos, perdeu as contas das vezes em que sua casa teve interrupções no fornecimento de água.


"Outro dia tivemos um problema, ficamos quase três dias sem", diz o morador, que está a 500 metros de um poço de captação e a menos de três quilômetros da Lagoa de Saibro, importante ponto de recarga do Aquífero Guarani, uma das maiores fontes subterrâneas do mundo que abastece integralmente a cidade de 700 mil habitantes do interior de São Paulo.


O transtorno de longa data vivenciado por ele, comum em outros bairros, expõe um contrassenso em um município que sempre teve água abundante e desperdiça 43% do recurso que distribui para uma população que consome quase o dobro da média nacional, de acordo com os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).


Ao mesmo tempo que enfrenta dificuldades de tornar o abastecimento mais eficiente e sustentável, o município se depara com indicativos preocupantes com relação ao Aquífero Guarani, que, em mais de 70 anos, apresentou um rebaixamento de 120 metros, segundo um estudo da USP de 2021.


"Os limites de segurança já foram ultrapassados, então é importante que a gente trabalhe na segurança hídrica", afirma a promotora de Justiça Claudia Habib, integrante do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema).


Enquanto executa obras com a promessa de reduzir o desperdício para 30% até 2025, a administração municipal planeja utilizar o Rio Pardo como fonte alternativa de consumo e avalia as reais condições do Aquífero Guarani.


Nos tópicos a seguir, entenda o que se sabe sobre o abastecimento em Ribeirão Preto e quais as perspectivas e preocupações com relação ao futuro da água na cidade:


Recurso subterrâneo, redes antigas e desperdício


Com 99% de abastecimento em toda sua extensão territorial, e integral na área urbana, Ribeirão Preto utiliza o Aquífero Guarani desde o início do século 20. A disponibilidade e a qualidade do recurso - extraído de formações geológicas conhecidas como arenitos "Botucatu-Piramboia", abaixo de camadas de basalto - inclusive foram fatores que ajudaram a impulsionar, no início do século 20, a indústria cervejeira do município, já chamado de Capital Nacional do Chope.


Hoje, os recursos hídricos são extraídos por poços tubulares que chegam a mais de 200 metros de profundidade e que somente passam por adição de cloro e flúor, dada a pureza de sua origem.


Com essa atividade, Ribeirão Preto capta 156,1 bilhões de litros por ano do aquífero, segundo o Departamento de Águas e Energia (DAEE), responsável por outorgar novas perfurações.


O município ainda conta com 120 reservatórios capazes de armazenar mais de 171 milhões de litros, de acordo com as informações mais recentes da Ares-PCJ, agência reguladora dos serviços de água e esgoto de Ribeirão Preto.


Por ser de longa data, a rede ficou suscetível a vazamentos ao longo dos anos, muitos deles visíveis nas ruas, e a cidade já chegou a desperdiçar 61% dos recursos na distribuição, segundo o SNIS de 2016.


Desde então, o índice vem caindo (veja os números no gráfico acima), mas ainda está acima das médias nacional e estadual e representa 714 litros por dia desperdiçados por ligação em funcionamento na cidade.


Segundo a Saerp, os 43% são compostos por:


26% referentes a perdas reais, ou seja, resultantes de vazamentos e extravasamentos;


17% de perdas aparentes, decorrentes da submedição dos micromedidores, fraudes e ligações clandestinas.


Em grande parte, o problema é associado ao modelo de distribuição da água, levada diretamente dos poços para as adutoras, que nem sempre comportam a pressão.


"Quase 70% da distribuição atual de água em Ribeirão Preto é realizada do poço injetando diretamente na rede, com fortes pressões, rumo aos imóveis, o que aumenta as rupturas nas tubulações", explica a Saerp.


Na outra ponta, a população, por uso inconsciente, mas também sujeita à elevação das temperaturas, tem demandado mais recursos hídricos.


O SNIS 2023 estima que cada habitante de Ribeirão Preto consome, por dia, quase 273 litros de água, número quase duas vezes maior do que os 148 litros registrados por habitante na média de todo o país. O valor é o maior desde 2016 e é 7,5% mais elevado do que o registrado no relatório de 2022.


"A Saerp vem buscando promover o consumo consciente da população, através de campanhas de comunicação e de ações de educação ambiental, como o projeto Saerp na Escola, que tem quase 30 anos, e outras modalidades desse programa, que somente no ano passado, atingiu mais de 3 mil pessoas", comunica a pasta.


Qual é o futuro do Aquífero Guarani?


A elevação do consumo e o desperdício preocupam autoridades e especialistas, principalmente por conta dos riscos para o Aquífero Guarani, que não recebe recarga na mesma proporção da exploração dos recursos.


"A água que a gente consome hoje foi armazenada há milhares de anos", diz Cláudia Habib, promotora do Gaema.


No braço ambiental do Ministério Público, a sobrevivência do aquífero já foi pauta de diferentes ações civis públicas, datadas desde 2012, seja para tentar garantir a permanência de solos permeáveis face o crescimento imobiliário, seja para regrar as perfurações de poços. Em 2015, uma liminar proibiu edificações na APA do aquífero, mas que acabou derrubada.


"O Gaema atua há décadas nessa questão. Foi ajuizada uma ação para que a área de recarga do aquífero na zona leste fosse uma APA [área de preservação ambiental], para que boa parte daquela área fosse destinada à permeabilidade, que fossem obstadas construções naquela área. Essa ação foi julgada improcedente pelo Tribunal de Justiça", exemplifica a promotora.


Desde 2006, a elevada exploração do Aquífero Guarani tem levado a restrições na perfuração de poços, segundo o DAEE.


