A
Constituição russa só permite dois mandatos presidenciais, mas Vladimir Putin
já está no quarto.
Quando
o polêmico líder, hoje com 67 anos, chegou ao Kremlin, em 1999, não se
imaginava que ele permaneceria tanto tempo no poder. Mas, contrariando
prognósticos, em 31 de dezembro do ano passado, ele completou duas décadas
governando a Rússia — direta ou indiretamente (ele teve de deixar a presidência
para ser primeiro-ministro por um período, mas, na prática, continuou a
comandar o país), apontam especialistas.
Com
mão de ferro, relativo carisma, sob denúncias de coibir a imprensa e seus
adversários e um discurso que causa incômodo no resto do mundo, Putin alçou
altos níveis de popularidade internamente.
Mas
há grupos que há anos pedem mudanças na Rússia.
"Os
russos mais jovens, com mais educação e que vivem em grandes cidades como
Moscou e São Petersburgo certamente se opõem a que ele siga governando",
diz à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) Vladimir Gel'man, expatriado
russo que ensina política russa na Universidade de Helsinque (Finlândia).
"Mas,
por outro lado, Putin conta com o apoio da população mais velha, menos educada
e de áreas periféricas", agrega.
Resultados
preliminares de um plebiscito concluído na quarta-feira (1/07) sobre reformas
constitucionais indicam apoio da maioria da população a mudanças que
permitiriam a Putin se manter no poder até 2036, o que significa que ele pode
superar o tempo de permanência no poder do ditador comunista Joseph Stálin.
As
reformas, se aprovadas, permitirão que Putin se candidate a mais dois mandatos
presidenciais a partir de 2024 — que é quando acaba o mandato atual. Até a
noite de quarta, com 85% das urnas contabilizadas, cerca de 78% dos russos
apoiavam a medida, segundo dados do tribunal eleitoral russo citados pela
France Presse.
A
oposição, por sua vez, acusa o mandatário de tentar ser "presidente
vitalício" do país.
Para
além da popularidade, a BBC resume os cinco pontos-chave da longevidade de
Putin no poder:
1.
Volta de um Estado 'forte' e melhora no padrão de vida
Vladimir
Vladímirovich Putin se converteu presidente do país no último dia de 1999, após
a renúncia de Boris Yeltsin e depois de uma intensa competição com outros
potenciais sucessores daquele que, até então, havia sido o único mandatário da
Rússia desde o desmantelamento da União Soviética.
Ele
tinha sido apontado primeiro-ministro por Yeltsin, e, quando este renunciou,
Putin assumiu a presidência interinamente, até a eleição geral, realizada em
março de 2000.
O
então semidesconhecido ex-agente da inteligência russa era o candidato
presidencial perfeito por várias razões, apontam especialistas.
"Ele
tinha a reputação de ser basicamente alguém que protegia seus chefes. Quando
foi vice-prefeito de Moscou, ajudou o então prefeito (Anatoly Sobchak) e o
colocou em um avião antes que fosse preso por corrupção", explica Mark
Galeotti, acadêmico do Instituto de Relações Internacionais de Praga (República
Tcheca) e especialista em criminalidade internacional e segurança russa.
"Putin
era então um candidato relativamente jovem, dinâmico, mas, sobretudo, parecia
leal."
Além
disso, Putin era conhecido por cumprir suas promessas.
"Putin
não perseguiria a Yeltsin nem tentaria prendê-lo, tampouco o culparia pelos
fracassos da década de 1990", explica Ben Noble, professor de política
russa da University College de Londres (UCL).
Putin
foi, então, eleito. Mas sua popularidade só viria depois, segundo Noble, por
seu pulso firme na segunda guerra da Chechênia, entre 1999 e 2009, quando
começou a ser percebido por grande parte da população como um indivíduo forte
que estava "retomando o controle" de Moscou sobre os rebeldes
chechenos — e isso foi percebido como um ressurgimento do poderio do Estado
russo.
Um
segundo elemento que ajudou Putin a se consolidar no poder foi a melhora nos
padrões de vida na Rússia.
"O
crescimento econômico durante a década de 2000 foi o principal impulsor da
popularidade dele. Entretanto, acho que, se por qualquer razão, Yeltsin e seus
aliados tivessem alçado outra pessoa ao poder, ela também teria se beneficiado
de uma alta popularidade graças à rápida recuperação econômica depois da
recessão da década de 1980", sustenta Gel'man.
2.
O caso Khodorkovski e mensagem aos oligarcas
Uma
das razões pelas quais o Estado russo não entrou em colapso na década de 1990,
dizem os especialistas, foi a existência de um acordo entre Yeltsin, seus
aliados políticos e os oligarcas, criando uma espécie de equilíbrio de poder.
Mas,
ao virar presidente, Putin anunciou que esse trato seria coisa do passado. O
líder permitiria que os oligarcas preservassem sua riqueza conquistada na
década anterior, desde que não se envolvessem em questões políticas, afirma Ben
Noble.
"Para
Putin, a política russa estava (exclusivamente) em suas mãos."
No
entanto, Mikhail Khodorkovski, o principal oligarca do país e então um dos
homens mais ricos do mundo, discordou desse projeto.
