Aprovado
definitivamente pela Câmara dos Deputados, o conjunto de regras que vai guiar
as contas públicas a partir de 2024 — também conhecido como
novo arcabouço fiscal — prevê que o governo vai zerar o déficit
primário no ano que vem. Ou seja, que não vai gastar mais do que arrecada. Ao
Brasil 61, especialistas disseram que, para ser cumprida, a meta implicará
aumento de carga tributária. Eles também destacam que o Executivo vai encontrar
dificuldades no Congresso Nacional para ampliar as receitas.
De
acordo com o Ministério do Planejamento, as contas públicas vão fechar 2023 com
um saldo negativo de R$ 145,4 bilhões. Isso significa que para encerrar o ano
que vem no "zero a zero", o governo terá que aumentar a arrecadação
ou cortar gastos nessa mesma quantidade.
A
economista Deborah Bizarria diz que o Executivo sinaliza que vai escolher a
primeira opção. "Pelo que algumas alas do governo vêm dizendo, não parece
haver um claro interesse de haver uma redução dos gastos. Então, o Ministério
da Fazenda acaba correndo atrás de receitas e de maneiras de aumentar a
arrecadação", afirma.
O
advogado Gabriel Mascarenhas, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV),
aponta que as propostas para taxar offshores (empresas situadas em outros
países), geralmente com tributação mais baixas — e os investimentos dos
"super-ricos" — estão entre as estratégias do governo para
elevar as receitas.
"Vai
ter uma busca da administração pública pelo aumento da arrecadação. Afinal de
contas, esse aumento da arrecadação vai influenciar diretamente na
possibilidade de novos investimentos e gastos públicos."
Ele
acredita que o Executivo terá trabalho para aprovar aumento de impostos junto
ao Congresso Nacional.
"Vai
sofrer. Sem sombra de dúvidas, o governo vai enfrentar muita dificuldade para
aumentar a carga tributária, porque ainda há uma discussão de reforma
tributária em curso. Ou seja, você tem ao mesmo tempo um projeto amplo de
mudança no sistema tributário e, paralelamente, você tem várias tentativas
pontuais de aumento de carga que vão ser muito rebatidas no Congresso",
avalia.
Em
outras ocasiões, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal já
se posicionaram contra o aumento da carga tributária que pesa sobre os
contribuintes. Bizarria lembra que outros economistas que têm se debruçado
sobre as contas públicas alertam que será difícil zerar o déficit orçamentário
em 2024. Isso, segundo ela, pode comprometer a credibilidade do novo arcabouço
fiscal.
"Se
o governo não achar as fontes de receita necessárias para atingir essa meta, o
arcabouço fiscal pode ir perdendo sua credibilidade tal como aconteceu com o
teto de gastos, e aí a vantagem que muitos disseram de ele ser mais flexível,
que poderia acabar ajudando a acomodar certas tensões políticas, pode acabar
indo por água abaixo", pontua.
Menos
rígido
O
novo arcabouço fiscal é o conjunto de regras que vai guiar as contas públicas
em substituição à regra anterior, o teto de gastos. Esse foi implementado em
2016 e determinava que o governo só poderia gastar num ano o que gastou no ano
anterior mais a inflação. Por exemplo: se gastou R$ 1 mil e a inflação foi de
10%, no ano seguinte poderia gastar até R$ 1.100. Na prática, o crescimento dos
gastos era zero.
Com
o arcabouço, as despesas do governo serão corrigidas por um intervalo de 0,6% a
2,5% acima da inflação. Isso significa que mesmo em anos de queda na atividade
econômica, o governo terá um piso mínimo para aumentar os gastos. Por outro
lado, nos momentos de "bonança", deverá respeitar o teto para
crescimento das despesas.
Mascarenhas
afirma que as novas regras são menos rígidas e mais flexíveis do que o teto de
gastos. "O teto de gastos era muito criticado pela rigidez. Ele era tão
rígido que nunca foi respeitado. Agora, tem a possibilidade de efetuar uma
despesa pública maior levando-se em consideração o aumento da
arrecadação", compara.
