Da: Redação
Prof.
Taciano Medrado
Com mais
de 30 anos de profissão, o ginecologista Olímpio Barbosa de Morais Filho,
diretor do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), da
Universidade de Pernambuco, se surpreendeu ontem com o protesto na porta do
hospital contra a realização do aborto em uma criança de 10 anos, vítima de um
estupro praticado pelo tio. Cerca de 200 pessoas vinculadas a grupos religiosos
conservadores bloquearam as entradas da maternidade e chamavam o médico de
assassino. “Trabalho com mulheres vulneráveis e vítimas de violência sexual há
décadas e nunca passei por situação parecida. Nunca recebi nenhum tipo de
agressão, nem mesmo quando fizemos o aborto de uma criança de 9 anos, grávida
de gêmeos”, afirmou. Nesse caso, ocorrido em 2009, a menina havia sido estuprada
pelo padrasto e o médico foi excomungado pela Igreja Católica.
A criança capixaba estava grávida de 22 semanas e
4 dias. O aborto foi concluído nesta segunda-feira (17) por volta das 10h,
quando o feto foi expulso, após cerca de 15 horas desde o início do
procedimento. Segundo Morais, tudo começou às 17h de domingo, com a aplicação
da medicação específica para provocar a inviabilidade fetal. Mais tarde, a
criança recebeu a medicação para induzir o abortamento. Por ser um processo que
pode ser doloroso em alguns casos, a criança também recebeu medicamentos
para aliviar as dores das cólicas e contrações. Hoje à tarde, a menina será
submetida a uma curetagem, para evitar que qualquer resquício fique dentro do
útero.
“Nessa idade gestacional às vezes a placenta não
sai completamente e pode causar uma hemorragia. Por isso a gente faz a
curetagem, que é essa limpeza do útero para que fique tudo perfeito e ela não
tenha nenhum tipo de problema”, explicou Morais. A criança está bem e deve
receber alta amanhã.
O PROCESSO
Morais contou que recebeu uma ligação da Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo na tarde de sábado perguntando se ele poderia realizar o aborto na criança, já que médicos de lá se recusaram a fazer o procedimento, mesmo com a determinação judicial. Experiente em lidar com situações do tipo e seguindo rigorosamente as diretrizes do Ministério da Saúde, Morais afirmou que assumiria o caso. Ficou combinado então que o procedimento ocorreria no domingo após o almoço.
Ao chegar no hospital por volta das 16h,
Morais encontrou o local cercado, quatro portões bloqueados por manifestantes e
foi impedido de entrar na unidade. Segundo o médico, a intenção do grupo era
impedir a criança de entrar também. “Mas como eu e ela chegamos praticamente ao
mesmo tempo, eles vieram para cima de mim e nesse meio tempo de dispersão, o
carro com a criança conseguiu entrar sem ser percebido”, conta Morais.
Para o médico conseguir entrar no hospital, foi necessário intervenção
policial. “A aglomeração atrapalhou ainda outras gestantes que precisavam de
atendimento, atrapalhou o fluxo de atendimento ecolocou em risco a população
por causa daquele corredor polonês com pessoas sem máscara e gritos ofensivos”,
disse Morais.
Já dentro da unidade de saúde, a criança foi recebidapela equipe
coordenada pela enfermeira Benita Spinelli, que atua no local há 34 anos. A
menina estava acompanhada da avó e de uma assistente social. “Ela estava aparentemente tranquila, carregava duas pelúcias de sapo. Nós a
levamos para dentro e iniciamos o acolhimento da melhor forma possível, para
evitar que ela percebesse o que estava acontecendo”, afirmou a enfermeira.
Segundo Morais, o Cisam funciona desde 1996 e é o
primeiro serviço de referência em saúde da mulher fora do eixo Rio-São Paulo.
Ele diz que mesmo com mais de 30 anos de profissão, não é comum o local receber
casos de gravidez com 10 anos – em geral os casos mais comuns são de mulheres a
partir dos 13 anos. “Trabalhamos com vulneráveis, mas às vezes a violência é
tão grande que a criança nem consegue chegar a pedir ajuda ao sistema de saúde.
Muitas vezes ela morre antes”, afirmou.
Morais disse que não sentiu medo dos
manifestantes, mas ficou decepcionado. “Trabalho com um grupo muito coeso que
compartilha das mesmas ideias. Eu costumo receber elogios da população por
ajudar essas mulheres e não críticas e ofensas. Querer impedir o aborto dessa
criança seria uma forma de violência maior do que o próprio estupro.”
A enfermeira Benita também não esperava que o
caso tomasse tamanha proporção. “Trabalhamos há mais de 30 anos com os direitos
reprodutivos e sexuais das mulheres, mas ontem não havia espaço para o diálogo.
Havia agressividade nas palavras e até a criança foi chamada de assassina, sem
ter culpa nenhuma do que estava acontecendo. Ainda bem que já acabou”.
fonte: G1
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