Foto: STF - Reprodução Internet
Por Verena Corecha
Advogada,
Diretora da Escola Superior de Advocacia do Amapá- ESA/AP. Pós-graduada em
Direito Processual. Possui formação em Língua estrangeira (Francês).
Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade de Macapá -FAMA, Professora de
ensino superior, ministrando as disciplinas de Direito Processual Penal e
Direito Penal, Professora da Pós-Graduação da Faculdade FAMA.
Tão confuso quanto o tema desse
artigo são os debates acalorados e divergentes sobre a prisão em segunda
instância. De um lado, os defensores da principiologia e da fundamentação
constitucional; de outro, os defensores do início da execução da pena a fim de
evitar a impunidade.
A decisão que será tomada pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de mérito das Ações Declaratórias
de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, além de possuírem o efeito “erga omnes”, terão efeitos “ex tunc” (retroage) e vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário, o que provoca ainda mais a expectativa para
o fim da votação.
E por que existem tantas
divergências sobre o tema?
Porque, segundo os autores das
ADC’s (a saber: Partido Ecológico Nacional - Pen (Atual Patriota), Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB e Partido Comunista do Brasil
– PcdoB), a regra estabelecida na Constituição
Federal e no Código de Processo Penal Brasileiro
devem prevalecer, admitindo a execução da pena após o esgotamento de todas as
possibilidades de recurso (trânsito em julgado).
As regras acima citadas, condizem
respectivamente com os artigos 5º, da CF/88 e 283,
do CPP, sendo
incontestável enfrentar a análise textual deles:
Art. 5º LVII: ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Art. 283 do CPP: Ninguém poderá ser preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou,
no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou
prisão preventiva.
Por amor ao debate, é inescapável
a discussão sobre a interpretação das regras acima mencionadas, tendo em vista
que o inciso LVII, do art. 5º, é base do princípio da presunção de inocência e
é protegido como clausula pétrea. Já o artigo 283 do CPP deixa
explicitado as condições em que ocorrerão o cerceamento de liberdade do
cidadão.
Contudo, as decisões mais
recentes do STF determinaram que a execução da pena deveria iniciar logo após a
condenação em segunda instância, contrariando claramente a previsão
constitucional, que prevê a presunção de inocência até o trânsito em julgado,
dando o status de “culpado”, ainda que tenha possibilidade de interposição de
recursos em instâncias superiores, ofendendo diretamente os direitos e
garantias fundamentais e implicitamente alterando uma cláusula pétrea.
Para a decisão da antecipação do
cumprimento da pena, realizado antes do trânsito em julgado, o STF sustenta o
argumento, dentre outros, de que o STJ e a própria Suprema Corte não reanalisam
os fatos, não adentrando ao mérito da demanda em si. Logo, não haveria mais que
se falar em reanálise meritória pelas Superiores instâncias, tornando o réu
“culpado” mesmo antes do trânsito em julgado.
A Corte Suprema tem como
principal atribuição, como tribunal constitucional que é, a de ser a guardiã da Constituição
Federal. Assim, seu papel é garantir o cumprimento das regras
estabelecidas. No entanto, a afronta a cláusula pétrea trouxe a insegurança
jurídica que provocou a propositura das ADC’s.
Em contrapartida, na "queda
de braços" do contra ou a favor, os apoiadores do atual posicionamento do
STF se amparam no argumento de que a demora na execução, em razão de um extenso
caminho recursal, enseja a sensação de impunidade, o que prejudicaria o combate
à criminalidade e que a mudança na decisão, acarretaria concessão de liberdade
de milhares de pessoas.
Fortalecendo a decisão atual da
Corte, o Ministério Público Federal (MPF) entende que a execução da pena em
segunda instância não fere a presunção da inocência do réu.
Explanados os posicionamentos
mais debatidos sobre o tema, apontamos que a decisão do STF não deverá
basear-se nas “vozes da rua”, que buscam a punição dos infratores a qualquer custo,
ainda que ao arrepio da lei.
O discurso sobre a demora na
execução da pena, não poderá sustentar as decisões com afronta a legislação,
para demonstrar a segurança e eficiência da justiça, tampouco, a manutenção da
atual decisão deverá ser mantida sob alegação de que a impunidade prevalecerá.
Afinal, em um Estado Democrático de Direito, a lei majoritária deverá ser
cumprida.
Se há entraves para a execução
das penas, é necessário que sejam, então, modificados os caminhos recursais,
com a redução de recursos que possam ser manejados após a sentença de primeira
instância, e a celeridade nos julgamentos desses.
O Código de Processo Penal traz,
em seu art. 283,
a regra para a restrição de liberdade de forma transparente, firmando a
determinação em relação a sentença condenatória transitada em julgado.
Importante destacar que, na
hipótese de o condenado representar algum risco para a sociedade, o próprio CPP traz
em seu bojo a prisão preventiva, que é cautelar, cabe em qualquer fase
processual e poderá ser decretada nos termos do art. 312,
fundamentando legalmente o encarceramento antes do trânsito em julgado, nada
tendo a ver com a execução provisória da pena.
Diante do exposto, a fim de se
fazer justiça, a aplicação da lei deverá ser realizada nos termos da Constituição
Federal e do Código de Processual Penal vigentes no país.
Por derradeiro, as considerações
contidas nesse texto não esgotam, mas, buscam aguçar a opinião do leitor sobre
o tema, tendo em vista que, especificamente, a decisão ora combatida é de
interesse não apenas por ter mutilado regras constitucionais, mas também por
ter entre os milhares de possíveis beneficiários, uma figura com forte
representação política.
Ressalta-se que inexiste opinião
política no presente texto e que a análise se restringe apenas na situação
jurídica em si e não da situação política de qualquer dos envolvidos.
Postar um comentário