ARTIGO - O CRISTÃO E SUA RELAÇÃO NEÓFITA COM A POLÍTICA


Pastor Ronaldo Bitencourt
ARTIGO

O CRISTÃO E SUA RELAÇÃO NEÓFITA COM A POLÍTICA


É inegável que grande parte da ala cristã, sobretudo a evangélica, ainda parece ser neófita ou insipiente em sua relação com a política. Muitos ainda não sabem se comportar dentro ou mesmo fora dela e isso já deveria ter mudado há tempos. Sabemos que desde o Edito de Milão (313 d.C.), no Concílio de Nicéia, quando Constantino concedeu “liberdade” ao cristianismo, uma espécie de ‘proto-laicismo’, o poder político começou a influenciar e ser influenciado pelos cristãos. Nos anos seguintes, houve certa cristianização forçada de uma nação pagã pelo domínio dos meios políticos, numa espécie de evangelização imposta “sem sincera conversão a Cristo e a cruz”, é fato que isso nunca produziu a plena justiça de Deus no âmbito sociopolítico e ainda hoje experimentamos os resquícios funestos dessa mentalidade retrograda e contraproducente. 


Nos dias hodiernos sofremos, a cada biênio, a inércia política nos interregnos dos sufrágios, somado a incompetência dos maus intencionados políticos provocando os conhecidos atrasos na execução de projetos, paralisando as instâncias governamentais, que já não andam bem das pernas.

 

E infelizmente o que temos testemunhado nos últimos tempos, é que os valores de alguns que se dizem cristãos, parecem não resistirem à sedução de um confortável lugar de reconhecimento político na sociedade. Facilmente se apetecem das promessas fantasiosas que grupos partidários se encarregam de oferecer. E as tantas somos surpreendidos com fatos lúgubres, compromissos, alianças e mancomunações macabras que não raramente maculam a imagem (já não tão boa) de alguns líderes e representantes cristãos. 


A espiritualidade que um dia vociferantemente defendia não se mostra capaz de superar as tentações resistíveis. A carne fica mais fraca quando o espirito não está pronto. Muitos se esquecem de que os governos humanos e os poderes invisíveis são sempre passageiros e “O que começa um pleito parece justo, até que vem outro e o examina” (Provérbios 18.17). 


Apesar disso, é verdade que um cristão autêntico NÃO DEVE SER APOLÍTICO, mas deve ser coerente com a realidade social onde vive. Não deve advogar um “NÃO-ENVOLVIMENTO”, isso seria cometer a tolice da ‘omissão’ que muitos líderes religiosos do passado cometeram e provocaram a ignorância que ainda hoje estorva a consciência cristã. 


Ainda vemos os frutos do comportamento político omisso que, mesmo em nome de ‘não se misturar’ (ficar só orando), quando findam eles mesmos escolhendo ‘figurões’ em cujos os pés vão recorrer para pedir, ou ficam amaldiçoando-os, pleito pós pleito. Dar a impressão que estes cristãos omissos estão esperando que os anjos ou seres extraterrestres ‘desçam ou subam’ de algum lugar para agir no meio sociopolítico. Se as pessoas de bem não se envolvem, restará quem se envolver? A omissão acaba contribuindo para consolidar o poder político de ‘espinheiros’, que inevitavelmente governarão no lugar das omissas ‘oliveiras, figueiras e videiras’ (Jz 9.7-16).

 

Contudo, sabemos que defender ou participar politicamente dos pleitos eletivos, é realmente um grande desafio. E muitos ao fazerem não permanecem fiéis ao chamado profético de serem luzes em meio a escuridão; serem sal que saliniza e impede a putrefação. Muitos são influenciados quando deveriam estes influenciar com uma justiça social equânime, atuando como arautos dos princípios cristãos, em vez de serem comprados, vendidos e amordaçados por sujeitos inescrupulosos. Cristão que se preza e se respeita pauta sua postura de maneira coerente. 


E com a mesma coragem que tem para ‘anunciar’ o evangelho deveria ter para ‘denunciar’ ações políticas nefandas, sem também cometer injustiças, claro! Há ainda àqueles que matam e morrem em defesa do que é indefensável. Protegendo e favorecendo os ímpios com suas impiedades. Um provérbio latino diz: “bonis nocet, qui malis parcit” (Ofende os bons, quem poupa os maus).

 

E a Bíblia diz em Isaías 26.10: “Ainda que se mostre favor ao ímpio, ele não aprende a justiça; até na terra da retidão ele pratica a iniquidade...”, e ainda em Provérbios 17.15: “O que justifica o ímpio, e o que condena o justo, são abomináveis ao Senhor, tanto um como o outro”. Melhor que ser um ‘político cristão’, é ser um ‘cristão político’, preocupado com o bem-estar dos seus semelhantes. Há tempos criou-se uma “cultura” de que Igreja e pastores nada têm a ver com a Política e que o cristão não deve se envolver com governos, sustentam alguns desavisados e ignorantes bíblicos.

