Por: Fábio Zanini/FolhaPress
Com a tela dividida ao meio,
Guilherme Boulos (PSOL) franze a testa e balança vigorosamente a cabeça em
sinal negativo, inconformado com a fala do então tucano Geraldo Alckmin sobre
saúde e educação estarem fora do teto de gastos.
A cena ocorreu no debate
promovido pela TV Record em setembro de 2018 entre os candidatos à Presidência,
em que ambos concorriam.
Em breve, Boulos deverá ter
que balançar a cabeça positivamente para o ex-tucano, pois ambos estarão juntos
na aliança em torno da candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
A animosidade passada entre os
dois novos companheiros de palanque apresenta uma série de desafios para a
chapa lulista.
Embora o discurso entre os
componentes da união seja de otimismo, com a possibilidade de uma convivência
produtiva, o histórico de declarações agressivas não é fácil de ser superado.
O gesto de inconformismo de
Boulos com a cabeça nem foi o que de pior se passou entre os dois na eleição de
quatro anos atrás.
Em outro debate da campanha,
promovido por Folha de S.Paulo, UOL e SBT, Boulos listou, numa mesma pergunta,
diversas acusações e suspeitas que pesam contra Alckmin.
"Apesar de alguns te
chamarem assim, você não é nenhum santo", disse. A referência era ao
codinome "Santo" de Alckmin nas planilhas de propina da empreiteira
Odebrecht, reveladas pela Lava Jato.
Em seguida, Boulos mencionou
acusações de desvios na merenda escolar na rede pública e de corrupção em obras
de trens metropolitanos, do Rodoanel e do metrô, todas negadas por Alckmin.
Arrematou com uma comparação
que nitidamente irritou o interlocutor. "O sentimento do povo nas ruas,
Alckmin, é de que você é o Sergio Cabral que não está preso", disse, em
referência ao ex-governador do Rio de Janeiro.
A resposta veio no mesmo tom.
"Olha, esse é o nível do candidato a presidente da República. Eu tenho 40
anos de vida pública. Sempre trabalhei, não fui desocupado, não invadi
propriedade", disse Alckmin, lembrando o papel de Boulos como coordenador
do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).
Em outros encontros, também
ocorreram farpas. No último antes do primeiro turno, promovido pela Rede Globo,
Boulos escolheu em três ocasiões direcionar sua pergunta para Alckmin.
Um dos temas mais explorados
pelo psolista era o apoio dado pelo PSDB às reformas promovidas pelo governo
Michel Temer (MDB), como o teto de gastos e a flexibilização da legislação
trabalhista.
"Eu quero saber, Alckmin,
por que vocês sempre cortam nos direitos e nunca nos privilégios da sua
turma?", perguntou.
O então tucano respondeu que
Boulos, como o PT, "defendem corporativismo". "Nós, não. A
reforma trabalhista foi necessária", completou Alckmin.
Ele agora deverá ser vice na
chapa de Lula, que tem como uma principais das bandeiras reverter as mudanças
na lei trabalhista.
Procurados pela reportagem,
Alckmin e Boulos não quiseram comentar as rusgas passadas. O ex-governador de
São Paulo deve se filiar ao PSB ainda este mês, para compor a chapa encabeçada pelo
ex-presidente. O PSOL já indicou que também estará na coligação e deve
formalizar a decisão em breve.
Representantes dos dois
partidos deverão integrar a coordenação de campanha e de programa de governo de
Lula, mesmo que Alckmin e Boulos não participem pessoalmente.
É inevitável, no entanto, que
ambos estejam juntos em eventos de campanha. Aposta-se ainda que os antigos
desafetos façam parte do primeiro escalão de um eventual governo de Lula.
Segundo um membro da cúpula do
PSOL ouvido em caráter reservado, é impossível negar o constrangimento com a
situação, mas não há muito que possa ser feito além de conviver com ela.
No que dependesse do partido
esquerdista, Lula optaria por outro vice, mas o discurso deve ser de que é
preciso engolir a seco a convivência com o ex-tucano em nome de um objetivo
maior, o de derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL).
"O PSOL se manifestou
contra essa indicação, que não agrega nada ao Lula. O Alckmin é conservador,
tem histórico de repressão a movimentos sociais. Mas essa decisão não está sob
a nossa alçada. A hegemonia na aliança é do PT", diz o deputado federal
Ivan Valente (PSOL-SP).
Segundo ele, a polarização com
Bolsonaro vai acabar diluindo a questão. Uma diferença importante, afirma o
parlamentar, está no comportamento pessoal de Alckmin com relação a Bolsonaro.
"Uma convivência
civilizada com o Alckmin pode acontecer. Eu sempre o cumprimentei, a gente pode
conversar. Já o Bolsonaro é inconvivível", afirma Valente.
Para o secretário-geral do PT,
deputado federal Paulo Teixeira (SP), estabelecer um modo de convivência entre
Boulos e Alckmin na chapa é possível. "Difícil é superar os problemas do
[Vladimir] Putin com o [Joe] Biden. O resto dá para conversar", afirma.
Segundo ele, ambos são
políticos experientes, que entendem a necessidade de união no atual momento do
país. "Todos têm maturidade para ver a gravidade do que está acontecendo
com o Brasil, virar a página. Derrotar Bolsonaro é o que unifica todo
mundo", diz Teixeira.
O próprio Lula já teve
desavenças sérias com Alckmin no passado. Na eleição de 2006, por exemplo, os
dois disputaram o segundo turno, numa campanha acirrada.
Na ocasião, o então tucano
disse que o petista mentia sobre temas como a corrupção em seu governo. Foi
chamado de leviano pelo então presidente em troca.
No caso de ambos, no entanto,
a avaliação é de que a troca de farpas já está superada, após diversos contatos
amistosos entre os dois nos últimos meses. Além disso, Lula e Alckmin tiveram
relacionamento cortês quando estavam na Presidência e no Governo de São Paulo,
respectivamente.
Já o histórico do ex-tucano
com Boulos é bem mais atribulado, em razão de diversos episódios envolvendo
ações do MTST. Um dos mais tensos ocorreu na desocupação pela Polícia Militar
na comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), há dez anos.
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