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Esta reportagem foi publicada originalmente em 26 de dezembro de 2021 e atualizada em 30 de agosto de 2022.
Foi
durante décadas a única potência que poderia rivalizar com os Estados Unidos,
até que na noite de 25 de dezembro de 1991, deixou de existir. "Com isso
interrompo minhas atividades como presidente da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS)", anunciou Mikhail Gorbachev, no Kremlin, em
discurso que rodou o mundo.
Símbolo
da derrocada do bloco, Gorbachev era o líder do Partido Comunista e presidente
da URSS naquela data. Nesta terça-feira (30/8) foi anunciada sua morte, de
causas naturais. Ele tinha 91 anos.
Para
muitos, aquele momento marcou o fim do poder comunista e da Guerra Fria, mas
para outros a União Soviética já havia morrido semanas antes com o Tratado de
Belavezha.
No
entanto, a grande maioria concorda que, após o golpe de agosto daquele ano, a
União estava com os dias contados.
Desde
a primavera, Gorbachev e seus aliados no governo federal vinham negociando o
Novo Tratado da União, que buscava manter a maioria das repúblicas dentro de
uma federação muito mais flexível. Eles consideraram que era a única maneira de
salvar a URSS.
"Eles
queriam manter algum tipo de união, mas com o tempo essa ideia se tornou cada
vez menos atraente para os líderes das repúblicas, especialmente para Boris
Yeltsin (então líder da República Federativa Soviética Russa)", diz o
jornalista e escritor Conor O'Clery, autor de Moscou, 25 de dezembro de
1991: O Último Dia da União Soviética, à BBC News Mundo, o serviço de notícias
em espanhol da BBC.
A
proposta também foi rejeitada pelos comunistas conservadores, o Exército e a
KGB (a agência de inteligência soviética) e então Gorbachev foi colocado em
prisão domiciliar em sua casa de férias na Crimeia.
Mas
os conspiradores do golpe foram mal organizados e fracassaram depois de uma
campanha de resistência civil liderada em Moscou por Boris Yeltsin, que era
aliado de Gorbachev.
O
golpe falhou, mas como resultado disso Gorbachev perdeu sua influência,
enquanto Yeltsin emergiu como o líder preferido dos russos.
"Gorbachev
havia planejado a assinatura do Novo Tratado de União para 20 de agosto. Mas o
Exército e a KGB consideraram que esse pacto destruiria a URSS como um Estado,
e eu concordo", diz à BBC News Mundo Vladislav Zubok, professor de
História na London School of Economics (LSE) e especialista em União Soviética.
"O
golpe foi uma surpresa, porque aconteceu quando todos estavam de férias. As
pessoas esperavam que algo assim acontecesse, mas não em agosto",
acrescenta Zubok, autor do livro Um império falido: a União Soviética na
Guerra Fria de Stalin a Gorbachev.
'Show
televisionado'
Zubok,
que nasceu e morou em Moscou durante a era soviética, lembra que muitas vezes
as pessoas acreditam na narrativa de que 25 de dezembro foi uma data muito
importante, mas em sua opinião não era.
"Quando
Gorbachev anunciou sua renúncia, ele não tinha mais nenhum tipo de poder. O que
aconteceu foi uma exibição para televisão", diz ele.
Os
conspiradores do golpe impediram que o Novo Tratado da União fosse assinado em
agosto, mas não puderam evitar a iminente dissolução da União Soviética, que
vinha fermentando há anos.
Na
verdade, eles lhe deram um impulso.
Depois
do golpe, muitos entenderam que a União Soviética havia chegado ao fim, mas
outros, incluindo Gorbachev, acreditavam que ela ainda poderia ser salva sob
outro tipo de união de Estados soberanos.
"A
ideia da União permaneceu atraente para milhões de pessoas que estavam
acostumadas a viver em um grande país. Eles esperavam preservá-la talvez sob
outro nome ou regime", diz Zubok.
Mas
Yeltsin tinha outro plano.
O
golpe final
Em
8 de dezembro de 1991, o presidente russo se reuniu com três outros líderes das
15 Repúblicas Soviéticas, o presidente ucraniano Leonid M. Kravchuk e o líder
bielorrusso Stanislav Shushkevich, e juntos eles emitiram uma declaração
conhecida como Tratado de Belavezha.
Este
pacto estipulou que a União Soviética seria dissolvida e substituída pela
Comunidade de Estados Independentes (CIS), uma confederação de antigos Estados
soviéticos.
Para
o jornalista Conor O'Clery, o evento marcou o fim da União Soviética: "Não
havia como voltar atrás".
"Gorbachev
não podia aceitar e por duas ou três semanas continuou insistindo que tinham
que manter alguma forma de União da qual ele seria presidente",
acrescenta.
Mas
em 21 de dezembro, oito das 12 Repúblicas Soviéticas restantes aderiram à CEI
com a assinatura do Protocolo de Alma-Ata, desferindo assim o golpe final na
URSS.
O'Clery
diz que foi quando Gorbachev finalmente percebeu o fim de uma era e decidiu que
renunciaria em 25 de dezembro com um discurso.
"Yeltsin
permitiu que ele ficasse no Kremlin por mais alguns dias e concordou que a
remoção da bandeira vermelha do Kremlin seria feita em 31 de dezembro",
disse O'Clery.