"As regras de restrição determinam que a perfuração de novos poços no centro da cidade ocorra apenas em substituição a poços de abastecimento público existentes (geralmente mais antigos, com queda na produção de água) e, na área de expansão urbana, deve ser respeitado distanciamento mínimo de 1.000 metros de poços existentes", explica.


Ainda sem saber, de fato, quais são as reais condições da importante reserva subterrânea, a Prefeitura contratou um estudo orçado em R$ 2 milhões, com a expectativa de dar apresentar as primeiras informações ainda este ano.


"Irá trazer dados inéditos sobre o a região confinada do aquífero, isto é, a não-aflorada, que não é percebida a recarga do manancial, balizando o planejamento hídrico pelas águas subterrâneas e superficiais."


A falta de água mesmo com recursos hídricos abundantes


Mesmo com tanta água abundante e desperdiçada em Ribeirão Preto, não são incomuns as reclamações por falta d'água, o que chega a ser crônico em algumas regiões da cidade.


Quase 25% da população já enfrentou, em algum momento, o transtorno do desabastecimento em 2022, segundo levantamento divulgado em novembro do ano passado pela Ares-PCJ na revisão tarifária, com base em uma amostra de moradores que vivem em locais que já passaram por algum tipo de manutenção.


Em torno de 43% respondeu que isso acontecia uma ou mais vezes por semana. Quando ocorrem, as paralisações no abastecimento duram em média 13 horas, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.


"O problema maior é máquina de lavar, que não tem como usar, e medo de tomar banho, de não saber quanto tempo vai demorar a falta e de acabar água nas caixas", afirma Washington Júnior, que vive a apenas 500 metros de um poço de captação subterrânea no bairro Lagoinha.


Em consonância com as metas globais da ONU, o último Plano Municipal de Saneamento Básico do município, de 2016, prevê o acesso universalizado à água, com um volume mínimo per capita de 150 litros por dia, além de técnicas para promoção do uso racional dos recursos hídricos. Além disso, estabelece que as interrupções ocorram apenas por necessidade de reparos nos sistemas e em situações de calamidade pública.


A Saerp, por sua vez, alega que as intermitências hoje registradas são em decorrência da manutenção do sistema ou por danos na rede. "Conforme prega norma da ABNT, todo imóvel deve possuir reservação de água suficiente para 24h de consumo, justamente para esses casos de manutenção", acrescenta.


O que Ribeirão Preto planeja para garantir o futuro da água?


Como resposta para as perdas na distribuição e para o consumo crescente, a Prefeitura de Ribeirão Preto tem como principais ações um Plano de Controle, Gestão e Redução de Perdas, o que inclui a troca de tubulações, mais poços e reservatórios, além dos estudos para analisar as reais condições do grande manancial que abastece a cidade, bem como para viabilizar a captação no Rio Pardo, hoje apontado como a alternativa mais viável.


Na última prévia do Plano Setorial de Abastecimento, que integra o novo plano de saneamento, ainda não aprovado, o município estabelecia um total de R$ 864.439.341 em projetos e obras de curto médio e longo prazo a serem conduzidos até 2039. Entre os principais objetivos estão:


Reduzir para 30% as perdas no sistema de distribuição

Renovação do parque de hidrômetros

Recuperação do sistema de distribuição

Recuperação do manancial subterrâneo

Adequação da infraestrutura existente

Melhorar a eficiência energética

Implantar normas técnicas e procedimentos internos para melhoria de eficiência na prestação de serviço

Avaliar novo sistema de captação


Para 2024, os aportes projetados para obras (veja o detalhamento abaixo) são da ordem de R$ 131,3 milhões, o que corresponde a 26% do orçamento total da Secretaria Municipal de Água e Esgoto de Ribeirão Preto, que há dois anos assumiu o abastecimento no lugar do Departamento de Água e Esgoto (Daerp), autarquia que atuou por mais de 50 anos na cidade.


Somente as reduções de perdas representam 73% das obras (veja no gráfico acima), chegando a quase R$ 96 milhões, e visam uma mudança expressiva na maneira como a água chega às casas. Em vez da injeção direta na rede, a água passará a ser distribuída de forma setorizada e por gravidade.


"O programa prevê a redução das perdas, por alterar a distribuição do abastecimento, que passará a ser do poço para os reservatórios e, posteriormente, para os imóveis, possibilitando um controle maior das pressões, setorizando o sistema", explica a secretaria.


Ao mesmo tempo, a administração municipal abriu uma licitação de R$ 3 milhões, com recursos da União, para analisar a viabilidade técnica, financeira e ambiental da utilização do Rio Pardo como fonte alternativa do município, um dos 27 abrangidos por suas águas que nascem no município de Ipuiúna (MG).


A previsão é de que os estudos sejam concluídos em nove meses a partir da contratação e que a captação ocorra a partir de 2030, segundo a Prefeitura.


Um relatório divulgado há mais dez anos pela Agência Nacional de Águas (ANA) já alertava para a necessidade de Ribeirão Preto buscar o Rio Pardo como fonte alternativa, dados os riscos de insuficiência do Aquífero Guarani.


Na época em que os recursos para avaliação do Pardo foram liberados, a Prefeitura estimava que o rio forneceria água suficiente para uma população de 900 mil habitantes, além de reduzir a pressão sobre os recursos subterrâneos.


"Dezenas de municípios são abastecidos de forma superficial pelo Rio Pardo, que é uma água renovável. Esse projeto de captação do Rio Pardo é sério, precisa ser muito bem feito, porque é água renovável, que se dá através da captação superficial e não subterrânea", ressalva Cláudia Habib, promotora do Gaema.

 

Fonte: G1- Ribeirão e Franca



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