Da
esquerda para a direira, o presidente chinês Xi Jinping; o presidente russo,
Vladimir Putin; o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro; o primeiro-ministro da
Índia, Narendra Modi e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, na
cúpula do BRICS em Brasília, em novembro de 2019 (Foto: MRE/Arthur Max)
Por
André Amaral
A
autocracia de Vladimir
Putin. A vigilância
estatal de Xi Jinping. O ultranacionalismo de
Narendra Modi. O militarismo de Jair Bolsonaro. O autoritarismo parece estar
esculpindo um busto sisudo do BRICS, agrupamento econômico que reúne Brasil,
Rússia, Índia, China e, desde 2011, África do Sul.
A
cúpula surgiu em 2009, como uma resposta à crise global do ano anterior. Mas,
se à época havia uma expectativa de que os Estados-membros contestariam a ordem
econômica hegemônica de EUA e Europa, hoje, as nações emergentes também são
lembradas por abusos contra os direitos humanos e
trocas de farpas com diversos países do mundo – particularmente da parte de
Moscou e Beijing. E até entre si, como é o caso de Brasil e China, parceiros de longa data que
tiveram rusgas em meio à pandemia.
Suas
populações, que somadas chegam a 3 bilhões, apesar de avanços notáveis – a
China superou os EUA e está no topo
da pirâmide da elite econômica, segundo um relatório da empresa de
consultoria empresarial norte-americana McKinsey & Co. sobre a
classificação global da riqueza –, também sofrem com a repressão imposta por
seus líderes. E, agora, com uma guerra que coloca o mundo em alerta.
O
cenário mais beligerante é justamente o dos russos, que sofrem as consequências
de sanções internacionais que vão desde a exclusão da seleção nacional das
Eliminatórias da Copa do Mundo até o fechamento de postos de trabalho com a
debandada de multinacionais do país. A China, com sua histórica questão
com Taiwan, também tem se
mostrado intimidadora, com frequentes incursões
aéreas que levaram a uma resposta taiwanesa, através da análise
das táticas de guerra ucranianas. Já na Índia, quase 200 milhões de
muçulmanos vivem em um país controlado por um partido que faz da divisão
religiosa e da política pró-hindus uma de suas mais importantes
bandeiras. No Brasil, até 2021, mais de 6 mil militares atuavam em cargos civis
no governo Jair Bolsonaro.
Se
o BRICS possui um superlativo espaço econômico e ostenta uma grande potência
política, em se tratando de bem-estar social a história tem sido bem diferente.
São povos que frequentemente se mostram insatisfeitos. Ou tentam. Protestos
na China e na Rússia frequentemente acabam em prisões. Sem falar em
dispositivos nas legislações de ambos países feitos para criminalizar
manifestações.
A
Rússia, por exemplo, tem leis severas para o controle de atos públicos, que
costumam culminar em intensa ação policial. Os detidos têm que pagar multas que
vão de dois mil rublos (cerca de R$ 88) a 300 mil rublos (R$ 13,3 mil) e prisão
por até 30 dias. A mais recente é o Código
de Contraordenações, que regulamenta as ações públicas destinadas a quem
“desacredita o uso das Forças Armadas”. Ou seja: protestar contra a guerra pode
acabar em detenção.
Contextos
históricos x tendências globais
Ouvido
por A Referência, Pedro Brites, professor de Relações Internacionais da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), faz uma análise baseada no contexto histórico
das relações de cada país com a democracia e na onda conservadora da última
década.
Para
ele, o BRICS busca um
entendimento de relações internacionais similares em alguns aspectos, embora
sejam países que apresentem dinâmicas regionais e domésticas muito
particulares. Uns historicamente “mão-de-ferro”; outros que já viveram os dois
lados da moeda.
“Embora
a gente possa tentar traçar um paralelo em relação aos momentos das políticas
domésticas de cada um desses países, elas advêm de contextos muito diversos”,
diz ele, citando o caso dos chineses. “A China tem sua tendência histórica, que
pode ser compreendida na maneira como o Partido
Comunista Chinês chegou ao poder. Você não não tem ali uma democracia
liberal na formação do Estado chinês”.
Os
russos viveram um processo semelhante, lembra o professor. “A Rússia passou por
uma transição muito particular depois do fim da União Soviética. E, então, se
compararmos com o Brasil e com a Índia, que são países que
tiveram tradições democráticas nas últimas décadas, temos um contexto
completamente distinto”.
Brites
observa um crescimento de governos com discursos mais nacionalistas na última
década, comportamento que, para ele, está relacionado com as novas
configurações de poder nas relações internacionais. Mas isso não
necessariamente estabeleceria uma tendência autoritária no BRICS.
“Eu
não consigo achar que hoje exista uma tendência específica no bloco. O que há é
um contexto internacional de maior competição, principalmente entre as grandes
potências, e é claro que isso reflete também domesticamente nesses países”,
avalia o professor, que considera essa a principal propensão dos emergentes
atualmente.
No
Brasil, que vive um aceno à extrema direita no governo Bolsonaro, Brites lembra
que essa foi uma tendência de guinada política global iniciada na década de
2010, que mostrou força na Europa e usou do mesmo discurso nacionalista para
levar Donald Trump ao
poder.
“É
possível ver algumas feridas se apresentando na democracia brasileira nesse
sentido. Por exemplo, a presença mais efetiva de militares no poder, que supera
a época do regime militar, o questionamento das eleições, da transparência e
legitimidade delas. E esses são aspectos que também se incluem dentro dessas
tendências globais”, afirma o analista.
“A
ascensão de uma ‘Internacional da Direita” no mundo todo representa uma guinada
em favor de valores que a democracia, em nível internacional, julgava já haver
suplantado”, afirma o professor de ciências sociais Eduardo Grin, da FGV de São
Paulo.
Para
Grin, o modelo democrático floresceu sob a lógica de que os atores respeitariam
valores como a competição entre ideologias políticas, a vitória e a derrota
eleitoral e as instituições. “Não é mais o caso”, afirma.
Com Narendra Modi, do partido
nacional-populista BJP (Bharatiya Janata, ou Partido do Povo Indiano, em
hindi), a Índia foi de uma democracia vibrante para um Estado que beira o
teocrático. Isso foi possível porque o premiê indiano, segundo Brites, buscou
mobilizar uma base religiosa a partir de um discurso conservador, algo semelhante
ao que aconteceu no Brasil com a volumosa população evangélica que apoiou o
atual presidente em 2018.
Na
Índia – assim como nas Américas – as razões para uma guinada à direita também
têm a ver com desigualdades sociais e com o crescimento de um conservadorismo carregado
de religiosidade, lá hinduísta e aqui evangélico, afirma Adrián Albala,
professor de ciência política da UnB (Universidade de Brasília).
Brites
também crê que o comportamento atual dos países do BRICS tenha relação com a
resistência das grandes potências quanto a um “lugar ao sol” do agrupamento no
cenário global.
“De
países que eram emergentes, que buscavam seu espaço na política internacional,
as grandes potências tradicionais, como os europeus e os Estados Unidos, me
parecem hoje mais resistentes a essas ideias”, analisa o professor.
Artigo publicado pelo site de noticias internacional A Referência.
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