Por Fernando Capez
Em
um dos casos de maior repercussão na mídia nos últimos tempos, o jogador
Robinho foi condenado em sentença transitada em julgado, proferida pela 3ª
Seção Penal do Supremo Tribunal de Cassação de Roma à pena de reclusão de 9
anos e ao pagamento de multa de 60 mil euros, pelo crime de violência sexual em
grupo. Conforme consta, em meados de 2013, o jogador, na companhia de alguns
amigos, no interior de uma boate de Milão, manteve com a vítima inúmeros atos
libidinosos, sem que esta pudesse exteriorizar seu consentimento em razão de
estar desacordada e sob efeito de álcool.
Historicamente,
o crime de estupro sempre foi considerado um dos mais abjetos, endossando os
clássicos dizeres de Magalhães Noronha no sentindo de que, de todos os
delitos carnais é o estupro certamente um dos que mais demonstram a
temibilidade do delinquente[1]. Pelo alto grau de reprovabilidade da
conduta do agente, o Direito Romano punia a violência carnal com a pena de
morte pela Lex Julia de vi publica. A pena capital também era prevista nas
antigas legislações espanholas, tal como a do Fuero Viejo, que com uma “declaración
de enemistad”, outorgava aos parentes da vítima o direito de dar a morte ao
ofensor.[2]
No
Brasil, o crime cometido por Robinho encontra-se definido no artigo 217-A,
§ 1º, c.c. o art. 226, IV, a, do Código Penal como estupro coletivo
de vulnerável: manter conjunção carnal com alguém que, por qualquer causa,
não pode oferecer resistência. A pena será aumentada de 1/3 a 2/3 se
o crime for praticado mediante o concurso de dois ou mais agentes.
Em
função de sua gravidade, nossa legislação reserva tratamento diferenciado ao
crime, considerando-o hediondo (Lei nº 8.072/90, artigo 1º, VI),
sendo insuscetível de anistia, graça, indulto ou fiança (Lei nº 8.072/90,
art. 2º, I e II), com regime inicial fechado (Lei nº 8.072/90,
artigo 2º, § 1º), livramento condicional após 2/3 da pena (CP,
artigo 83, V) e progressão de regime após o cumprimento de 40% da pena se
for primário, 50% se do crime resultar a morte da vítima, 60% se o agente for
reincidente em crime hediondo ou 70% se reincidente em crime hediondo com
resultado morte (LEP, artigo 112, “e”, “f”, “g” e “h”).
Ocorre
que o crime foi cometido em território italiano, ficando submetido ao regramento
jurídico daquele país. No momento do trânsito em julgado da decisão
condenatória, Robinho já se encontrava no Brasil e não poderia mais ser preso,
salvo apresentação espontânea à justiça italiana ou prisão em país estrangeiro
que tenha tratado de extradição com a Itália.
É
importante ressaltar que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, LI,
dispõe que nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em
caso de crime comum, praticado antes de sua naturalização, ou de comprovado
envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da
lei.
Embora
inequívoca a proibição de extradição de brasileiro nato, o Brasil aprovou em
2017, a Lei de Migração (Lei nº 13.445/17), segundo a qual é possível a
transferência da execução da pena de prisão aplicada no estrangeiro para ser
cumprida em território nacional. De acordo com seu artigo 100, a justiça
italiana poderá solicitar a chamada extradição executória, fazendo com que
Robinho cumpra a pena de 9 anos em presídio brasileiro. Para tanto, são
necessários os seguintes requisitos: pedido diplomático de transferência da
pena, que o condenado seja nacional ou resida no Brasil, que a sentença tenha
transitado em julgado, que a pena seja de pelo menos um ano de prisão, que o
fato seja crime também no Brasil, e que haja tratado internacional autorizando.
Conforme
se verifica, Robinho não pode ser extraditado para a Itália enquanto permanecer
em território nacional. Se sair do Brasil no entanto, e for a algum país que
tiver tratado de extradição com a Itália, como a justiça italiana emitiu a
difusão vermelha ou red notice[3], poderá ser extraditado para cumprir sua
pena na Itália. Enquanto permanecer no Brasil, a alternativa seria a aplicação
da Lei de Migração (Lei n. 13.445/2017), uma vez que Robinho é nacional, a
condenação transitou em julgado, o fato também constitui crime no Brasil, a
pena aplicada é superior a 1 ano e, em 17/10/1989, o Brasil celebrou tratado de
cooperação judiciária com a Itália.
Referido
tratado foi ratificado pelo Congresso Nacional em 20/11/1992 pelo Decreto
Legislativo 78/1992 e, em 9 de julho de 1993, foi promulgado pelo Presidente da
República por meio do Decreto 862/1993.
