Por Joelmir Tavares e Victoria Azevedo | Folhapress
A
campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sido cobrada por
apoiadores para ampliar o uso da chamada linguagem inclusiva, que busca
combater preconceitos contra minorias, e ao mesmo tempo recebe críticas de
bolsonaristas por citar termos tidos como politicamente corretos.
O
petista, que lidera as pesquisas da corrida presidencial, adaptou parte de suas
falas para agradar à fatia da militância que abraça a defesa das mulheres, dos
negros, da população LGBTQIA+ e dos indígenas, mas escorregões nessa cartilha
ainda causam desconforto em sua base.
As
queixas, geralmente feitas em privado para não respingar na candidatura, giram
em torno do uso de palavras como "índio" (em vez de indígena) e
"escravo" (no lugar de escravizado) e de referências que contrariam,
por exemplo, os veganos, com repetidas alusões a churrasco e picanha.
Outro
problema apontado é um termo com conotação sexual no bordão de Lula sobre ter
76 anos de idade, mas "tesão de 20". Sob anonimato, uma apoiadora diz
que, embora o presidenciável faça associação com sua energia política, o termo
soa depreciativo para o conjunto das mulheres.
Em
ao menos um discurso recente, ele atenuou o peso da palavra controversa ao incluir
"motivação" antes dela.
Outra
preocupação visível é a de frisar a diversidade de gênero, mas longe de ceder à
linguagem neutra, que pressupõe um vocabulário com "todes" (em vez de
todos) e "amigues" (amigos). O ex-presidente costuma se dirigir aos
ouvintes como "meus amigos e minhas amigas".
"Tanto
ele quanto o [Geraldo] Alckmin, no lançamento da chapa, fizeram a primeira
saudação às mulheres", diz a secretária nacional de mulheres do PT, Anne
Moura. "Para muitos, isso não faz diferença. Mas nós que estamos na linha
de frente da luta feminista sabemos dessa importância."
Ela
afirma que a mudança é fruto "de muitas reuniões e de acúmulos" e
lembra que o partido tem como presidente uma mulher, Gleisi Hoffmann.
"Lula é de outra quadra histórica, quando esses debates não eram muito
presentes. O mais legal é que ele se permite ouvir e aprender", diz.
Assuntos
sensíveis para os chamados movimentos identitários foram incorporados ao
discurso porque o PT entende que isso o aproxima do eleitorado jovem,
escolarizado, morador de centros urbanos e adepto das redes sociais.
Mas
há o temor de que temas delicados da pauta progressista afastem camadas mais
simpáticas a Jair Bolsonaro (PL), como a dos evangélicos.
O
ex-presidente se tornou alvo das redes bolsonaristas após viralizar o trecho de
uma das falas do ato em que foi oficializada a chapa com Alckmin, no dia 7
deste mês.
Lika
Rosa, que é "slammaster" (participa de batalhas de poesia urbana) e
apresentou o evento, anunciou que faria um "escurecimento" antes de
dar uma explicação sobre regras da lei eleitoral.
"Quero
aqui fazer um escurecimento, ou esclarecimento. Como nós respeitamos as leis, a
legislação e as instituições, é importante avisar e deixar claro, ou escuro,
que hoje nós não estamos lançando candidaturas, nós estamos lançando, sim, um
movimento", disse.
O
palavreado que busca dissociar a cor negra de expressões com sentido negativo,
difundido por grupos antirracistas, foi ridicularizado por seguidores de
Bolsonaro para fustigar Lula.
"No
fundo, o que a esquerda pretende é dividir, enganar e confundir a cabeça do
brasileiro", postou o deputado federal Luiz Lima (PL-RJ), reclamando de
desvalorização da pátria e da língua. "Eles querem tirar a nossa
liberdade, o nosso amor, a nossa história", afirmou o bolsonarista.
"Escuridão
é ausência de luz, somente isso. Não há nada de preconceito nisso",
opinou.
A
deputada federal Bia Kicis (PL-DF), o vereador Rubinho Nunes (União Brasil-SP)
e o ex-presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo (PL-SP) --todos
pré-candidatos à Câmara dos Deputados-- também fizeram troça.
Lika,
que se declara parda, diz à Folha que fez as adaptações no texto por conta
própria, para reforçar o pedido de mais respeito à periferia e às suas
expressões culturais.
"Resolvi
falar [dessa forma] porque representa pessoas como eu. Nós existimos, pagamos
impostos e vivemos no mesmo Brasil onde a interpretação elitista e acadêmica
parece ser a única válida ou respeitada", afirma.
Na
visão da assessoria de imprensa de Lula, bolsonaristas perpetraram os ataques
como "cortina de fumaça para o desastre do governo Bolsonaro: fome,
inflação, desemprego".
O
discurso do ex-presidente no evento, lido para evitar falhas depois de uma
sequência de gafes, destacou o papel das mulheres, repudiou "o extermínio
da juventude negra e o racismo estrutural" e lamentou que pessoas sejam
"espancadas e mortas por conta de sua orientação sexual".
