BRASÍLIA,
DF (FOLHAPRESS) - A política de preços da Petrobras, que deu sustentação ao
mega-aumento anunciado pela companhia no início do mês, tem sido criticada por
integrantes da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), ainda que de forma
reservada devido à sensibilidade do tema.
Embora
busque se distanciar de iniciativas que possam ser vistas como interferência na
estatal, a equipe econômica tem transmitido suas preocupações ao Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica), que tem uma apuração em curso e vai
acelerar o ritmo de investigações sobre a política da companhia.
Integrantes do Ministério da Economia ouvidos pela reportagem reiteram o discurso de que o governo não pode mexer na política de preços da empresa, mas afirmam que o Cade pode tomar alguma atitude para barrar práticas consideradas abusivas.
A
equipe econômica tenta segurar a pressão da ala política do governo por um
subsídio direto para baixar os preços dos combustíveis, medida que ampliaria
gastos, após a União já ter renunciado a R$ 14,9 bilhões em receitas para zerar
alíquotas de PIS/Cofins sobre o diesel.
Diante
do lucro bilionário da Petrobras no ano passado, há uma ala no governo que não
se opõe à ideia de a companhia segurar reajustes que acabam pressionando a
inflação no ano em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) busca a reeleição. A
companhia, porém, resiste a qualquer medida nesse sentido.
É
neste contexto que membros da pasta de Guedes criticam especificamente o fato
de a Petrobras contabilizar custos de importação, apesar de boa parte do
combustível comercializado pela companhia ser refinado no Brasil.
A
metodologia do PPI (preço de paridade de importação) praticada hoje pela
companhia leva em conta a cotação de referência do combustível no mercado
global, o preço do frete para trazê-lo ao Brasil, o seguro da carga e até o
Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), tributo cobrado
sobre a navegação.
A
Petrobras usa a referência internacional porque não consegue atender a toda a
demanda nacional de combustíveis e importa parte do que vende ao mercado
doméstico. Com a disparada do petróleo e a alta do dólar, sobretudo por causa
da guerra da Rússia com a Ucrânia, os preços de combustíveis no Brasil ficaram
ainda mais salgados o que respinga nas pretensões eleitorais de Bolsonaro.
Para
a equipe econômica, a inclusão dos custos de importação encarece os preços
cobrados pela estatal e amplia sua margem de lucro, enquanto os gastos efetivos
da empresa são menores sempre que o produto comercializado é refinado no
Brasil.
Segundo
dados do relatório de produção e vendas da Petrobras, foram importados 118 mil
barris por dia de diesel em 2021, o que seria equivalente a 14,7% da
comercialização total de 801 mil barris por dia do derivado. Na gasolina, as
compras externas somaram 20 mil barris por dia, 4,9% da venda total de 409 mil
por dia.
Para
integrantes do time de Guedes, o mais adequado seria a Petrobras considerar
preços FOB ('free on board', livre de custos de frete ou seguro) no cálculo de
quanto cobrar internamente, pois essa seria a remuneração obtida caso a
petrolífera exportasse seu combustível.
No
Cade, existe o entendimento de que o órgão antitruste, assim como o governo,
não pode e não vai interferir nos preços cobrados pela empresa. No inquérito
administrativo aberto em janeiro, porém, o órgão analisa se a empresa exerce
abuso de poder dominante que possibilite a ela manter os valores praticados.
São
mencionados como possíveis atos da empresa a restrição de acesso a meios de
transporte, subsídios cruzados em vendas, e estratégias para evitar que o
produto seja vendido para determinadas companhias.
O
Cade tem cobrado explicações da Petrobras, que tem respondido. O órgão
antitruste também está acelerando as investigações e deve ouvir outros órgãos e
empresas interessadas no assunto.
Apesar
do ritmo, o inquérito não deve ter um desfecho antes de ao menos quatro meses.
Se a conclusão for que a Petrobras abusa de seu poder dominante, o Cade pode
aplicar uma multa e determinar que a empresa abandone uma lista de práticas que
eventualmente sejam consideradas nocivas para a concorrência.
No
inquérito, o Cade também menciona a "elevada lucratividade" da
Petrobras. Em 2021, a empresa bateu recorde na distribuição de dividendos, com
o anúncio de R$ 63,4 bilhões como retorno pelo lucro de R$ 75,1 bilhões
acumulado no primeiro semestre.
No
ano todo, o lucro foi de R$ 106,6 bilhões. O elevado retorno e pagamento de
dividendos a acionistas em meio à escalada dos preços aos consumidores tem sido
alvo de críticas da oposição e até de aliados do governo.
Nesse
contexto, circula dentro da equipe econômica um artigo publicado no site da
agência epbr, especializada em energia, por Ricardo Gomide, especialista em
políticas públicas que atuou por 18 anos no Ministério de Minas e Energia e foi
coordenador-geral de biodiesel e outros biocombustíveis.
