Foto reprodução Google
Ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).
A diminuição das florestas da
Amazônia é tema da mídia nacional e internacional, disputando espaço com a
Covid-19. Notícias desencontradas, acusações, ameaças e protestos são rotina.
Mas, para compreender o que se passa nessa imensa e valiosa área do nosso
território é preciso despir-se de emoções infantilizadas e de radicalismo.
A Amazônia é um mosaico de múltiplos
fatores e interesses. Ela inclui mais sete países, Bolívia, Equador, Colômbia,
Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, que, aos 3 de julho de 1978, celebraram o
Tratado de Cooperação Amazônica, cujos resultados são desconhecidos.
Mas, é no território brasileiro que a
Amazônia ocupa maior espaço, nada menos do que 5.500.000 quilômetros, sendo a
maior floresta tropical do mundo. Sua importância no equilíbrio do meio
ambiente extrapola nossas fronteiras.
Estudos da Agência Espacial
norte-americana, a Nasa, revelam que o aumento do desmatamento e das queimadas
na Amazônia, aliado à alta concentração de gases de efeito estufa, está
tornando a atmosfera sobre a floresta tropical mais seca, fazendo crescer a
demanda por água e deixando os ecossistemas mais vulneráveis aos incêndios e à
própria seca.[ii] Para alguns ele pode ser a causa de seca na Argentina, porque
19% das chuvas que caem anualmente na bacia da Prata, se originam da umidade
gerada pela floresta amazônica e dispersada rumo ao sul.
A favor do Brasil milita um fato
pouco conhecido. O artigo 12, inciso I, “a”, do nosso Código Florestal, exige
que cada propriedade rural da Amazônia mantenha intocada 80% da área, a título
de reserva legal. Nada semelhante existe nas propriedades rurais da Europa ou
dos Estados Unidos, nem em percentuais menores como 10 ou 20%.
Mas então, se assim é, de onde vem
tanto desmatamento, queimadas, depredação? Vem das dificuldades ou da falta de
fiscalização. Na região amazônica as distâncias são enormes, a maior parte do
transporte é feito por barcos e a densidade populacional é pequena.
E não é só isto. Há outros fatores,
de regra desconhecidos.
Muitas vezes a população local não dá
apoio à ação do poder público, porque se beneficia da extração ilegal de madeira
ou de outra prática ilícita. O dinheiro movimenta a economia da cidade e quando
o órgão ambiental põe fim a tais atividades, ele desaparece. Isto não deixa os
moradores locais felizes.
Outras vezes são ardis que se fazem
para dificultar as operações. Por exemplo, promove-se o desmatamento mas se
deixam algumas árvores com a copa intacta. Os satélites que cobrem a região,
filmando ou tirando fotos, não constatam nenhum desmate e assim o corte
continua.
Ainda, os quadros dos órgãos
ambientais estão aquém do mínimo para a importante missão que lhes cabe. No
Ibama, segundo consta, em 2019 o órgão solicitou 2.054 vagas, sendo 847 para
técnico administrativo, 313 para analista administrativo e 894 para analista
ambiental, porém o pedido não foi autorizado.O concurso aberto neste ano
para contratar funcionário temporários em situações de emergência foi suspenso.
No órgão estadual amazonense, Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas
(Ipaam), o site de transparência revela a existência de pouco mais de 200 funcionários[v],
número insuficiente que mal deve dar para atender a capital, Manaus.
O resultado desta soma de fatores é
de todos conhecido. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),
a Amazônia tem o 14º mês seguido de alta de desmatamento sendo que só no mês de
junho mais de 1.000 quilômetros quadrados foram destruídos.[vi] Enquanto isto,
o garimpo ilegal de ouro segue movimentando cifras vultuosas. Em Roraima,[vii]
reportagem da BBC revelou que o ouro se tornou o segundo produto mais exportado
pelo estado, muito embora, nele, não se registrasse nenhuma mina operando
legalmente.
Em meio a fatos de tal gravidade,
passa despercebida a exportação de peixes de decoração em aquários. A Polícia
Federal, em 27 de janeiro de 2019, noticiou a apreensão de aproximadamente 10
mil alevinos acondicionados em sacos plásticos, que seriam levados até a
Colômbia em uma embarcação.[viii] Da mesma forma, o avanço de plantações de
maconha no Pará, originando desmatamentos ilegais, agora com a presença da organização
criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Pois bem, a maior parte desses fatos
nunca foi ignorada pela população brasileira. Só que, a eles, vem agora
somar-se duas novas formas de pressão: a internacional e a nacional, esta
decorrente da primeira.
A pressão internacional foi bem retratada por José
Renato Nalini:
“O Instituto Europeu de Administração
(Insead) liderou movimento de mais de trinta empresas que oficiaram a oito
embaixadas brasileiras um ultimatum: ou se adere a uma clara mudança
de rumo – não de discurso – ou eles vão deixar de investir no Brasil. Outros
230 fundos de investimento já haviam advertido o governo brasileiro de que as
queimadas na Amazônia prejudicam a humanidade e não é uma questão de soberania
brasileira.”
Por sua vez, o empresariado
brasileiro pediu providências ao vice-presidente da República e presidente do
Conselho Nacional da Amazônia Legal, general Hamilton Mourão, no sentido de que
se combata o desmate na Amazônia, porque paira sério risco de fuga de
investidores estrangeiros no Brasil. Na mesma linha os presidentes dos
poderosos Banco Itaú e Bradesco. Ex-ministros da Fazenda, com a
experiência do cargo que exerceram, prometem uma carta conjunta em defesa de
uma recuperação econômica verde.
A multiplicidade de manifestações a
favor da Amazônia começa a gerar resultados. O vice-presidente Hamilton Mourão,
no dia 13 passado, reconheceu que o desmatamento da Amazônia está além do
limite aceitável.O ministro do Meio Ambiente alterou sua posição e em
entrevista se disse disposto a dialogar com as empresas brasileiras e
investidores externos para buscar soluções conjuntas para a questão
ambiental.[xv]
O presidente da República, dia 16
passado, publicou o Decreto 10.424, proibindo queimadas por 120 dias.
Em suma, este é o complexo mosaico
que envolve a questão ambiental na Amazônia, com facetas várias, tal qual uma
hidra com várias cabeças. Inclusive a possibilidade do sucesso do agronegócio
brasileiro causar incômodo na Europa e nos Estados Unidos, valendo aqui lembrar
o lúcido pronunciamento da Ministra da Agricultura, para quem o agronegócio não
precisa da Amazônia.
Porém, é certo que os problemas
existem e exigem solução. Mais do que nunca é preciso que seja tomada uma
posição radical na defesa do meio ambiente. Entre outras medidas: a) o
fortalecimento dos órgãos de proteção ambiental, inclusive a Polícia Federal,
apesar da crise econômica; b) operações conjuntas de repressão dos órgãos
federais e estaduais, porém levando junto cidadania às populações carentes (p.
ex., emissão de documentos, regularização de títulos de propriedade e concessão
de direitos previdenciários); c) apoio das Forças Armadas, cuja papel na
Amazônia é de enorme relevância; d) utilização de financiamentos postos por
fundos internacionais à nossa disposição; e) melhorar a nossa imagem externa,
algo absolutamente necessário e que pode ser feito com facilidade.
Por óbvio, não são fáceis os desafios
na proteção do meio ambiente, mas o Brasil é mais forte. É preciso mudar, muito
embora sem abrir mão da nossa soberania e da condução da política ambiental na
Amazônia. Venceremos.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
Para ler outras matérias acesse, www: professortacianomedrado.com
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