Os discursos e justificativas do ex-presidente Lula
(PT) acerca dos dois principais escândalos dos governos petistas, o mensalão e
o petrolão, se ajustaram ao longo dos anos e tiveram tons diversos de acordo
com o momento político vivido.
Houve
uma oscilação do petista entre uma negativa mais explícita de que tenha havido
desvios em seus governos até um tom moderado de admitir problemas, sempre com a
ressalva de que não sabia dos ilícitos que ocorriam.
No
caso do mensalão, chegou a haver um pedido público de desculpas no auge da
crise, em agosto de 2005.
No
último dia 25, em entrevista ao Jornal Nacional marcada por acenos ao
eleitorado de centro, o ex-presidente foi questionado sobre os dois temas.
Sobre o mais recente, disse que não há como negar que tenha havido corrupção se
os envolvidos no esquema confessaram.
Em
relação ao caso nos anos 2000, desconversou e rebateu com uma comparação dos
valores envolvidos com as emendas de relator do Orçamento pagas pelo governo de
Jair Bolsonaro (PL).
São
novas abordagens para duas vidraças que afetam as candidaturas petistas há
várias eleições presidenciais.
O
mensalão foi um esquema ilegal de financiamento político voltado a corromper
parlamentares e garantir apoio ao PT no primeiro mandato do então presidente
(2003-2006). Foi revelado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson
(PTB-RJ) em entrevista à Folha.
Naquela
época, Lula, primeiramente, insinuou em uma entrevista em Paris que o caixa
dois eleitoral era disseminado entre partidos no país. "O que o PT fez, do
ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente."
Semanas
depois, pressionado, fez um pronunciamento ao lado de ministros dizendo que
estava indignado com as "revelações que chocam o país". A declaração
foi dada após seu à época marqueteiro, Duda Mendonça, afirmar em CPI que havia
recebido pagamento do PT via caixa dois no exterior.
"Eu
me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive
conhecimento", disse Lula na ocasião.
Com
sua reeleição ameaçada pelo caso, adotou um discurso de que o PT havia errado,
mas sem apontar um culpado específico.
Com
o passar dos anos, mudou o tom. Em 2010, ainda como presidente, classificou a
crise política vivida como uma "tentativa de golpe".
O
Supremo concluiu o julgamento do mensalão em 2013, condenando 25 pessoas,
incluindo o ex-ministro José Dirceu, coordenador da vitoriosa campanha de 2002.
Entre os condenados, também estavam dois líderes de partidos hoje ligados ao
bolsonarismo: Jefferson, do PTB, e Valdemar Costa Neto (PL).
Após
deixar o cargo, com as condenações de correligionários confirmadas no STF, Lula
passou a dizer que foi julgado nas urnas, com a vitória de Dilma Rousseff na
eleição de 2010.
Em
2018, em entrevista publicada no livro "A Verdade Vencerá", foi além:
"Na verdade, nunca acreditei na história do mensalão. Essa foi a grande
descoberta do século 21: de como a mídia poderia ser utilizada para
criminalizar as pessoas antes da Justiça. A mídia tomou a decisão de, ao invés
de esperar a Justiça criminalizar, transformar alguns líderes do PT em
bandidos".
No
caso das descobertas da Lava Jato, Lula e seus apoiadores ganharam mais fôlego
para contestar a operação em 2021, quando o STF (Supremo Tribunal Federal)
anulou sentenças e declarou que o ex-juiz Sergio Moro agiu de modo parcial
contra o ex-presidente.
Para
além das acusações contra ele, de que empreiteiras reformaram um sítio e um
tríplex, a tese de autoridades da Operação Lava Jato, repetida em documentos
judiciais até hoje, inclusive do Supremo, é a de que existia um cartel de
construtoras na Petrobras no qual havia o pagamento de propina, sendo parte
destinada aos partidos aos quais os então diretores da estatal eram ligados
-PT, PP e MDB.
No
fim de 2021, a companhia afirmou que o total recuperado em virtude de acordos
de colaboração, leniência e repatriações da Lava Jato era de R$ 6,17 bilhões.
Em
depoimentos prestados na operação, Lula afirmava que o presidente da República
não tinha contato direto com os executivos de segundo escalão. Sobre as
indicações dos diretores, dizia que os nomes eram definidos em acordos
políticos que envolviam bancadas parlamentares, ministros e análises de órgãos
internos.