Mudanças
Os
deputados mantiveram fora do limite de despesas previsto no arcabouço os gastos
com o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e com o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) — mudanças
incluídas pelos senadores.
No
entanto, derrubaram um dispositivo que garantia ao governo cerca de R$ 40
bilhões a mais para o orçamento de 2024.
Segundo
a versão do texto aprovada na Câmara em maio, as despesas do governo têm que
levar em conta a inflação dos 12 meses anteriores à elaboração do orçamento.
Assim, para elaborar o orçamento de 2024, a inflação que servirá como base será
de julho de 2022 a junho de 2023.
Mas
o senador Omar Aziz incluiu uma emenda ao texto para permitir que o governo
fizesse uma estimativa da inflação de janeiro a dezembro de 2023 e, caso ela
seja maior do que a inflação compreendida entre julho de 2022 e junho de 2023,
possa usar a diferença para aumentar as despesas. Esta alteração foi
derrubada pela Câmara.
O
governo tinha pressa para saber qual a regra valeria, pois precisa enviar até o
fim de agosto o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024.
“O
projeto de lei orçamentária é onde o governo discute como você gasta os
recursos no ano seguinte. Então, esse projeto vem na sequência do arcabouço
fiscal justamente porque o arcabouço fiscal foi responsável por definir as
diretrizes de como vão se comportar os gastos, qual a previsão de receita para
que haja o cumprimento da meta primária, que no caso é de zerar o déficit no
ano que vem”, explica Bizarria.
Principais
pontos
O
projeto cria um intervalo de tolerância ou, como o governo tem chamado, bandas
de variação para a meta de resultado primário. O resultado primário é a
diferença entre o que o poder público arrecada e gasta, tirando o pagamento dos
juros da dívida.
Segundo
o texto, a meta de resultado primário será considerada cumprida mesmo que varie
0,25% para baixo ou para cima. Por exemplo: para o ano que vem, o governo
estima um resultado primário de 0% do PIB. Isso significa que a expectativa é
de gastos e despesas do mesmo tamanho. No entanto, se o resultado ficar entre -
0,25% do PIB (banda inferior) e 0,25% do PIB (banda superior), ficará dentro da
meta e, portanto, considerado cumprido.
Já
em 2025, por exemplo, a meta é de superávit (contas no azul) de 0,5% do PIB. O
resultado final poderá variar entre 0,25% (banda inferior) e 0,75% do PIB
(banda superior). Para 2026, o governo espera um superávit equivalente a 1% do
PIB, com a banda inferior fixada em 0,75% e a banda superior em 1,25%.
Aumento
de gastos e investimentos
Se
cumprir a meta de resultado primário, o governo poderá aumentar os seus gastos
em até 70% do crescimento da receita obtida nos 12 meses anteriores. Ou seja,
se aquilo que o governo arrecada com impostos, taxas e outras fontes de receita
aumentar R$ 10 bilhões, no ano seguinte ele poderá aumentar as despesas em, no
máximo 70%, isto é, R$ 7 bilhões.
Caso
o saldo das contas públicas fique abaixo da banda inferior da meta, no ano
seguinte o governo só poderá aumentar as despesas em 50% do crescimento das
receitas e não mais em 70%. Por outro lado, em um cenário em que o
resultado das contas públicas fique acima da banda superior da meta, o
Executivo poderá destinar até 70% do excedente para investimentos, com
prioridades para obras inacabadas ou em andamento.
O
texto prevê alguns medidas de ajuste, também conhecidas como gatilhos, para as
situações em que o governo não cumpra a meta de resultado primário. Entre as
proibições estão a criação de cargos, aumento de auxílios, como o Bolsa
Família, e a concessão de incentivos tributários.
Fonte: Brasil 61
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