Por Lisandra Paraguassu/Reuters
O
ex-presidente e pré-candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
aumentou nas últimas semanas as referências religiosas em suas falas, em um
movimento de contraponto ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e parte de uma
ofensiva para tentar recuperar o espaço perdido pelo PT entre a população
evangélica.
Lula
liderava em março as intenções de voto entre os evangélicos com 39% contra 34%
do atual presidente, de acordo com pesquisa Ipespe, mas no mais recente
levantamento do instituto, da semana passada, os números estavam em 34% para o
petista contra 48% para Bolsonaro.
A
avaliação dentro do PT é que Lula tem sido prejudicado pela ação de algumas
igrejas, especialmente de grandes grupos neopentecostais, com os chamados
"pastores midiáticos" e a divulgação "fake news" contra o
ex-presidente, de acordo com uma fonte envolvida na estratégia para atrair de
volta o voto evangélico para Lula.
"Essa
diferença (para Bolsonaro) aumentou um pouco, e isso nos preocupou
bastante", disse a fonte à Reuters.
Diante
dos números pouco animadores, o partido traçou uma estratégia para reconquistar
essa população, que hoje representa cerca de um terço dos eleitores. Um dos
pontos centrais é chegar até onde os fiéis estão.
"A
gente percebeu que dialogar com a cúpula, de um modo geral, não adianta. Grande
parte está cooptada pelo atual governo. Mas na base tem um terreno muito
amplo", afirmou a fonte.
Um
dos planos do partido é a criação dos comitês populares espalhados pelo país,
uma estratégia que não é restrita à ação com evangélicos, mas será adotada
também por religiosos ligados ao partido para abrir canais com esse grupo,
especialmente nos bairros mais pobres.
O
pastor Oliver Goiano, da Igreja Batista da Lagoa, em Maricá (RJ), afirmou que
os comitês vão começar de fato a trabalhar assim que a lei eleitoral permitir,
tanto fisicamente quanto virtualmente.
"O
caminho que temos é abordar a vida real, a pobreza, a falta de recursos, o dia
a dia que muitas famílias evangélicas passam no dia a dia", disse Goiano.
"Lembrar que a vida era melhor antes."
Pastores
do núcleo ecumênico do PT com quem a Reuters conversou ressaltaram dois pontos
essenciais. Um deles é que não é possível tratar a população evangélica como um
grupo só, uma vez que existem pelo menos três divisões: os pentecostais, as
igrejas independentes e os chamados neopentecostais, que reúnem a maior parte
dos pastores ligados a Bolsonaro.
"Os
evangélicos são caracterizados pela diversidade, não é um bloco
monolítico", disse o pastor Goiano.
Lula
tem maior entrada dentro dos grupos pentecostais e independentes, com igrejas
menos midiáticas e menos inclinadas a levar a política para dentro das igrejas,
e que tem uma preocupação com a ligação generalizada da religião com a defesa
de ideias de extrema-direita.
"Tudo
que hoje a gente considera discurso extremista está sendo ligado aos
evangélicos, infelizmente. Isso inclusive afasta os mais jovens", disse o
pastor.
Para
chegar até essa juventude, uma das ideias que devem ser trabalhadas pelo grupo
petista é a criação de um podcast para ser distribuído nas redes sociais dos
grupos evangélicos
Fora
do PT, o ex-presidente conseguiu o apoio da chamada Frente Evangélica pelo
Estado de Direito, um grupo de pastores suprapartidário, de diversas
denominações religiosas, que decidiu apoiá-lo por ver em Lula uma figura mais
ligada aos direitos humanos defendidos pelas igrejas.
O
grupo já faz uma revista e um programa de rádio semanal, divulgado em 31 rádios
pelo país, em que trabalha contra notícias falsas e trata de questões de
direitos humanos e sócio-econômicas.
"Há
avanços consideráveis de afastamento do atual governo. Primeiro por causa da
pandemia, muitos fiéis perderam entes queridos. A Covid-19 foi desastrosa para
os evangélicos, e muito por causa das pregações negativas", afirmou o
pastor Ariovaldo Ramos, um dos coordenadores do grupo. "Além disso, vem a
questão da fome, do desemprego, que atinge muito forte as comunidades."
Ramos
reconheceu que existe uma dificuldade com a chamada pauta "moral e
familiar", e que há muitas dúvidas dentro da comunidade evangélica se o PT
é ou não contra a chamada "família cristã".
"Nosso
primeiro trabalho é mostrar que direitos humanos é uma pauta cristã, que
distribuição é uma pauta cristã, e que tudo isso é absolutamente coerente com
um partido de esquerda", afirmou.
ABORTO
Dentro
do PT, alguns aliados do presidente atribuem a queda de Lula entre evangélicos
a dois fatores: o crescimento das "fake news" e a exploração por
pastores ligados a Bolsonaro da fala do ex-presidente em que defendeu o aborto
como uma questão de saúde pública.
Lula
falou inicialmente sobre o assunto em 23 de março, em uma entrevista para uma
rádio de Minas Gerais, em que deixou claro ser pessoalmente contra o aborto.
"Eu,
Lula, pai de 5 filhos, eu se perguntado, sou contra aborto e sempre fui contra.
Agora eu, chefe de Estado, tenho que tratar a questão do aborto como uma
questão de saúde pública. O que eu penso pessoalmente é meu. Agora como eu vou
tratar como chefe de Estado? Eu tenho que tratar todas as mulheres em igualdade
de condições", afirmou à época, em uma fala que não chamou a atenção.
Algumas
semanas depois, em um evento na Fundação Perseu Abramo, o ex-presidente repetiu
o mesmo raciocínio, mas não destacou que era pessoalmente contrário ao aborto,
o que foi usado contra ele. Dias depois, voltou a repetir que era contrário
pessoalmente, mas foi acusado de mudar de ideia.
Aliados
do presidente consideram que esse é um assunto que apenas dá munição a
Bolsonaro e seus aliados e já havia uma decisão interna de evitar polêmicas
como essa, mas, perguntado, Lula respondeu.
"Só
mencionar aborto já cria uma celeuma muito grande. A gente evita entrar nesse
assunto", disse à Reuters o pastor metodista Jair Alves, coordenador
estadual do setorial inter-religioso do PT.
A
setorial fez uma cartilha com alguns pontos considerados mais polêmicos, entre
eles o aborto, uso de drogas, mas, segundo o pastor, não trata de posições
definidas, porque dentro do próprio PT há divergências.
O
pastor Goiano disse que usa evidências nas conversas sobre o tema. "Lula
foi presidente oito anos. Os governos do PT foram abortistas? Claro que não. Os
evangélicos que estão no PT não estariam lá se essa fosse a postura. A gente
precisa trazer a conversa para a realidade".
O
assunto, no entanto, não voltou a ser tema nas falas do ex-presidente. A ordem
dentro do PT é não alimentar polêmicas que podem tirar votos e não agregar.
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