Foto reprodução internet
Da: Redação
Prof.
Taciano Medrado
Prezado(a)s
Leitore(a)s,
Alvo de críticas pela ausência de um plano
nacional de resposta à epidemia da Covid-19, o Ministério da Saúde aposta agora
em uma mudança nas orientações a pacientes como estratégia para tentar diminuir
a curva de mortes, que já superam a marca de 100 mil vítimas.
A medida, porém, é alvo de polêmica. A
tentativa de trocar a orientação de "fique em casa", indicado para
pacientes com sintomas leves, para o "vá imediatamente ao médico"
começou em julho.
Agora, a ideia é reforçar a mudança em novas
campanhas para diagnóstico precoce e com aumento de centros de triagem na
atenção básica, porta de entrada no SUS.
"É a ideia de que você não deve ficar em casa isolado, sozinho, doente, até sentir falta de ar. Antes falava-se que a melhor maneira de tratar era aquela, e não é que era errado, era a orientação naquele momento", disse à Folha o general Eduardo Pazuello, que chefia a pasta interinamente há 86 dias.
"É a ideia de que você não deve ficar em casa isolado, sozinho, doente, até sentir falta de ar. Antes falava-se que a melhor maneira de tratar era aquela, e não é que era errado, era a orientação naquele momento", disse à Folha o general Eduardo Pazuello, que chefia a pasta interinamente há 86 dias.
"Hoje se descobriu que a melhor maneira de
tratar é buscar o atendimento básico, e o médico diagnosticar, acompanhar o
tratamento e passar os medicamentos que achar que deve passar."
A alteração, no entanto, divide especialistas e
é contestada por ex-gestores do ministério, que veem na proposta um novo aceno
a medicamentos sem eficácia comprovada, caso da cloroquina.
Para o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, a
medida também traz risco de aumentar o contágio. Segundo ele, a orientação da
gestão anterior era que o acompanhamento fosse feito pelo Telesus, por meio do
telefone 136.
"Se fosse necessário mudar a orientação,
eu não tinha problema em fazer. Mas as evidências até hoje não mudaram. A
história natural dessa doença é que 85% registram formas leves, 15% vão
precisar de internação hospitalar e 5% vão para a CTI", afirma.
"O que mudou foi que eles [ministério] passaram a acreditar que as pessoas têm que ir [mais cedo], porque acham que existe o uso precoce da cloroquina. Politizaram isso."
Questionado, Pazuello nega que a mudança tenha relação com a cloroquina, mas diz que a decisão 'cabe ao médico'.
"O que mudou foi que eles [ministério] passaram a acreditar que as pessoas têm que ir [mais cedo], porque acham que existe o uso precoce da cloroquina. Politizaram isso."
Questionado, Pazuello nega que a mudança tenha relação com a cloroquina, mas diz que a decisão 'cabe ao médico'.
A droga, no entanto, teve a oferta ampliada na
sua gestão também para casos leves, na contramão de estudos científicos. A
pasta já distribuiu 5 milhões de comprimidos.
"O ministério disponibiliza na rede, ele não coloca na boca de ninguém", afirma o ministro, que atribui a oferta à solicitação de gestores. Segundo ele, a ideia é aumentar o monitoramento de pacientes e encaminhar casos com sinais de agravamento a unidades de suporte ventilatório antes da UTI.
"O ministério disponibiliza na rede, ele não coloca na boca de ninguém", afirma o ministro, que atribui a oferta à solicitação de gestores. Segundo ele, a ideia é aumentar o monitoramento de pacientes e encaminhar casos com sinais de agravamento a unidades de suporte ventilatório antes da UTI.
Para Carlos Lula, presidente do Conass,
conselho de secretários estaduais de Saúde, a proposta pode ajudar no
acompanhamento de sintomas. Ele refuta, porém, a possibilidade de uso da
cloroquina.
Mesma posição tem Gulnar Azevedo, professora de
epidemiologia da UERJ e presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde
Coletiva), para quem deve haver preparo da rede para evitar transmissão.
"Como não existe tratamento precoce, isso seria para ver se o caso está
agravando e monitorar sintomas", diz.
A mudança nas orientações não é o único ponto de divergência no Ministério da Saúde.
Nos cinco meses entre a confirmação da primeira morte por coronavírus no país, em 16 de março, e a marca de 100 mil mortes, a pasta enfrentou crises com o Planalto, perdeu dois ministros, ficou sem titular, recebeu uma onda de militares, tentou intervir em dados e foi associada a um genocídio por um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Recentemente, secretários de Saúde apontaram avanços no diálogo com a equipe provisória, mas reclamam de atrasos e "solidão" no combate ao maior desafio sanitário do século.
A mudança nas orientações não é o único ponto de divergência no Ministério da Saúde.