Disse
que, se tivesse conhecimento de pagamento de propina, os agentes da Petrobras e
do PT teriam sido presos bem antes. Frisava que nem a polícia, nem o Ministério
Público, nem a imprensa haviam divulgado suspeitas de irregularidades na
companhia anteriormente e que não tinham como saber.
"Nenhum
presidente da República se mete com obras específicas da Petrobras", disse
ele, em depoimento em 2018, quando estava preso.
Lula
ficou preso por 580 dias, entre 2018 e 2019, em decorrência de condenação
expedida pelo ex-juiz Moro no caso tríplex. Foi solto quando o Supremo passou a
barrar a prisão de réus condenados em segunda instância e pôde aguardar a
análise de recursos em liberdade.
Em
março de 2021, teve sentenças anuladas. Antes disso, a revelação de diálogos de
autoridades da operação no aplicativo Telegram, pelo site The Intercept Brasil
e outros veículos, como a Folha, acirrou mais o discurso de Lula e de petistas
contra a Lava Jato. As conversas mostraram, entre pontos, colaboração entre o
então juiz Moro e os procuradores responsáveis pelas acusações.
Lula
e seus advogados passaram a questionar com frequência a relação entre os
investigadores da Lava Jato com o Departamento de Justiça do governo dos
Estados Unidos.
"Cada
dia surgem mais provas da interferência americana por interesses no petróleo
brasileiro", dizia vídeo divulgado em 2020 pelo ex-presidente em redes
sociais.
Em
viagem ao México neste ano e em outras situações, Lula afirmou que a descoberta
do pré-sal, em seu governo, esteve por trás do impeachment de Dilma, em 2016, e
da cassação de sua candidatura à Presidência em 2018.
Em
2021, o PT lançou um livro chamado "Memorial da Verdade", acerca da
Lava Jato, composto por uma espécie de manual de campanha para a militância.
A
peça afirmava que não houve corrupção sistêmica na Petrobras, nem
superfaturamento em contratos, contrariando o que afirmam o TCU (Tribunal de
Contas da União) e a própria estatal.
Em
coletiva em Brasília, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que "não
houve desvio da Petrobras".
Sobre
os ex-diretores que tiveram bloqueadas contas no exterior usadas para receber
propina, afirmou: "Quem praticou ilícitos e se autoincriminou que responda
seus processos".
"É
muito engraçado dizer que na nossa época a Petrobras era um antro de corrupção.
Mas, na nossa época, a gasolina era barata", afirmou a deputada federal na
ocasião.
Era
um tom distinto também do adotado pelo então presidenciável petista de 2018, Fernando
Haddad, que havia assumido a candidatura com a cassação do registro de Lula na
Justiça Eleitoral.
Com
o PT sob pressão nas pesquisas na campanha, Haddad chegou a ensaiar um discurso
reconhecendo problemas.
Disse
que faltou controle na Petrobras e que Moro tinha feito "um bom
trabalho", ainda que tivesse errado na condenação de Lula.
Aliados
de Lula afirmam que hoje, após vitórias na Justiça, ele se sente mais
confortável para falar sobre o caso.
Durante
a tramitação dos processos, o petista se esquivava por orientação de seus
advogados. Qualquer reconhecimento de desvios na Petrobras, argumentam, poderia
ser erroneamente interpretado como uma confissão --o que contrariaria a
estratégia de defesa.
Sobre
a entrevista ao Jornal Nacional, afirmam que o fato de o apresentador William
Bonner ter dito que Lula nada deve à Justiça favoreceu o diálogo.
Colaboradores
do ex-presidente tentam minimizar, porém, a ideia de que Lula tenha mudado o
discurso por conveniência eleitoral, argumentando que o reconhecimento de
desvios de diretores da Petrobras já constava no livro "Memorial da
Verdade".
O
comando da campanha de Lula não pretende levar a corrupção ao programa
eleitoral. Como uma espécie de vacina, o tema será abordado em inserções
exibidas ao longo da programação de rádio e TV. "A verdade apareceu: Lula
venceu todos os processos e foi reconhecido no mundo inteiro, até pela
ONU", diz a peça.
O
PT decidiu levar ao ar, também em inserções, imagens de reportagens sobre a
evolução patrimonial da família de Bolsonaro, em especial a do UOL sobre a
compra de imóveis em dinheiro vivo.
Com informações de Felipe Bachtold da Folha de São Paulo com Colaboração de Catia Seabra, de São Paulo.
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