A
versão da PEC dos Precatórios aprovada pela Câmara e que tramita atualmente no
Senado pode afetar o pagamento de dívidas da União com aposentados e
professores, entre outros grupos prejudicados pela regra que institui o calote
a dívidas com sentenças judiciais.
Especialistas
também afirmam que pequenos credores terão dificuldade em utilizar as
alternativas para recebimento desses recursos prevista na proposta. Entre elas,
estão quitar débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa, pagar outorga,
comprar imóvel público, ação de estatal e direito de receitas de petróleo.
Também
avaliam que essas opções devem ser uma escolha do credor, e não imposição do
Estado.
Atualmente,
a Constituição dá prioridade ao pagamento de precatórios alimentares, aqueles
decorrentes de decisões da Justiça sobre salários, benefícios previdenciários,
indenizações por morte ou invalidez, por exemplo.
Entre
os alimentares, são considerados prioritários os pagamentos relacionados a
credores com 60 anos ou mais, ou que sejam portadores de doença grave, ou
pessoas com deficiência, até o limite de 180 salários mínimos (cerca de R$ 215
mil em 2022). Estima-se que esse grupo represente entre R$ 12 bilhões em
precatórios no próximo ano.
Os
demais de natureza alimentar somariam R$ 8 bilhões, segundo cálculos da empresa
Mercatório com base em informações do Orçamento e do Ministério da Economia.
Também
chamada de PEC do Calote, a proposta coloca no meio desses dois grupos --após
os alimentares com prioridade e antes dos demais alimentares--, na fila de
preferência, os pagamentos relativos ao Fundef/Fundeb (fundos da área de
educação), parcelados em três anos. Seriam R$ 7,2 bilhões para 2022 (95% do
valor para estados e o restante para municípios). A maior parte, para Bahia,
Pernambuco, Ceará e Amazonas.
No
início do mês, a Câmara aprovou projeto que prevê que recursos de precatórios
de Fundef e Fundeb sigam os mesmos critérios de outros fundos de educação e
sejam usados para pagar salários de profissionais da área.
O
pagamento de qualquer precatório, no entanto, só pode ser feito após
descontadas as dívidas com RPVs (requisições de pequeno valor), de até 60
salários mínimos, uma despesa estimada em pelo menos R$ 20 bilhões no próximo
ano.
O
total pode mudar até o final de 2022, uma vez que essas requisições devem ser
pagas em até 60 dias.
Esses
valores somam R$ 47,2 bilhões, montante superior aos R$ 45 bilhões estimados
para o subteto criado pela PEC para pagamento dessas dívidas no próximo ano. Ou
seja, por essas estimativas, não seria possível pagar todos os precatórios
alimentares, e nenhum precatório não alimentar seria pago em 2022.
O
valor total de dívidas com sentenças judiciais é estimado em R$ 89,1 bilhões no
próximo ano.
"Esse
precatório já expedido e que não entrou [em 2022] vai ser jogado para frente, e
não se sabe quando vai ser pago. Os próprios precatórios de natureza
alimentícia correm o risco de entrar nessa bola de neve. Para os comuns, o
cenário fica pior ainda", afirma Thalles Silva, advogado da área
tributária do Kincaid Mendes Vianna Advogados.
"Isso
se torna uma bola de neve. A gente estima que em 2027 teria algo em torno de R$
500 bilhões para serem pagos em precatórios", afirma Breno Rodrigues,
co-fundador e presidente-executivo da Mercatório.
Segundo
uma gestora de recursos, os valores prioritários e as RPVs podem consumir ainda
mais espaço no Orçamento de 2022, o que prejudicaria o pagamento integral da
primeira parcela do Fundef.
Essa
instituição estima que o parcelamento do recurso para educação, previsto para
acabar em 2024, se estenda até 2029. Isso ocorre porque o volume de RPVs e de
precatórios alimentares têm crescido de forma mais rápida do que a atualização
do limite pela inflação.
Fernando
Zilveti, advogado tributarista e livre docente da USP (Universidade de São
Paulo), classifica a postergação desses pagamentos como uma pedalada fiscal.
Segundo ele, o argumento de que apenas grandes credores serão prejudicados não
é verdadeiro e o calote deve ser amplo.
"Você
está sinalizando um grande calote. Todos os precatórios correm o risco de não
serem pagos", afirma. "Isso vai gerar uma grande judicialização. Quem
puder pagar advogado vai tentar obrigar o governo a pagar. Quem não puder, vai
ficar na fila."
Diego
Cherulli, vice-presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito
Previdenciário), diz que os grandes credores, principalmente pessoas jurídicas,
conseguem usar esses precatórios para compensação de valores com tributos ou
usar uma das opções previstas na PEC, como comprar imóvel público ou direito de
receitas de petróleo. Já os pequenos credores terão como alternativas ficar na
fila ou vender o papel com deságio.
"Quem
vai ter prejuízo são as pessoas que mais precisam, que aguardaram durante anos
para receber sua prestação alimentar. Uma espera sem data", diz.
Cherulli
afirma ainda que muitos tribunais não aplicam o dispositivo da prioridade para
algumas dívidas de natureza alimentar, por falta de regulamentação, o que pode
fazer com que algumas dívidas previdenciárias sejam preteridas em favor do Fundef.
A
Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados divulgou em agosto estudo que
mostra o risco de que as requisições de pequeno valor passem a ocupar todo o
espaço no teto para sentenças judiciais de 2028 até 2036, quando será extinto o
teto de gasto, o que inviabiliza até o pagamento de precatórios a credores
prioritários.
Eduardo
Gouvêa, presidente da Comissão de Precatórios da OAB Nacional, afirma que a
organização da fila de prioridades após 2022 vai criar um caos administrativo
no Judiciário. Um exemplo é a regra que impede a expedição de precatórios
enquanto não estiver definido o tamanho das dívidas do Fundef.
"No
Fundef, criaram uma fila paralela, e as demais expedições dependem dessa fila.
Há a possibilidade de que nenhum juiz possa expedir nada. Tem de ficar
esperando autorização, sei lá de quem, porque não existe um órgão que
centralize isso no Brasil", diz Gouvêa.
"Criaram
uma ordem que acabou transformado a PEC em algo que é inexequível do ponto de
vista prático."
A
comissão apresentou à Câmara algumas das alternativas para uso dos precatórios
incorporadas ao projeto, como compra de imóveis públicos. A ideia era que
fossem opções para recebimento dos valores, como já ocorre em alguns estados e
municípios, e não uma imposição para quem não quer ficar na fila de espera.
A
PEC também prevê que o credor possa receber os valores não pagos ou precatórios
não expedidos com 40% de desconto, em favor do governo. Essa despesa está
prevista para ficar fora do teto dos precatórios.
Reportagem
da Folha mostrou que o deságio na negociação de precatórios federais no setor
privado passou de menos de 20% para até 40% após o governo sinalizar o calote.
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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