Nos cinco meses entre a confirmação da primeira morte por coronavírus no país, em 16 de março, e a marca de 100 mil mortes, a pasta enfrentou crises com o Planalto, perdeu dois ministros, ficou sem titular, recebeu uma onda de militares, tentou intervir em dados e foi associada a um genocídio por um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Recentemente, secretários de Saúde apontaram avanços no diálogo com a equipe provisória, mas reclamam de atrasos e "solidão" no combate ao maior desafio sanitário do século.
"Durante esses meses tivemos uma terrível
crise com o ministério, talvez uma das maiores da história", afirma Carlos
Lula. "Não só pelo ministério, que se omitiu, mas sobretudo pela postura
do presidente, que negou o isolamento."
A situação acabou por paralisar parte das ações inicialmente previstas e levou estados e municípios a terem de tomar decisões e tentar estruturar a rede por conta própria, afirma.
O impasse fica visível no atraso na entrega de itens prometidos para assistência. Em abril, por exemplo, a pasta prometeu fornecer 46 milhões de testes. Até agora, porém, só 13 milhões foram distribuídos. Também prometeu 16 mil respiradores, mas só chegou até agora a 9.189.
A situação acabou por paralisar parte das ações inicialmente previstas e levou estados e municípios a terem de tomar decisões e tentar estruturar a rede por conta própria, afirma.
O impasse fica visível no atraso na entrega de itens prometidos para assistência. Em abril, por exemplo, a pasta prometeu fornecer 46 milhões de testes. Até agora, porém, só 13 milhões foram distribuídos. Também prometeu 16 mil respiradores, mas só chegou até agora a 9.189.
Membros do ministério têm orientado deixar claro
que, embora tenha dado apoio, a pasta não é obrigada a custear equipamentos.
Para Adriano Massuda, professor da FGV, a
medida mostra uma tentativa da pasta de se eximir da responsabilidade na crise
e a falta de um plano nacional contra a Covid-19.
Parte dos problemas ainda está ligada às constantes trocas de gestão. A primeira ocorreu com a saída, em abril, de Mandetta, após embates com Bolsonaro. A segunda, em maio, com Nelson Teich, que ficou menos de um mês no cargo e deixou a pasta por divergências sobre a cloroquina.
Parte dos problemas ainda está ligada às constantes trocas de gestão. A primeira ocorreu com a saída, em abril, de Mandetta, após embates com Bolsonaro. A segunda, em maio, com Nelson Teich, que ficou menos de um mês no cargo e deixou a pasta por divergências sobre a cloroquina.
Desde então, o ministério é comandado de forma
interina por Pazuello, que trouxe consigo outros 25 militares para postos
estratégicos. Inicialmente, o general dizia que ficaria no cargo por apenas
três meses. O governo não tem dado sinais de que vai trocá-lo.
Questionado sobre o alto número de mortes, o ministro disse lamentar o quadro.
"Uma morte é um brasileiro, um pai, irmão, filho, mãe", afirmou. "Precisamos entender que não são números, são pessoas, 100 mil brasileiros que perderam suas vidas."
Segundo o ministro, as ações do SUS "foram dentro do que se podia numa doença nova".
Ainda segundo Pazuello, o SUS se mostrou a "melhor ferramenta" para combater a Covid. "Sem isso, teríamos números muito maiores."
Questionado sobre o alto número de mortes, o ministro disse lamentar o quadro.
"Uma morte é um brasileiro, um pai, irmão, filho, mãe", afirmou. "Precisamos entender que não são números, são pessoas, 100 mil brasileiros que perderam suas vidas."
Segundo o ministro, as ações do SUS "foram dentro do que se podia numa doença nova".
Ainda segundo Pazuello, o SUS se mostrou a "melhor ferramenta" para combater a Covid. "Sem isso, teríamos números muito maiores."
Sobre a crítica dos especialistas, o ministro
diz haver falta de conhecimento do problema. "Eles não têm culpa de não
conhecer e saber o que está acontecendo", afirma ele, que rebate críticas
sobre uma falta de coordenação. O ministro atribui atrasos na oferta de testes
a problemas na oferta de insumos, mas afirma que o quadro já está regularizado
Presidente foi crucial para saldo de mortes,
afirma Mandetta
A atitude do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contrária a medidas inicialmente indicadas pelo Ministério da Saúde, e as interferências feitas por ele na pasta foram fatores que levaram o país a tirar de foco o distanciamento social e chegar a cerca de 100 mil mortes pela Covid-19. A avaliação é do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que deixou o cargo em abril.
A atitude do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contrária a medidas inicialmente indicadas pelo Ministério da Saúde, e as interferências feitas por ele na pasta foram fatores que levaram o país a tirar de foco o distanciamento social e chegar a cerca de 100 mil mortes pela Covid-19. A avaliação é do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que deixou o cargo em abril.