O
historiador Vladislav Zubok destaca que o Protocolo de Alma-Ata foi assinado de
forma "extraconstitucional".
"Eles
não tinham nenhum poder constitucional para dissolver a União Soviética, mas
escaparam impunes. Não os prenderam nem nada", insiste.
"A
verdade é que a essa altura já estava claro que o governo central estava
completamente disfuncional e o Exército já havia tirado sua lealdade de
Gorbachev para dá-la a Yeltsin."
O
último dia da URSS
Os
dias se passaram sem muitas novidades, até que chegou o dia em que era esperada
a renúncia do homem responsável pela perestroika.
Em
25 de dezembro, a maioria dos salões do Kremlin estava calma, exceto por
alguns, pois Yeltsin já controlava o complexo presidencial.
Ele
nomeou seu próprio comando do Regimento do Kremlin, uma unidade especial que
garante a segurança do local, de modo que todos os guardas nas entradas e ao
redor dele fossem leais.
Gorbachev
mal controlava seu escritório e algumas salas ao redor, usadas por equipes das
emissoras americanas CNN e ABC, que se preparavam para transmitir a renúncia.
O'Clery
diz que, pouco antes do discurso, Gorbachev teve uma conversa por telefone com
o primeiro-ministro do Reino Unido, John Major, que o deixou chateado, então
ele mais tarde se retirou para descansar sozinho em um quarto do Kremlin.
"Ele
estava muito emocionado e havia bebido alguns drinques quando seu assistente,
Alexander Yakovlev, o encontrou chorando na sala", disse ele.
"Foi
o momento mais triste de Gorbachev, um momento de angústia. Mas ele se
recuperou rapidamente desse episódio e se preparou para fazer um discurso com
grande dignidade."
Conforme
o planejado, o último líder da União Soviética iniciou às 19h locais um
pronunciamento que duraria 10 minutos.
Gorbachev
renunciou a seu cargo em um país que não existia mais.
"Agora
vivemos em um novo mundo", disse Gorbachev justificando sua decisão.
Zubok
insiste que se tratou de um "show televisionado". A CNN traduziu e
transmitiu o discurso para todo o mundo via satélite.
De
acordo com especialistas, as palavras de Gorbachev tiveram mais ressonância no
exterior (onde ele ainda gozava de grande popularidade) do que em casa.
"Na
televisão soviética, o discurso foi visto muito pouco. Gorbachev já era
extremamente impopular na União e quase ninguém estava interessado. A essa
altura todos sabiam que a União Soviética havia morrido", diz Zubok.
O
historiador concorda que foi um pronunciamento "digno", mas ressalta
que ele causou descontentamento até dentro das fileiras do Partido Comunista.
"Ele
defendeu seu mandato, nunca reconhecendo nenhum erro. Até algumas pessoas ao
seu redor ficaram surpresas. Esperavam que ele dissesse algo sobre por que a
perestroika deu tão errado, por que não havia nada nas lojas ou por que a
economia estava despencando. Mas não", acrescenta Zubok.
"Ele
continuou a ver a perestroika como sempre, como uma missão global. E encerrou sua
presidência com a moral elevada. Ele não queria mostrar fraqueza a Yeltsin e é
por isso que Yeltsin ficou extremamente chateado depois daquele discurso e se
recusou a se encontrar com Gorbachev."
O'Clery
diz que Gorbachev poderia ter mostrado mais generosidade e apreço por Yeltsin
em seu discurso.
"Yeltsin
o salvou após o golpe. Se não fosse por ele, Gorbachev teria acabado na prisão
ou pior", diz.
A
ira de Yeltsin
O'Clery
observa que Yeltsin ficou tão zangado com Gorbachev que ordenou que a bandeira
vermelha fosse removida imediatamente, embora tivesse planejado retirá-la no
final do ano.
Yeltsin
também redigiu um decreto na mesma noite ordenando que todos os pertences
pessoais de Gorbachev e de sua esposa fossem removidos do complexo
presidencial, apesar de ele já ter dito que o casal poderia permanecer no local
por mais alguns dias.
Às
19h32, a bandeira soviética foi substituída pela da Federação Russa.
"Gorbachev
voltou para casa e encontrou sua esposa em meio a livros e fotos que os
subordinados de Yeltsin haviam jogado no chão", conta O'Clery.
Yeltsin
e Gorbachev não se viram novamente depois daquele discurso.
Um
sinal da baixa popularidade de Gorbachev na Rússia pôde ser visto no momento em
que a bandeira da URSS foi retirada do Kremlin: a Praça Vermelha de Moscou
estava praticamente deserta.
Às
19h32 daquela noite histórica, a bandeira soviética foi substituída pela da
Federação Russa, sob o comando do que por acaso foi seu primeiro presidente,
Boris Yeltsin.
E
naquele exato momento, o que havia sido por décadas o maior Estado comunista da
história foi oficialmente dividido em 15 Repúblicas independentes: Armênia,
Azerbaijão, Bielorrússia, Estônia, Geórgia, Cazaquistão, Quirguistão, Letônia,
Lituânia, Moldávia, Rússia, Tadjiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão.
Ao
mesmo tempo, do outro lado do mundo, os Estados Unidos acabaram se consolidando
como a única superpotência global naquele momento.
Fonte: BBC News
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