Por: Gabriel Vasconcelos
O Brasil segue formando poucos matemáticos no
momento em que a necessidade por esses profissionais cresce em todo o mundo. A
demanda vem na esteira de tecnologias cada vez mais dependentes de modelos
complexos ou de tratamento massivo de dados. Entre as causas do déficit de
profissionais, matemáticos de renome citam a falta de políticas públicas aderentes
às necessidade econômicas, o subfinancimento da pesquisa científica e equívocos
no ensino básico a crianças e adolescentes.
O Censo da Educação Superior, divulgado este
ano pelo Ministério da Educação (MEC), apontou que nos últimos oito anos o
Brasil manteve média próxima a 2 ingressantes e apenas 0,7 concluintes a cada
10 mil habitantes nos cursos superiores de ciências naturais, matemática e
estatística. Os números marcam essas carreiras como as menos procuradas entre
as 10 áreas consideradas pelo MEC. Nos países da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a quantidade de matriculados nessas
carreiras a cada ano é o dobro da média brasileira e o número de formados é
mais do que quatro vezes maior, 2,7 a cada 10 mil pessoas.
Professor dos cursos de Matemática Aplicada e
Engenharia Matemática na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Flávio
Dickstein afirma que as novas aplicações da matemática vieram para ficar. “É
muito mais abrangente do que se pode pensar num primeiro momento. Eventos como
a pandemia mostram isso. Matemáticos e engenheiros de computação oram tão
requisitados quanto epidemiologistas para tratar dados e modelar o fenômeno”,
afirma.
Dickstein cita a estimativa do governo dos
Estados Unidos, em seu Guia de Perspectivas Ocupacionais, na tradução para o
português, de crescimento de 33% na demanda por matemáticos e estatísticos até
2026. No Brasil, pela dinâmica da economia, a demanda pode ser menor, mas ainda
assim será relevante, diz ele. Um estudo da Associação Brasileira das Empresas
de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) aponta que, até 2024, a
demanda por profissionais de tecnologia no país será de 70 mil ao ano, enquanto
o número de formados na área até lá deve girar em torno de 46 mil.
Marcelo Viana, do Impa, diz que Brasil não dá a mesma atenção à falta de novos matemáticos como outros países — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Segundo o presidente do Instituto de Matemática
Pura e Aplicada (Impa), Marcelo Viana, a matemática sempre teve papel decisivo
na criação de novas tecnologias, mas isso tem se intensificado “de forma
exponencial” nos últimos anos. “Governos e empresas em todo o mundo têm
demonstrado atenção a este fenômeno, mas, no Brasil, isso está passando um pouco
despercebido”, diz .
Na falta de estudos sobre a realidade
brasileira, Viana cita levantamento da consultoria Deloitte, apontando que,
ainda no início dessa década, em países desenvolvidos como o Reino Unido, 10% a
11% dos empregos já se concentravam em profissões com forte teor matemático e
que essas atividades contribuíam com até 16% do Produto Interno Bruto desses Bruto
desses países. Aplicadas estas conclusões à realidade brasileira, as chamadas
atividades matemáticas movimentariam perto de R$ 1 trilhão todos os anos. “Não tenha
dúvida de que esses números cresceram desde então”, afirma Viana.
“A tragédia é que a matemática é quase
invisível ao passo que está cada vez mais onipresente”, afirma o estudioso.
Como exemplos, cita a migração contínua da atividade econômica para o mundo
digital, apoiada em matemática, ou o desenvolvimento das diferentes gerações de
aparelhos celulares cada vez mais modernos. “No tempo da televisão analógica, a
matemática envolvida era relativamente pequena, mas, hoje, se você está
assistindo futebol, a qualidade da imagem é resultado de uma modelagem super
sofisticada que ajusta a resolução das partes mais importantes da transmissão
em tempo real”, exemplifica o presidente do Impa. A longa lista de exemplos
abarca aplicações tradicionais, como as das indústrias aeroespacial e
automobilística, até casos mais recentes, como os modelos capazes de predizer a
eficácia de medicamentos na indústria farmacêutica.
Todos os matemáticos ouvidos pelo Valor afirmam
que o desenvolvimento e gestão dos modelos por trás de tecnologias de ponta
exigem a formação de mestres e, principalmente, doutores em matemática
aplicada. Mas o número de pesquisadores desse nível no Brasil ainda é pequeno
na comparação com outros países. “Hoje o Brasil forma, em média, 200 doutores por ano na áreas de matemática e estatística,
dos quais algo em torno de 16 saem do Impa. Esse número é oito vezes inferior
ao dos Estados Unidos e de duas a três vezes menor que a capacidade de formação
na França. É um calcanhar de aquiles com sérias repercussões econômicas”, diz
Viana.
Dickstein, da UFRJ, afirma que o problema se
torna mais grave pelo fato de mais da metade desses doutores desenvolverem
pesquisas de matemática pura, com pouco contato imediato com o mercado. “Isso é
fundamental, mas ambas [pesquisa matemática pura e aplicada] ainda precisam se
multiplicar e muito”. Dickstein lembra que, em 2018, o desempenho dos
pesquisadores brasileiros na matemática levou a União Matemática Internacional
(IMU, na sigla em inglês) a incluir o Brasil no restrito Grupo 5, o conjunto
dos 11 países mais desenvolvidos na pesquisa científica da área. Esse reconhecimento,
porém, diz mais sobre a qualidade da pesquisa do que a quantidade e
aplicabilidade.
Sobre uma solução para o déficit de
pesquisadores e profissionais de mercado ligados à matemática, Dickstein é
direto: “antes de pensar em formar mais, é preciso parar de cortar, preservar o
que já existe”. O professor lembra que a dotação orçamentária da UFRJ vem
caindo continuamente há nove anos, desde 2012, quando atingiu o pico de R$
735,4 milhões. Para 2021, estariam previstos menos da metade desse valor, R$
310,5 milhões, sendo que a comunidade acadêmica ainda teme um corte linear
superior a 15% no orçamento da pesquisa de todo o país. “Isso compromete muito
a formação de novos pesquisadores. As bolsas são reduzidas e os laboratórios
vazios. O resultado é uma fuga de cérebros contínua e sem precedentes, que já
vem há alguns anos”, reclama.
Vianna concorda e aponta a má formação de base
dos alunos, o que limita a qualidade e a oferta de graduandos para os programas
de pesquisa. “A procura pela área já é baixa e todos sabemos que há um vilão da
evasão dos cursos de graduação chamado cálculo”, diz. De fato, resultados do
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), mostra que 70% dos
jovens brasileiros na faixa dos 15 anos não dominam a matemática básica, o que,
além de ser um problema em si, é encarado como grave desestímulo à carreira.
Quando conseguem acessar a universidade, muitos estudantes não acompanham as
disciplinas engrossando as taxas de evasão.
Com informações da Revista Valor Econômico/Carreiras
Para ler outras
matérias acesse, www: professortacianomedrado.com
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