"Houve uma série de fatores, mas o fator
presidente foi preponderante. Ele deu argumento para as pessoas não ficarem em
casa. Ele deu esse exemplo e serviu de passaporte para as pessoas aderirem
politicamente a essa ideia", afirma.
Para Mandetta, o alto número de pessoas na economia informal e a pressão causada pelas eleições municipais também pesaram para uma adesão menor ao isolamento.
"[Prefeitos] veem a popularidade diminuir, e com o contraponto político do presidente, ficam pressionados."
Na visão do ex-ministro, o governo também "abriu mão da ciência" e das ações para controle e "ficou em um debate menor, que é a cloroquina".
Para Mandetta, o alto número de pessoas na economia informal e a pressão causada pelas eleições municipais também pesaram para uma adesão menor ao isolamento.
"[Prefeitos] veem a popularidade diminuir, e com o contraponto político do presidente, ficam pressionados."
Na visão do ex-ministro, o governo também "abriu mão da ciência" e das ações para controle e "ficou em um debate menor, que é a cloroquina".
"Foi uma somatória de fatores, mas
principalmente liderados pela posição do governo, que trocou dois ministros e
botou um terceiro que fez uma ocupação militar sem técnicos na Saúde."
Mandetta, que estava à frente do ministério no
início da estruturação de medidas contra a Covid-19, afirma ter alertado o
Planalto sobre projeções que superavam inclusive o número atual de óbitos.
"O [ex-secretário-executivo João] Gabbardo
falava em 30 a 40 mil [mortes], o Wanderson [Oliveira, ex-secretário de
Vigilância] de 70 a 80 mil e eu falava que era acima de 100 mil mortos, porque
eu contava as por coronavírus e as por colapso caso não se organizasse um
sistema de saúde mais robusto. Apresentei todos esses cenários", afirma
ele. "Mas a impressão que tenho é que literalmente não quiseram ouvir a
gravidade do problema."
À Folha, no início de julho, Wanderson Oliveira
afirmou que a pasta já tinha alertado o governo após um estudo feito com a Opas
(Organização Pan-americana de Saúde) sobre a possibilidade de o país chegar a
100 mil mortes.
Questionado sobre medidas para evitar esse
cenário, Mandetta diz que a estratégia inicial da pasta previa investir no
monitoramento de pacientes por meio da atenção básica e de telemedicina, além
de ampliar a oferta de testes e respiradores em UTIs.
Em relação ao quadro atual, o ex-ministro diz não ter visto gestão. "Vi uma ocupação militar e uma tentativa de não mais fornecer números, o que foi o cartão de visitas deles. Vi fazerem um protocolo de medicamento absurdo. E vi essa sequência de contaminação [pela Covid], até do próprio presidente", afirma, sobre o diagnóstico recebido por Bolsonaro em julho
Em relação ao quadro atual, o ex-ministro diz não ter visto gestão. "Vi uma ocupação militar e uma tentativa de não mais fornecer números, o que foi o cartão de visitas deles. Vi fazerem um protocolo de medicamento absurdo. E vi essa sequência de contaminação [pela Covid], até do próprio presidente", afirma, sobre o diagnóstico recebido por Bolsonaro em julho
"Às vezes [com a doença] a pessoa reflete,
muda a visão, mas ele continuou com a visão de que o problema é da economia, e
caindo de quatro a cinco Boeings todo dia no Brasil", diz, se referindo à
média de mais de mil mortes diárias por Covid-19 no país.
Para Mandetta, o país tem seguido previsões iniciais feitas pela pasta, que apontavam "semanas duras" até o fim de agosto, com chance de queda nos meses seguintes. Ele atribui o cenário, no entanto, à falta de uma adesão maior a medidas como o distanciamento social.
O cenário poderia ser pior, afirma, caso o país tivesse seguido recomendações do presidente, que descartava políticas de distanciamento social
Para Mandetta, o país tem seguido previsões iniciais feitas pela pasta, que apontavam "semanas duras" até o fim de agosto, com chance de queda nos meses seguintes. Ele atribui o cenário, no entanto, à falta de uma adesão maior a medidas como o distanciamento social.
O cenário poderia ser pior, afirma, caso o país tivesse seguido recomendações do presidente, que descartava políticas de distanciamento social
Atualmente, Mandetta finaliza livro que narra
sua jornada no Ministério da Saúde desde o dia em que a China reconheceu o novo
coronavírus até sua saída do cargo.
Para ler outras matérias acesse, www: professortacianomedrado.com
Aviso: Os comentários são de
responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Blog do professor
Taciano Medrado. É vetada a postagem de conteúdos que violem a lei e/ ou
direitos de terceiros. Comentários postados que não respeitem os critérios
podem ser removidos sem prévia notificação.
Postar um comentário