Artigo
analisa como a debandada de empresas ocidentais impacta na vida dos russos e os
leva de volta ao tempo da União Soviética
Por Andrei Kolesnikov
Caminhando
por Moscou hoje, há um vazio nos lugares pelos quais passei inúmeras vezes ao
longo dos anos. O arranha-céu da Avenida New Arbat, que até a semana passada
abrigava a estação de rádio independente “Eco de Moscou”, está em silêncio.
O McDonald’s na Praça Pushkin está igualmente vazio.
Em
um dos grandes shoppings de Moscou, uma mulher está sentada no chão de uma
perfumaria, juntando todos os produtos disponíveis para ela – de rímel a batom.
É tanto um ato de desespero quanto uma despedida da civilização ocidental que
chegou à Rússia há 30
anos. Agora as pessoas estão percebendo: a economia russa está tão nua quanto
os shoppings esvaziados
de marcas globais.
Nos
últimos anos, a sociedade russa tornou-se uma sociedade de shopping. As pessoas
passam seus fins de semana nesses centros de consumo; indo para lá para
passear, visitar restaurantes, assistir a filmes e, claro, fazer compras. A
Rússia é o paraíso dos consumidores – especialmente após o crescimento
econômico do início dos anos 2000 – graças aos altos preços do petróleo russo e
ao fim do período de transição pós-soviético.
Nestes
tempos de boom, o consenso geral entre as classes médias das grandes cidades
tem sido “sim, temos um líder autoritário, mas por
que precisamos de democracia?“. Os russos, ao que parece, estavam indo
muito bem sem democracia – aprendemos que tipos de vinhos gostamos de beber,
somos exigentes com carros e resorts de férias no exterior. Desde a queda da
União Soviética, empresas estrangeiras, marcas, tecnologia, peças e parceiros
aumentaram o emprego e expandiram as competências. Ainda estamos sozinhos –
política e militarmente – mas no estilo de vida não somos diferentes dos
ocidentais.
Ao
longo dos anos, o McDonald’s tornou-se, aos olhos dos russos, associado a
jovens e gerentes de baixo escalão. Há muito seu simbolismo estava esquecido –
do mundo ocidental chegando à URSS. O primeiro McDonald’s na Rússia abriu em
Moscou em janeiro de 1990, mais de um ano antes do colapso da União Soviética
em dezembro de 1991. Quando o McDonald’s fechou na última semana, sinalizou o
fim do Ocidente na Rússia autoritária. Os dias de nosso alegre consumo global
haviam acabado e apontavam para outros mais sombrios à frente.
É
claro que, comparado ao horror
que está acontecendo na Ucrânia, o fechamento de marcas parece
insignificante. Elas são apenas símbolos do colapso econômico na Rússia,
provocado pela invasão – e sanções subsequentes.
E
tudo por causa do autocrata. Na Rússia e além, os sistemas econômicos e sociais
estão entrando em colapso. Talvez com um pouco mais de tempo tivesse crescido
uma geração que pudesse modernizar seriamente a Rússia, mesmo apesar da
presença excessiva do Estado. Agora, esta
geração não está apenas partindo, mas fugindo: para Tbilisi, Yerevan,
Istambul, Tel Aviv e outros lugares.
Não
é apenas uma sensação de que há um desemprego gigantesco se aproximando, há uma
reversão da qualidade de vida. Quem precisa do McDonald’s quando aparentemente
podemos nos alimentar do nosso próprio orgulho e falsa grandeza, com inflação
semanal de 2,2%?
Em
2014, quando a Rússia anexou a Crimeia,
a classe média perdeu seu jamon e parmeggiano por causa das
contra-sanções russas. Mas a Rússia supostamente tornou-se “grande novamente”,
de acordo com o entendimento de Vladimir Putin sobre a situação e a opinião da
maioria dos russos. Em 2022, a chamada “operação militar” da Rússia na Ucrânia, no espaço de duas
semanas, a isolou do mundo civilizado.
E
isso é apenas o começo. A nação sofrerá humilhação quando perceber que não
temos nossos próprios carros, fraldas, comida de bebê e brinquedos porque os
produzimos com base em tecnologia ocidental e materiais importados. Haverá
escassez de medicamentos, por causa da dependência de importações, e talvez até
de necessidades básicas. Não é à toa que os russos correram
para comprar açúcar e cereais.
Mas garantimos a nós mesmos que somos grandes, que todos nos temem e nos
odeiam, e se não tivéssemos atacado preventivamente, haveria tropas da Otan
(Organização do Tratado do Atlântico Norte) na Crimeia e em Donbass. E essa é a
música que muitas pessoas ainda cantam, embora com mais insegurança nos dias de
hoje.
Entre
alguns, há um sentimento de raiva pelo mundo que nos aliena. E em outros casos,
a raiva é direcionada ao líder que nos colocou nessa posição. Pessoas
conscientes vão às ruas. Mas não há muitos protestos, principalmente porque
são brutalmente reprimidos.
“Mas
era assim que você vivia sob a União Soviética”, meu amigo, um cientista
político da Armênia, comentou comigo recentemente. Não foi assim. Naquela
época, não conhecíamos outra vida. Vivemos 30 anos após o colapso da União
Soviética, mas agora não estamos avançando em direção a um mercado normal como
na década de 1990, mas de volta a uma economia e modo de vida primitivos. É uma
viagem no tempo. Tudo pelo que lutamos uma vez perdemos da noite para o dia. E,
a propósito, a União Soviética competiu em eventos
esportivos sob sua própria bandeira.
A
pior coisa para o membro da intelligentsia russa pós-soviética é alcançar o
ícone de rádio “Eco de Moscou” no computador e encontrá-lo vazio. Assim como
ninguém acreditava que Putin pudesse invadir seriamente a Ucrânia, ninguém
poderia acreditar que a “Eco de Moscou”, essencialmente um símbolo de liberdade
e pertencimento ao mundo como o McDonald’s, que surgiu simultaneamente com ele,
desapareceria.
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
AVISO: Os
comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do
Blog do professor Taciano Medrado. Qualquer reclamação ou
reparação é de inteira responsabilidade do comentador. É vetada a postagem
de conteúdos que violem a lei e/ ou direitos de terceiros. Comentários postados
que não respeitem os critérios podem ser removidos sem prévia notificação.
Postar um comentário