O
tratado de cooperação judiciária está em vigor desde 1 de agosto de 1993. A
princípio, de acordo com o art. 100 da Lei de Migração e diante da existência
de tratado de cooperação judiciária entre Brasil e Itália, a consequência natural
seria a prisão de Robinho para o cumprimento dos 9 anos de reclusão em
território nacional. Ocorre, porém, que o art. 1.3 desse tratado é expresso ao
dizer que a cooperação não compreenderá a execução de medidas restritivas
da liberdade pessoal, nem a execução de condenações. A conclusão é a de que
Robinho não poderá cumprir a pena aplicada pela justiça italiana no Brasil
simplesmente porque o tratado entre Brasil e Itália não admite esta
possibilidade.
Além
disso, parte da doutrina sustenta que a Lei de Migração não se aplica a
brasileiro nato, mas tão somente a estrangeiros e brasileiros naturalizados.
Nesse sentido, segundo Valério Mazzuoli[4], por se tratar de uma lei de migração,
ela somente se aplicaria a migrantes, entendidos estes como estrangeiros e
brasileiros naturalizados, excluindo-se de sua incidência os brasileiros natos.
Embora
não seja esta nossa posição, já que a lei ao empregar a expressão nacionais não
fez qualquer distinção para excluir os brasileiros natos de sua incidência, o
fato é que incida ou não sobre brasileiros natos, a Lei de Migração não será
aplicada ao jogador Robinho, por falta de previsão de transferência da pena de
prisão no tratado de cooperação judiciária Brasil-Itália.
Em
suma, Robinho não poderá ser extraditado para a Itália porque é brasileiro nato
e a pena de prisão aplicada na Itália não poderá ser transferida e executada no
Brasil diante da proibição expressa do tratado de cooperação judiciária
Brasil-Itália.
Por
outro lado, o artigo 9º do Código Penal Brasileiro também não admite
homologação de sentença estrangeira para a execução de pena privativa de
liberdade, mas tão somente de medida de segurança e execução civil do
dano ex delicto. Destaque-se que a competência para tal homologação é do
STJ (CF, artigo 105, I, i).
Robinho,
então, ficará impune? A alternativa que resta será a aplicação do
artigo 7º do CP, que admite a extraterritorialidade da lei penal
brasileira ao estatuir que "ficam sujeitos à lei brasileira, embora
cometidos no estrangeiro..." e elenca as hipóteses.
Uma
das hipóteses de extraterritorialidade é a de brasileiro que comete crime fora
do Brasil, o chamado princípio da personalidade ativa, exatamente a hipótese de
Robinho. O processo terá que ser reaberto no Brasil, submetido aos princípios
da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, retomando-se a
persecução penal desde seu início. Há tempo suficiente para isso, já que o
crime prescreverá somente em 2033, considerando o prazo prescricional de 20
anos, correspondente à pena máxima prevista para o estupro coletivo de
vulnerável (CP, artigo 217-A, § 1º, c.c. artigo 226, IV, a, e
artigo 109, I).
Resta
ainda uma última polêmica: caso o processo se reinicie no Brasil, a competência
será da justiça estadual ou federal? Há duas posições.
Em
um primeiro momento, entendeu o STJ pela competência da justiça estadual[5]. No mesmo sentido, ratificou o STF ao
decidir que "o fato de o delito ter sido cometido por brasileiro no
exterior, por si só, não atrai a competência da justiça federal, porquanto não
teria ofendido bens, serviço ou interesse da União (CF, artigo 109,
IV)" [6].
Posteriormente,
o STF se posicionou em sentido contrário ao invocar a competência da justiça
federal: “em se tratando de cooperação internacional em que o Estado
Brasileiro se compromete a promover o julgamento criminal de indivíduo cuja
extradição é inviável em função de sua nacionalidade, exsurge o interesse da
União, o que atrai a competência da justiça federal para o processamento e
julgamento da ação penal, conforme preceitua o artigo 109, III, da
Constituição Federal”.[7]
Entendemos
que a competência é da justiça estadual, por falta de previsão expressa no
artigo 109 da CF, mas deve prevalecer o entendimento que fixa a competência
federal. Enfim, restam duas conclusões: Robinho não será preso e o Direito, às
vezes, é confuso até mesmo para quem o aplica.
[1] NORONHA, Edgard
Magalhães. Crimes contra os Costumes, 1ª edição, Ed. Saraiva, 1943, p. 11.
[2] NORONHA, Edgard
Magalhães. Crimes contra os Costumes, 1ª edição, Ed. Saraiva, 1943, p. 14.
[3] [3] A
difusão vermelha é uma das ferramentas da Organização Internacional de Polícia
Criminal - INTERPOL para a operacionalização da cooperação policial
internacional e tem a finalidade de localizar um indivíduo para prisão com fim
exclusivo de extradição
[4] [4] Mazzuoli,
Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público– 13. ed. – Rio de
Janeiro: Forense, 2020.
[5] STJ, CC
115.375/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 3ª Seção, julgado em 26/10/2011, DJe
29/02/2012 e STJ, CC 104.342/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 3ª Seção, julgado
em 12/-8/2009
[6] STF, HC
105.461/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, 29.3.2016.
[7] STF - RE:
1270585/MG, DJe 31/08/2020, 1ª Turma, Data de Publicação: 09/09/2020.
Artigo publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico. link
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professortacianomedrado.com
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