Na
ocasião, ele também saiu em defesa dos povos indígenas, pronunciando a
expressão três vezes.
Dias
antes, entretanto, sem roteiro escrito, Lula lançou mão do termo
"índio", repelido por líderes dos povos originários, que o relacionam
a um preconceito histórico e à folclorização dessa população. Também usou uma
palavra problemática ("galega") para descrever a presidente do PT.
Ao
prometer criar um ministério para cuidar de questões indígenas, o petista
disse: "Alguém vai ter que assumir o ministério. E não será um branco como
eu ou uma galega como a Gleisi. Terá que ser um índio ou uma índia".
Quando
há deslizes do tipo, conselheiros alertam o ex-presidente e o orientam. Os
relatos são os de que ele ouve as demandas na maior parte das vezes. Esposa de
Lula, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, é tida como uma das responsáveis
pelas correções de rota no linguajar.
Afeita
ao ativismo e presente em várias agendas, ela tem tentado moldar o político aos
novos tempos e às causas que movem parte do público petista, entre elas o
feminismo e os direitos dos animais.
Lula
ainda exalta a picanha como símbolo de prosperidade para conquistar votos, mas,
pressionado por aliados que pregam o menor consumo de carne, passou a ressaltar
também a necessidade de "plantar mais orgânicos para melhorar a saúde das
pessoas que são vegetarianas e veganas".
Em
defesa do ex-presidente, auxiliares minimizam a gravidade das falhas e evitam
expô-las em público para não criar mais ruídos. Também mencionam o fato de que
ele nunca tinha feito campanha eleitoral sob o escrutínio das redes sociais,
ainda mais em um ambiente tão polarizado.
Um
representante da coordenação da pré-campanha diz que o debate sobre linguagem
inclusiva deve ser tratado com tranquilidade, "sem virar uma
paranoia", evitando resvalar em um discurso forçado.
Sobre
as críticas, o entorno argumenta que o petista é um defensor da igualdade e do
respeito, e não será um ou outro termo inadequado que mudará isso ou definirá
as eleições.
Principal
adversário dele, Bolsonaro possui um longo histórico de frases preconceituosas
sobre minorias. Há alguns dias, voltou a dizer que uma pessoa negra pode ser
pesada em arrobas (medida normalmente usada para animais). Ele já foi condenado
por racismo, na primeira instância, por essa analogia.
Lula,
ironicamente, fez coro no mês passado aos detratores do politicamente correto,
que consideram haver patrulha excessiva sobre conteúdos pejorativos ou
ofensivos. O petista disse que o mundo "está chato pra cacete" porque
"todas as piadas agora viraram politicamente erradas".
Ele,
que é pernambucano, afirmou que "um mundo multipolar" seria mais
feliz. "O cara contando piada de nordestino e eu rindo. Eu contando piada
de outras pessoas e as pessoas rindo."
Palavras
da discórdia na campanha de Lula
Tesão
Aparece
em um raciocínio que já virou uma espécie de bordão, quando o ex-presidente diz
que, apesar de ter 76 anos de idade, está com "tesão de 20". Ele usa
a analogia para destacar sua vontade política de transformar o país. Militantes
se incomodam porque consideram o termo depreciativo para o conjunto das
mulheres, com perpetuação de estigmas como a submissão feminina
Índio
O
termo é visto como desrespeitoso. O mais recomendado é falar
"indígena" (ou "povos indígenas", quando a referência for
ao conjunto dessa população). Lula passou a usar as palavras indicadas depois
de conselhos, mas ainda comete deslizes. Em abril, ao prometer criar um
ministério para a área caso seja eleito, disse que ele "terá que ser
[assumido por] um índio ou uma índia"
Escravo
Ativistas
da causa racial afirmam que a expressão reduz as vítimas de escravidão a uma
condição perene e ignora sua subjetividade, amenizando o fato de que foram
submetidas forçadamente a esse processo. Por isso, recomendam a substituição
por "escravizado". Lula disse em 2021 que, na visão da elite após a
abolição no Brasil, os negros "deixaram de ser escravos para virar
vagabundos"
Escurecimento
A
palavra foi usada pela apresentadora do evento que oficializou a chapa com
Alckmin, no último dia 7. Ao dar uma explicação ao microfone, a cantora Lika
Rosa anunciou: "Quero aqui fazer um escurecimento, ou
esclarecimento". Ela, que é parda, diz que a mudança foi iniciativa sua,
como manifestação por mais representatividade. Bolsonaristas ridicularizaram a
fala e atacaram o PT
Picanha
A
carne é usada por Lula como exemplo de uma prosperidade que ele promete
devolver aos brasileiros mais pobres, caso volte a ser presidente. Embora ainda
conste em seus discursos, a referência passou a ser acompanhada de menções ao
consumo de vegetais e à agricultura orgânica, após reclamações de apoiadores
que militam pelo veganismo e pelos direitos dos animais
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