Cenário de propaganda eleitoral da presidente Dilma Rousseff e responsável por parte de sua expressiva votação recebida no Nordeste, a transposição do Rio São Francisco foi abandonada por construtoras. foto Revista Veja.
Cenário
de propaganda eleitoral da presidente Dilma Rousseff e responsável por parte de
sua expressiva votação recebida no Nordeste, a transposição do Rio São Francisco
foi abandonada por construtoras e o trabalho feito começa a se perder. O Estado
percorreu alguns trechos da obra em Pernambuco na semana passada e encontrou
estruturas de concreto estouradas e com rachaduras, vergalhões de aço
abandonados e diversos trechos em que o concreto fica lado a lado com a terra
seca do sertão nordestino.
O
Ministério da Integração Nacional afirma que é de responsabilidade das empresas
contratadas a conservação do que já foi feito e que caberá a elas refazer o que
está se deteriorando. Informa ainda que vai promover novas licitações em 2012
para as chamadas obras complementares, trechos em que a pasta e as empreiteiras
não conseguiram chegar a um acordo sobre preço. Segundo o ministério, as obras
estão paralisadas em 6 dos 14 lotes e em um deles o serviço ainda será
licitado.
Marcada
por controvérsias, a obra da transposição começou a sair do papel em 2007 e, no
ano seguinte, com os canteiros em pleno funcionamento, o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e sua então ministra-chefe da Casa Civil e mãe do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) fizeram uma vistoria pela região para fazer
propaganda da ação. Os dividendos eleitorais foram colhidos no ano passado por
Dilma. Em Pernambuco, Estado onde começa o desvio das águas, ela obteve mais de
75% dos votos válidos no segundo turno da eleição. Nas cidades visitadas pelo
Estado, onde as obras estão agora abandonadas, o desempenho foi ainda melhor.
Em Floresta, a presidente obteve 86,3%; em Cabrobó e Custódia, 90,7%; e em Betânia,
95,4%.
Prometida
para o final do governo Lula, a obra tem seu prazo de entrega sucessivamente
adiado. A nova previsão é concluir os 220 quilômetros do eixo leste, de
Floresta a Monteiro (PB), até o fim de 2014 e terminar no ano seguinte os 402
quilômetros do eixo norte, que sai de Cabrobó para levar água ao Ceará, Paraíba
e Rio Grande do Norte.
A
obra está atualmente orçada em R$ 6,8 bilhões, 36% a mais do que a projeção
inicial. Segundo o ministério, foram empenhados R$ 3,8 bilhões para a obra e
pagos R$ 2,7 bilhões às construtoras.
Abandono.
Durante três dias, a reportagem percorreu cerca de 100 quilômetros da extensão
dos canais da obra. O abandono foi a tônica da viagem, com canteiros
completamente parados. As únicas exceções foram as partes da transposição sob
responsabilidade do Exército.
Em
um dos trechos visitados, na divisa das cidades pernambucanas de Betânia e
Custódia, cerca de 500 metros de concreto estão totalmente quebrados, com
pedaços se soltando do solo. Esse trecho terá de ser refeito para a água do São
Francisco passar. O padre Sebastião Gonçalves, da diocese de Floresta, foi quem
encontrou o trecho destruído durante vistoria frequente que faz pelas obras.
‘As empresas abandonaram as obras e já começou a se perder o trabalho feito. É
um desperdício inexplicável.’
A
parte que aparece com as maiores avarias está no lote 10 da obra, que teve as
obras iniciadas pelas construtoras Emsa e Mendes Júnior.
Segundo
moradores da região, as máquinas começaram a ser retiradas desde o início do ano
passado. Há cerca de dois meses, os funcionários foram demitidos, deixando os
alojamentos como aspecto de cidade fantasma, onde só restam vigias e alguns
funcionários administrativos.
‘É
uma situação caótica, está tudo parado’, reclama Manoel Joaquim da Silva,
coordenador do sindicato dos agricultores familiares de Floresta e companhia
constante do padre Sebastião Gonçalves no acompanhamento das obras.
A
Mendes Júnior informou não participar mais do consórcio, enquanto a Emsa não
enviou respostas aos questionamentos. O Ministério da Integração disse já ter
sido informado das rachaduras e notificado a Emsa por meio de ofício no dia 26
de outubro. Segundo a pasta, as obras da empresa serão retomadas em janeiro de
2012.
A
reportagem encontrou início de deterioração em outro lote da obra, o de número
9, também no eixo leste. Paredes de concreto começam a rachar próximo ao local
onde será construído o aqueduto sobre a BR-316, também em Floresta. Em outra
área, vergalhões de aço para a construção de uma ponte para o canal passar
foram abandonados e parte do material já foi até roubado. O lote é de
responsabilidade das construtoras Camter e Egesa. O Estado não recebeu resposta
da Egesa e não conseguiu contato com a Camter.
Contraste.
No eixo norte, o contraste entre as obras do Exército e o abandono por parte
das empreiteiras está bem próximo. Dez quilômetros à frente de onde homens
fardados seguem seu trabalho, há um canteiro abandonado do Consórcio Águas do
São Francisco ainda com máquinas para a fabricação de concreto que sequer foram
retiradas. Percorrendo mais dez quilômetros, encontra-se um grande vão onde as
explosões foram feitas, mas o canal ainda não recebeu concreto.
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