Isso
lhe custou caro: grande parte de seu poder econômico se evaporou da noite para
o dia depois de ser acusado pelo governo de evasão de impostos e fraude.
"Putin
e seu círculo o castigaram, em essência, ao detê-lo e confiscar seus bens,
entre eles uma das maiores empresas petrolíferas do mundo", diz o
acadêmico da UCL.
Noble
conta que esse foi um momento importante, que ajuda hoje a explicar a
longevidade de Putin no poder.
"O
caso Khodorkovski se converteu em uma espécie de vitrine que teve efeito assustador
sobre os demais oligarcas", diz.
3.
Fim da eleição direta para governadores
Em
setembro de 2004, um grupo de homens e mulheres mascarados, armados com cintos
explosivos, invadiram a Escola Número Um de Beslan, na Ossétia do Norte, e
abriram fogo no momento em que se concluía uma cerimônia para celebrar o
reinício das aulas.
Cerca
de mil pessoas foram feitas reféns, entre crianças e professores. Depois de
mais de 50 horas de sequestro, o episódio resultou na morte de 331 pessoas,
entre elas 186 crianças. Os extremistas — paramilitares chechenos — exigiam que
a Rússia retirasse suas tropas da Chechênia e a separação e independência do
território no Cáucaso.
Para
Noble, Putin enxergou o atentado à escola como um ataque direto a sua pretensão
de se consolidar como um líder forte e temido.
"Também
acho que era um indicativo de que ele não havia feito o suficiente para
centralizar o poder da Federação Russa de um modo mais amplo", opina.
"Por isso, Putin usou o episódio para pôr fim à eleição direta de governadores
em regiões russas."
Nesse
momento, avalia o acadêmico, Putin deixou de ser visto como um mandatário que
tomaria o poder na Rússia pelo caminho democrático e começou a demonstrar
inclinações autoritárias.
"Era
ele que tinha de ter o controle. Não podia ser desafiado. E, se alguém se
atrevesse a desafiá-lo, as coisas não terminariam bem para essa pessoa ou esse
grupo."
4.
A 'tandemocracia' Putin-Medvedev
A
Constituição russa de 1993 estabelece que um presidente só pode desempenhar
esse papel durante dois mandatos consecutivos. Em 2007, o segundo mandato de
Putin chegava ao seu fim.
Em
dezembro daquele ano, o presidente apresentou Dmitri Medvedev como seu sucessor
preferido.
"A
popularidade de Putin estava alta depois de anos de crescimento econômico e de
uma liderança considerada vitoriosa por muitos", afirma Gel'man.
Ainda
assim, diante desse anúncio, muitos acreditaram que seria o fim da liderança do
"herdeiro de Yeltsin".
Não
foi o que aconteceu: Putin permaneceu como primeiro-ministro durante o período
em que Medvedev ocupou a Presidência e voltou ao cargo máximo em 2012.
"Foi
o começo de o que se denominou de 'tandemocracia' (ou liderança conjunta) na
Rússia: Putin manteve o controle do país, mas, ao menos formalmente, Medvedev
era presidente", diz Noble.
O
acadêmico destaca que "há evidências de que Medvedev tentou ganhar o
controle em certas áreas e tinha projetos de reforma."
"Não
é o típico caso de que Medvedev obedecesse Putin o tempo todo. Há casos
notáveis durante esse período de desacordos entre ambos, o que nos dá uma
imagem ligeiramente mais complexa e matizada desse período", explica.
5.
Reformas constitucionais
Em
novembro de 2008, o então recém-eleito Dmitri Medvedev propôs (e conseguiu a
aprovação de) três emendas constitucionais, entre elas, a do artigo 81,
aumentando o mandato presidencial de quatro para seis anos, e a do artigo 93,
ampliando o mandato dos legisladores de quatro a cinco anos.
"Para
Putin, foi ótimo, porque, oficialmente, quem propôs isso foi Medvedev, e não
ele", argumenta Gel'man. "Putin estava à sombra, mas foi o maior
beneficiário dessa mudança."
Essas
mudanças dariam a oportunidade ao atual presidente russo de estar à frente do
país por 12 anos, em vez de oito.
Agora,
em janeiro de 2020, Putin propôs um plebiscito sobre novas emendas à
Constituição — que, como descrito no início desta reportagem, podem permiti-lo
governar até 2036.
Isso
porque uma das emendas propostas lhe permitiria se candidatar para mais dois
mandatos. Caso isso se concretize, Putin pode ficar (direta e indiretamente) no
poder por até 36 anos, superando a longevidade de Joseph Stálin, que governou
por quase 3 décadas.
Mas
será que Putin quer realmente governar até 2036?
"Talvez
nem Putin o saiba", opina Noble. "O que sabemos é que Putin apoia a
emenda (...) porque ela oferece uma espécie de solução provisória para o
problema de 2024" — que é quando acaba o mandato atual do presidente.
Gel'man,
por sua vez, não vê motivos para que Putin não se apresente novamente como
candidato presidencial.
Artigo
publicado originalmente por Norberto Paredes/BBC News Mundo em 2 de Julho
de 2020
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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