Por André Amaral
O Brasil enfrenta um paradoxo
com a questão dos fertilizantes.
Embora seja um país reconhecido como potência mundial no agronegócio, tem
grande dependência externa de adubos. E, mesmo dispondo de vasta matéria-prima
para viabilizar produção local, principalmente potássio, a autonomia não é um
assunto simples, já que a falta de infraestrutura é um problema e tanto.
Como
a importação chega a 95% do que é consumido no Brasil, uma crise internacional,
como a que ocorre no Leste Europeu entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, deixa
o setor vulnerável.
A
necessidade de fertilizantes ainda tem como agravante o fato de o solo
brasileiro ser naturalmente pobre em nutrientes e ácido, principalmente no
Cerrado, disse ao site Poder360 José
Carlos Polidoro, pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária) Solos.
Os
nutrientes fundamentais para a agricultura são nitrogênio, fósforo e potássio.
Desse tripé de insumos essenciais para o campo, o Brasil importa cerca de 75%
de nitrogênio, 55% de fósforo e surpreendentes 95% de potássio, segundo o
doutor e professor de Engenharia Química do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT)
Efraim Cekinski. Metade do potássio importado vem da Rússia e de Belarus. O país também compra da
Rússia 15% dos fertilizantes fosfatados e 20% dos fertilizantes nitrogenados.
Com
poucas chances de conquistar a independência dos fertilizantes importados, os
produtores brasileiros estão atentos ao Plano Nacional de Fertilizantes (PNF),
lançado pelo Governo Federal em 11 de março. Segundo a Agência
Brasil, a medida propõe um planejamento do setor de fertilizantes para os
próximos 28 anos (até 2050), com foco nos principais elos da cadeia: indústria
tradicional, produtores rurais, cadeias emergentes, novas tecnologias, uso de
insumos minerais, inovação e sustentabilidade ambiental.
Autonomia
improvável
E
como uma nação tão bem posicionada no ranking global do agronegócio fica tão à
mercê da produção de fertilizantes de outro países?
A
resposta é “capacidade”. Ou falta dela. Brasil não possui um sistema de dutos
grande o suficiente para dar conta de escoar o gás utilizado para a produção de
fertilizantes nitrogenados. Segundo reportagem da revista Veja,
se compararmos o país aos EUA, por exemplo, são 40 mil quilômetros de canos por
aqui contra 400 mil quilômetros do sistema de escoamento norte-americano.
A
discrepância de infraestrutura também pode ser observada no fato de que o
Brasil tem apenas quatro fábricas de fertilizante nitrogenado, todas de
propriedade da Petrobras, que vem acenando desde 2017 que quer deixar o setor
de fertilizantes.
Em
consequência da debandada estatal no setor, três fábricas, nas cidades de
Camaçari-BA, Laranjeiras-SE e Três Lagoas-MS, foram vendidas nos últimos anos.
A de Mato Grosso do Sul, conhecida como Unidade de Fertilizantes Nitrogenados
(UFN-III), curiosamente, quase foi parar nas mãos do grupo russo Acron após
uma negociação no começo fevereiro, mas teve o processo de privatização
impedido devido às sanções internacionais que recaíram contra a Rússia. Na
quinta-feira (28), a Petrobras anunciou que não irá mais negociar a venda aos
russos.
Apesar
da desistência do negócio, a estatal informou que um novo processo de venda
deve ser aberto em breve, segundo o Canal
Rural. “A companhia está realizando os trâmites internos para encerramento
do atual processo de venda e preparando o lançamento de um novo teaser tão logo
possível. A previsão é lançar o novo processo já no início de junho”, disse a
Petrobras.
Já
a fábrica que restou, em Araucária-PR, está fechada.
Fosfato nitro-amônico da Acron, insumo amplamente utilizado pelas indústrias em suas diversas misturas de fertilizantes (Foto: WikiCommons)
Para
o diretor-executivo do Sinprifert (Sindicato Nacional das Indústrias de
Matérias-Primas para Fertilizantes), Bernardo Silva, é mais vantajoso do jeito
que está. Ao Poder360, ele disse que o custo Brasil é um fator estrutural
que onera a produção nacional de fertilizantes, tornando a importação mais
atraente para o agronegócio.
Os
custos incluem a infraestrutura logística de distribuição dos insumos e o alto
preço do gás natural -matéria-prima para a produção de fertilizantes
nitrogenados, como a ureia. Ele observa que o gás chega aos produtores por US$
12 por milhão de BTU, quando o ideal seria US$ 5 por milhão de BTU.
“A
gente tem um ambiente tributário que isenta e subsidia importação. Então 0% de
imposto de importação, PIS/Cofins, ICMS, entre outros tributos, que favorecem a
competitividade de produtos [importados], enquanto no Brasil a gente é
onerado”, disse ele.
Potássio
até o século 22
Se
por um lado há a preocupação da cadeia produtiva agrícola brasileira com o
abastecimento de fertilizantes por conta dos impactos vindos da disputa
entre Vladimir
Putin e Volodymyr Zelensky na Europa, uma pesquisa conduzida pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que o Brasil tem reservas
capazes de salvaguardar o abastecimento de potássio até 2100.
Ouvido
pela CNN,
o professor Raoni Rajão, do departamento de Engenharia de Produção da UFMG,
disse que dois terços das reservas se concentram nos Estados de Sergipe, São
Paulo e Minas Gerais. Na Amazônia, apenas 11% delas se sobrepõem a terras
indígenas ainda não homologadas. Os números são do Ministério de Minas e
Energia.
A
reserva de potássio nacional, até hoje, já recebeu 149 pedidos de exploração do
minério feitos pela empresa Potássio do Brasil, administrada pelo banco
canadense de investimentos Forbes & Manhattan. No entanto, os pedidos
ainda esbarram na legislação estadual de Pará e Amazonas.
Por
que isso importa?
O
temor de que as sanções impostas
à Rússia em função da
guerra na Ucrânia comprometeriam
a importação de fertilizantes pelo Brasil parece não ter se
materializado. Ao menos em um primeiro momento. Dados de importação marítima
obtidos pela agência Reuters indicam
que ao menos 24 navios cargueiros contendo fertilizante embarcaram rumo ao
território brasileiro e devem chegar aqui nas próximas semanas.
As
embarcações comportam quase 678 mil toneladas de fertilizantes, conforme dados
compilados pela empresa de consultoria Agrinvest Commodities. A carga, se
entregue devidamente, tem potencial para garantir aos produtores brasileiros
uma safra normal de grãos, marcada para começar no último trimestre de 2022.
Dos
24 navios que rumam ao Brasil, 11 deixaram os portos russos de São Petesburgo e
Murmansk depois do dia 24 de fevereiro, quando começou o conflito. Em sua
maioria, eles trazem cloreto de potássio, usado principalmente em plantações de
milho e soja.
Fonte: A Referência
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