(*) Taciano Medrado
No dia 24 de abril de 2014, o Brasil dava um passo histórico e ousado ao sancionar a Lei nº 12.965, mais conhecida como Marco Civil da Internet. Apelidada de "Constituição da Internet", essa lei foi fruto de um longo processo de construção coletiva que envolveu governo, sociedade civil, acadêmicos, empresas de tecnologia e usuários comuns. Hoje, ao completarmos 11 anos desde sua criação, é hora de refletir sobre o legado do Marco Civil, seus desafios, conquistas e o que o futuro reserva para os direitos digitais no Brasil.
Um pouco de história
O Marco Civil surgiu como uma resposta à ausência de uma legislação clara sobre o uso da internet no país. Até então, temas como privacidade, neutralidade da rede e liberdade de expressão eram tratados de forma fragmentada ou nem sequer estavam contemplados na legislação brasileira.
A gota d’água para acelerar a tramitação do projeto foi o escândalo de espionagem global revelado por Edward Snowden, em 2013. Entre os alvos das interceptações estava a então presidenta Dilma Rousseff, o que levou o governo brasileiro a priorizar a votação do Marco Civil. Em menos de um ano, o projeto foi aprovado no Congresso Nacional e sancionado no mesmo dia da abertura do NETMundial, evento internacional realizado em São Paulo para discutir a governança da internet.
Princípios fundamentais
O Marco Civil da Internet se apoia em três pilares principais:
Neutralidade da rede: todos os dados devem ser tratados da mesma forma pelas operadoras. Isso significa que um vídeo no YouTube, um e-mail ou uma mensagem em um aplicativo de mensagens têm o mesmo “peso” na rede. Não pode haver favorecimento de conteúdo, serviço ou aplicação.
Privacidade e proteção de dados: os provedores de acesso e serviços devem garantir a inviolabilidade da intimidade dos usuários. A coleta e o uso de dados pessoais só podem ocorrer mediante consentimento explícito.
Liberdade de expressão: os usuários são responsáveis pelo conteúdo que publicam, e não as plataformas. A retirada de conteúdo só deve ocorrer mediante decisão judicial — salvo exceções como nudez ou cenas de sexo divulgadas sem consentimento.
Esses princípios colocaram o Brasil na vanguarda mundial da legislação sobre internet e serviram de referência para outras normas, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), aprovada em 2018.
Conquistas
Durante esses 11 anos, o Marco Civil da Internet consolidou uma base sólida para o debate e a regulamentação de temas digitais. Algumas conquistas importantes incluem:
Fortalecimento da privacidade: ajudou a moldar o debate que levou à LGPD e à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Referência internacional: o Marco Civil é constantemente citado como exemplo de boa prática legislativa, tendo inspirado legislações em países da América Latina e da Europa.
Transparência nas práticas digitais: impôs regras claras para armazenamento de dados, coleta de informações e atuação de provedores de internet.
Desafios e críticas
Apesar das conquistas, o Marco Civil enfrenta desafios. A tecnologia evolui rapidamente, e com ela surgem novas questões que não estavam previstas em 2014. Plataformas digitais, algoritmos, desinformação, inteligência artificial e regulação das big techs são temas que exigem atualização constante da legislação.
Além disso, há críticas quanto à efetividade da aplicação da lei. A neutralidade da rede, por exemplo, é muitas vezes violada por práticas como franquias de dados e parcerias entre operadoras e apps que não descontam do pacote de internet (os chamados "zero rating").
A aplicação do Marco Civil também esbarra na morosidade do Judiciário e na dificuldade de fiscalização por parte das autoridades competentes.
O futuro da internet no Brasil
Com 11 anos de existência, o Marco Civil continua sendo uma das legislações mais importantes para a garantia de uma internet livre, aberta e democrática. No entanto, para que ele continue relevante, é essencial que seja constantemente reinterpretado e ajustado à luz das transformações tecnológicas e sociais.
Discussões atuais como a regulação das plataformas digitais, a moderação de conteúdo, o uso ético da inteligência artificial e a transparência algorítmica devem estar conectadas aos princípios fundadores do Marco Civil.
O debate não deve ser apenas técnico ou jurídico — ele é também político, social e cultural. É preciso garantir que os direitos digitais sejam respeitados independentemente de gênero, classe social, etnia ou localização geográfica. Isso significa, também, pensar na inclusão digital como parte integrante do exercício da cidadania no século XXI.
Por fim, celebrar os 11 anos do Marco Civil da Internet é reconhecer que o Brasil foi pioneiro em estabelecer um marco legal que protege os usuários e garante uma internet mais justa. Mas é também lembrar que a luta pelos direitos digitais é contínua e exige atenção, participação e vigilância constante.
A internet é hoje parte essencial da vida de todos — do trabalho ao lazer, da educação à mobilização política. E como toda infraestrutura crítica, ela precisa ser regulada de forma democrática, inclusiva e transparente. O Marco Civil foi um primeiro grande passo. Que venham os próximos, sempre guiados pelo compromisso com os direitos humanos, a liberdade e a justiça digital.
(*) Professor da disciplina Informática aplicada e Novas Tecnologias da Informação
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