 

Diz o jargão: “Política e religião não se misturam”, até certo ponto isso é verdade, no sentido que as ações litúrgicas de uma, não devem sofrer interferências da outra no seu âmbito funcional. É doentio tanto usar palanques para evocar o nome de Deus como ‘cabo eleitoral’, sob a ‘bênção’ de igrejas e líderes, como também usar púlpitos para encabrestar votos, criando um clima do ‘nós contra eles’ dentro dos apriscos. Há o extremo dos que defendem a velha maneira de fazer política ímpia, mas agora com uma ‘roupagem gospel’, de barganhas e benesses para as suas igrejas ‘peg-e-pag’, tornando-se igualmente marionetes nas cordas de promessas, amarrando mãos e pés aos caprichos dos grupos políticos da vez. Há aqueles, ainda, que querem eleger candidatos cristãos achando que estes devem pleitear ou favorecer apenas seus nichos eleitorais, o que caracteriza ‘quadrilha’ também, e mais injustiças.

 

De fato, entendo que igreja, como entidade, deve manter-se APARTIDÁRIA, mas não deve ser APOLÍTICA, (anti-política). Na Bíblia vemos inúmeros exemplos de personagens políticos e suas posturas nos ensinam como nos comportar em face aos governos. Entre os tais figuram: José, que foi governador do Egito (Gn 50.19-21); Éster e Mardoqueu, foram ligados ao governo da Pérsia, do Rei Assuero (Et 4.1,7-9;5.1; 7 e 8); Daniel, foi governador na gestão de Nabucodonosor, sendo um bom exemplo juntos aos seus companheiros que permaneceram fiéis a Deus e não se contaminaram para se manterem diante do Rei (Dn. 1.3-5); Neemias, que foi o copeiro-mor do Rei Artaxerxes (Ne 1.11) e grande legislador de Israel. 


E tantos outros casos similares de juízes e sacerdotes que souberam se portar convenientemente em suas funções religiosas e sociopolíticas. O cristão deve ser um incansável defensor da boa política, na ótica de um Governo Justo que vislumbre a expressão profética da Igreja em acordo com o clamor da sociedade por políticos decentes, ordeiros, éticos e honestos, ainda que não sejam cristãos praticantes. Deus se utiliza também de políticos não-cristãos, que talvez nem conheçam a verdade bíblica, como fez com o Rei Ciro da Pérsia para cumprir Seu plano em favor do povo. Aliás, a Bíblia diz que nenhuma autoridade é constituída sem a permissão de Deus (Romanos 13) e que, os mesmos são constituídos por DEUS para o bem do povo. Mas ‘ai’ daqueles ‘corruptos’ e ‘corruptores’, pois não passarão despercebidos aos olhos atentos do Senhor da história.

 

O papel da igreja e do cristão autêntico é educar a todos a participarem dos pleitos políticos como cidadãos legítimos que são. Como já disse certo pensador, e contribuir, “PARA QUE O PROCESSO ELEITORAL NÃO CONTINUE SENDO MARGEADO PELA ESPERTEZA DOS ÍMPIOS E GANÂNCIA DOS PODEROSOS, O CONTINUÍSMO DOS MESMOS, OS SOFISMAS DOS ESPERTOS E A TOLA SUBMISSÃO DOS DESAVISADOS.

 

A manutenção de tais mazelas sociais resulta numa sociedade em desagregação, que tolera coisas intoleráveis. Os cristãos precisam entender que o Estado e os governos devem ser e permanecer ‘laicos’, não podem e nem devem interferir nas questões de religião, mas os cristãos podem ser governo, agentes éticos para o bem comum. Uma igreja séria, inserida numa sociedade, deve se preocupar sim em “informar” e “formar” uma consciência ética e equânime com os princípios cristãos, visando uma sábia participação nos processos eleitorais, seja como eleitores, candidatos ou detentores de cargos públicos, sem manipulações recíprocas, sem corromperem-se e sem negociar a essência do Evangelho e suas consciências. 


A mentalidade do “Não-Envolvimento” deve ser extinta do meio cristão em benefício da sociedade. Assim como existem boas pessoas dentro das igrejas, existem igualmente fora delas. A Bíblia no livro de Juízes 9.7-21 (registra a parábola de Jotão) compara os ‘homens de bem’ como sendo as árvores nobres de uma cidade: “Oliveiras, Figueiras e Videiras”, que fornecem óleo, vinho, frutos, sombra e etc. Esse mesmo texto mostra uma situação similar a um pleito político em que todas as árvores da cidade procuraram as árvores mais nobres e estas se negam a reinar/governar sobre as demais. Então recorreram ao ‘espinheiro’ que prontamente aceitou e logo fez promessas, sendo escolhido, dar ‘sombra’. Ora! Que sombra pode fornecer um espinheiro?

 

Mas diante da omissão dos ‘nobres’, os ‘ignóbeis’ sempre reinarão. E Deus permite isso para a vergonha dos cristãos que não pensam politicamente
 

“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons” (Pastor Martin Luther King)


Pr. Ronaldo Bitencourt de Oliveira Técnico em Administração de Empresas, Teólogo, Psicanalista Clínico, Cientista Social. Pós-Graduado em História Contemporânea, MBA em Gestão Pública (em curso) (Pastor da Primeira Igreja Batista de Sobradinho-BA e Juiz de Paz da Comarca local).


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