Por Fábio Zanini | Folhapress
Comissões
Parlamentares de Inquérito são ricas em depoimentos-bomba, mas nunca houve algo
parecido à fala de quase dez horas do publicitário Duda Mendonça à CPI dos
Correios, em 11 de agosto de 2005.
A
começar pela própria surpresa com a aparição de Duda, morto nesta segunda-feira
(16) aos 77 anos e que pegou aquela comissão desprevenida. Apenas sua sócia,
Zilmar da Silveira, era aguardada, mas o responsável por eleger o então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apareceu querendo ser ouvido.
Ele
havia passado a noite em claro, na sede da Polícia Federal em Salvador (BA),
antes de embarcar de manhã em um jato para Brasília praticamente emendando um
depoimento no outro. O que o extenuado Duda revelou deixou o PT insone durante
muito tempo.
O
marqueteiro disse ter recebido R$ 15,5 milhões do partido (R$ 36,3 milhões em
valores atualizados) sem emitir nota fiscal, por serviços prestados para
diversas campanhas petistas em 2002.
A
revelação já seria explosiva, mas Duda fez dois adendos que a tornaram ainda
mais impactante. O primeiro, que a maior parte desses recursos (R$ 11,9
milhões) foi repassada não pelos canais oficiais do PT, mas por uma figura
estranha ao partido, o publicitário Marcos Valério de Souza.
Como
se não bastasse, R$ 10,5 milhões desse montante haviam sido depositados no
exterior, em uma offshore nas Bahamas. Zilmar, em seu próprio depoimento,
complementou que R$ 300 mil haviam sido recebidos em dinheiro vivo, dentro de
um pacote sacado em uma agência do Banco Rural.
"Esse
dinheiro era claramente de caixa dois, a gente não é bobo. Nós sabíamos, mas
não tínhamos outra opção, queríamos receber", declarou Duda, num dos
pontos mais fortes de seu depoimento.
A
real motivação de Duda para o sincericídio nunca esteve totalmente clara.
Da
boca para a fora, ele dizia que queria tirar um peso das costas e seguir com
sua até ali bem-sucedida carreira de publicitário, que havia conseguido duas
vezes levar à vitória políticos tidos como "inelegíveis": o
ex-prefeito paulistano Paulo Maluf e o próprio Lula.
Nos
bastidores, no entanto, a história contada pelo marqueteiro era mais
pragmática: ele vinha sendo chantageado por Marcos Valério e resolveu se
antecipar antes que a bomba estourasse no seu colo.
As
consequências das revelações de Duda forma múltiplas, sendo algumas
instantâneas e outras de longo prazo.
De
forma imediata, o publicitário apagou as últimas brasas de dúvida que o PT
tentava manter acesas sobre a credibilidade do então deputado federal Roberto
Jefferson, quando revelou ao jornal Folha de S.Paulo o esquema do mensalão.
Era
difícil, afinal, arrumar uma fonte mais fidedigna do que o criador do
"Lulinha paz e amor" da campanha de 2002, embora ele tenha isentado o
presidente de responsabilidade pessoal no caso.
Minutos
depois das declarações do publicitário, alguns deputados federais petistas se
reuniram no plenário da Câmara perplexos. Alguns deles choraram abertamente.
"O
sincericídio do Duda o aliviou na CPI e na Justiça, mas nos chocou e matou
nosso ânimo petista de então", diz Chico Alencar, que aparece numa imagem
na Folha de S.Paulo no dia seguinte chorando. Ele logo deixaria o PT rumo ao
PSOL, junto com outros parlamentares do partido decepcionados com as
revelações.
O
depoimento obrigou Lula a finalmente ir a público se explicar, o que ele fez no
dia seguinte, no início de uma reunião ministerial de emergência. "Eu não
tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir
desculpas", afirmou o então presidente.
O
mea culpa hoje pode parecer extraordinário, mas à época foi considerado tímido,
inclusive por aliados. O então presidente do PT, Tarso Genro, chamou-o de
"insuficiente".
Pela
primeira vez, Lula parecia vulnerável a ponto de a discussão sobre a abertura
de um processo de impeachment se tornar não uma questão de "se", mas
de "quando".
Mesmo
que sobrevivesse no cargo, o petista não teria chance de se reeleger em 2006,
conforme o senso comum da época.
Publicada
no dia seguinte ao depoimento de Duda, embora ainda sem medir seu impacto, uma
pesquisa Datafolha apontou pela primeira vez derrota dele em segundo turno para
o tucano José Serra (PSDB), por 48% a 39%.
Mas,
nos dias seguinte, a oposição vacilaria em levar adiante o impeachment, temendo
a reação das bases petistas, o que acabou dando fôlego para o presidente se
recuperar.
O
erro político naquele momento hoje colabora para que os adversários de Jair
Bolsonaro insistam em levar adiante um processo de afastamento contra o
presidente, outro legado, ainda que indireto, da fala de Duda.
Mas
a maior consequência de longo prazo foi sem dúvida a mudança definitiva da
imagem do PT, para ser considerado um partido "normal", ao menos no
quesito corrupção.
Curiosamente,
o próprio marqueteiro havia colaborado para que a legenda se apresentasse como
paladina neste campo, numa famosa propaganda de TV do PT em que ratos roíam a
bandeira brasileira.
Após
Duda, dirigentes petistas caíram em desgraça, e a eclosão do petrolão, uma
década mais tarde, foi largamente vista como um desdobramento natural do
mensalão. No meio do caminho, houve outros escândalos, como os que derrubaram o
então todo-poderoso da economia, Antônio Palocci
Dali
por diante, o PT sempre teve dificuldade para fazer da honestidade um item
principal de campanha, como vinha repetindo desde sua fundação, em 1980.
"Prefiro
dizer o que sei e ir dormir. Hoje eu vou dormir", afirmou o publicitário,
em determinado momento de seu longo testemunho, dizendo-se mais leve. Já o PT
segue tendo pesadelos até hoje, 16 anos depois.
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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