Gomide
sugere em seu artigo que a Petrobras tem segurado propositalmente a produção em
suas refinarias para forçar maior importação de combustíveis. Com isso, a
companhia impulsionaria os preços de acordo com o PPI e ampliaria sua margem de
lucro.
Quanto
maior é a demanda por importação, maior tende a ser o preço final segundo o
PPI, pois há necessidade de buscar maiores quantidades de combustível no
exterior e, muitas vezes, novos mercados vendedores. Como as opções mais
baratas costumam se esgotar antes, o custo de importar uma unidade a mais de
combustível tende a ser crescente.
No
texto, o técnico cita dados da ANP (Agência Nacional de Petróleo) para mostrar
que a capacidade de refino no Brasil aumentou 14,5% entre 2012 e 2021, boa
parte explicada pelo início das operações da refinaria Abreu e Lima, em
Pernambuco. No mesmo período, o volume diário de petróleo processado caiu 5,9%.
Como
resultado, a taxa de utilização das refinarias brasileiras, que era de 92% em
2012, caiu a 75% em 2021, sustenta o artigo.
No
mesmo período, houve aumento da importação de gasolina e adoção do PPI pela
Petrobras. A alta nas receitas da companhia lhe permitiu reverter prejuízos
registrados no auge das investigações da Operação Lava Jato e reduzir o
endividamento.
O
técnico faz a ressalva de que cada refinaria produz certos tipos de derivados,
o que dificulta operar a 100% da capacidade total. Ainda assim, ele vê espaço
para ampliação da produção.
"A
verdade inconveniente é o duro efeito do controle da ociosidade do refino sobre
todos os preços dos combustíveis produzidos internamente. Em um mercado pouco
competitivo, onde um único agente concentra a capacidade de refino de um país,
pode ser uma estratégia bastante oportuna operar com ociosidade, na visão desse
agente, em detrimento da sociedade como um todo", diz Gomide no artigo.
Para
integrantes da equipe econômica, o texto apresenta indícios sérios de que a
companhia, como principal ator no mercado de combustíveis, pode estar
manipulando sua produção de forma a manter o Brasil como importador líquido de
derivados de petróleo. A prática lhe permitiria manter preços e margem de lucro
maiores, além de garantir a manutenção da operação de outros importadores.
O
artigo deflagrou uma resposta pública do diretor de Refino e Gás Natural da
Petrobras, Rodrigo Costa. Em seu texto, Costa nega haver ociosidade de produção
quando considerada a necessidade de se atender a determinadas condições entre
elas segurança e rentabilidade.
"As
refinarias da empresa já estão operando em sua capacidade máxima, considerando
as condições adequadas de produção, segurança, rentabilidade e logística.
Portanto, é falso dizer que existe ociosidade do refino ou que a Petrobras está
reduzindo deliberadamente sua produção de derivados", afirma.
"A
empresa está, na verdade, produzindo o máximo possível dentro de condições
seguras, sustentáveis e econômicas e investindo para ampliar sua capacidade de
refino nos próximos anos", acrescenta Silva.
No
mais recente relatório de produção e vendas da Petrobras, a companhia informa
que o fator de utilização do seu parque de refino ficou em 83% na média de
2021, ante 80% em 2020.
Adicionalmente,
a companhia também defendeu, em nota à reportagem, o PPI como metodologia mais
adequada, uma vez que o Brasil é importador líquido de combustíveis. Segundo a
Petrobras, os preços de gasolina e diesel buscam equilíbrio com o mercado
internacional, mas sem repassar a volatilidade externa.
"Essa condição é fundamental para que o mercado brasileiro continue sendo suprido, sem riscos de desabastecimento", diz.
ENTENDA
AS CRÍTICAS À POLÍTICA DE PREÇOS DA PETROBRAS
1
- Como é a política de preços da Petrobras?
A
metodologia do PPI (preço de paridade de importação) leva em conta a cotação de
referência do combustível no mercado global, o preço do frete para trazê-lo ao
Brasil, o seguro da carga e até tributo cobrado sobre a navegação.
2
- Quais são as críticas do Ministério da Economia?
A
incorporação de custos de importação, enquanto boa parte da oferta de
combustíveis da Petrobras vem de refinarias no Brasil
3
- Do que trata a investigação no Cade?
Possível
abuso de poder dominante no mercado de combustíveis. São citadas a política de
preços da estatal, a restrição de acesso a meios de transporte e subsídios
cruzados em vendas e estratégias para evitar que o produto seja vendido para
determinadas companhias.
4
- O que a equipe econômica espera com o processo do Cade?
Que
o Cade apure e alerte a companhia sobre eventuais abusos. O órgão antitruste
vai acelerar as investigações, mas ainda assim um resultado não deve sair antes
de quatro meses.
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