Ao
revelar detalhes de sua relação com a consultoria Alvarez & Marsal, o
ex-juiz Sergio Moro abriu o flanco para questionamentos da Receita Federal
sobre a maneira como seus rendimentos foram pagos nos meses em que trabalhou
para os americanos, antes de entrar na corrida presidencial. As
informações são de Ricardo Balthazar correspondente da FolhaPress
O ex-juiz recebeu a maior parte do dinheiro no Brasil, por meio de uma empresa de consultoria que criou após deixar o governo Jair Bolsonaro. Isso permitiu que Moro recolhesse menos impostos e livrou a Alvarez & Marsal de encargos que precisaria pagar se o tivesse contratado como funcionário.
Moro e seus ex-empregadores dizem ter agido de acordo com a legislação brasileira, mas especialistas consultados pela reportagem afirmam que eles podem ter problemas se a fiscalização da Receita Federal entender que o objetivo da contratação de Moro como pessoa jurídica foi pagar menos tributos no Brasil.
O
ex-juiz deixou a Alvarez & Marsal em novembro para se filiar ao Podemos e
se lançar candidato a presidente. Alvo de uma investigação do Tribunal de
Contas da União, que ele considera abusiva, Moro divulgou seus ganhos para
tentar afastar desconfianças que cercam sua relação com a empresa.
O TCU abriu investigação sobre o ex-juiz e a Alvarez & Marsal para examinar suspeitas de conflito de interesse. Moro foi responsável pelas ações da Operação Lava Jato, e a empresa hoje administra processos de recuperação judicial da Odebrecht e de outras empresas atingidas pelas investigações.
Moro e a Alvarez & Marsal rejeitam as suspeitas, porque ele trabalhou para uma unidade do grupo voltada para disputas empresariais e investigações internas, separada da administradora judicial. Além disso, uma cláusula de seu contrato o impedia de prestar serviços para empresas como a Odebrecht.
Na
sexta-feira (28), o ex-juiz disse que acertou com a Alvarez & Marsal um
salário bruto de US$ 45 mil por mês, equivalente hoje a R$ 243 mil. Além disso,
ele recebeu US$ 150 mil como bônus de contratação, um tipo de incentivo comum
no mercado para altos executivos. A cifra corresponde hoje a R$ 809 mil.
No mesmo dia, a consultoria americana informou que pagou a Moro, por 12 meses de trabalho, US$ 656 mil em valores brutos, ou R$ 3,5 milhões pela cotação atual do dólar. A empresa de consultoria do ex-juiz recebeu 65% dos rendimentos, no Brasil. O restante foi pago diretamente, nos Estados Unidos.
De acordo com Moro e a Alvarez & Marsal, ele foi contratado inicialmente como pessoa jurídica no Brasil porque só poderia ser contratado como funcionário nos EUA após obter visto de trabalho como estrangeiro. O processamento do pedido de visto para o ex-juiz demorou meses para ser concluído.
Segundo a assessoria de imprensa da Alvarez & Marsal, o contrato com a consultoria de Moro no Brasil foi assinado em 23 de novembro de 2020 e vigorou até 2 de junho do ano passado. O contrato como empregado nos EUA foi assinado em 7 de abril do ano passado e encerrado em 26 de outubro.
Moro divulgou duas notas fiscais emitidas pela sua empresa nesse período. Segundo ele, a de maior valor se refere ao bônus de contratação, pago em fevereiro do ano passado. A outra representa o pagamento do seu salário de março, R$ 253 mil brutos, ou US$ 46 mil pelo câmbio da época.
As notas fiscais indicam que a Alvarez & Marsal e a empresa de consultoria de Moro recolheram tributos equivalentes a 19% dos valores brutos, porcentual típico para prestadores de serviço como a empresa do ex-juiz. Se ele tivesse sido contratado como pessoa física, teria que pagar 27,5% de Imposto de Renda.
Além disso, tanto ele como a empresa teriam que contribuir com a Previdência Social, e caberia à Alvarez & Marsal pagar outros encargos previstos pela legislação trabalhista. Mesmo que a redução da carga tributária não tenha sido o motivo da contratação de Moro como pessoa jurídica, é certo que ela o beneficiou.
Conforme a legislação brasileira, os dividendos recebidos pelo ex-juiz de sua empresa de consultoria são isentos do pagamento de Imposto de Renda, o que lhe permitiu usufruir dos recursos recebidos da Alvarez & Marsal no Brasil sem pagar nada ao fisco além dos tributos recolhidos pela sua empresa.
O governo Bolsonaro chegou a propor a taxação dos dividendos e mudanças no Imposto de Renda para eliminar vantagens oferecidas pela chamada pejotização para empresas e seus funcionários, mas resistências no Congresso impediram o avanço dessa e de outras propostas de reforma.
Situações em que o vínculo empregatício entre o prestador de serviço e a empresa que o contratou é evidente, como no caso de Moro, estão sujeitas a exame mais rigoroso pelo fisco, segundo os especialistas consultados pela Folha, mas eventuais sanções dependeriam de análises aprofundadas.
Em
resposta a questionamentos da Folha, a Alvarez & Marsal afirmou que a
contratação do ex-juiz se deu inicialmente no Brasil "por questões
burocráticas". A Folha enviou 11 perguntas à assessoria de Moro na
sexta-feira, mas ele as deixou sem resposta, preferindo enviar uma declaração
genérica sobre o assunto.
"Agindo
de forma diferente dos outros pré-candidatos, já prestei publicamente todos os
esclarecimentos sobre essa questão, demonstrando a regularidade da relação com
a Alvarez & Marsal", afirmou. "A Folha de S.Paulo poderia
perguntar ao ex-presidente Lula sobre os valores recebidos por palestras e
doações de empresas investigadas na Lava Jato, aliás, infinitamente
superiores."
A juiza Gabriela Hardt, da Vara Federal em que Moro atuava em Curitiba, arquivou o inquérito que examinou as palestras feitas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após deixar a Presidência da República. A Polícia Federal não encontrou provas de irregularidades e o caso foi encerrado em 2020.
Nos
EUA, o ex-juiz foi contratado como diretor, não mais como prestador de serviços
de consultoria. O imposto de renda americano, com alíquotas de até 37% para
assalariados, e outros tributos recolhidos na fonte comeram 46% dos salários de
Moro, segundo dois contracheques que ele divulgou na sexta.
Considerando
as alíquotas indicadas nos documentos divulgados, é possível estimar que Moro
tenha ficado com US$ 470 mil dos US$ 656 mil pagos pela consultoria americana,
ou R$ 2,5 milhões. Se tudo tivesse sido pago nos EUA, o valor líquido teria
caído para US$ 354 mil, ou R$ 1,9 milhão.
O ex-juiz mudou-se para os EUA no período em que trabalhou para a Alvarez & Marsal, mas manteve seu domicílio tributário no Brasil. Isso significa que ele continuou obrigado a prestar contas ao fisco brasileiro, declarando os rendimentos recebidos no exterior para que sejam tributados no país também.
Na transmissão ao vivo que Moro fez com o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) nas redes sociais para se explicar, o parlamentar chegou a brincar com ele. "Então você ainda vai mandar um pouquinho de dinheiro para o caixa do Bolsonaro", disse Kataguiri. "Pois é", respondeu o ex-juiz.
O
mais provável é que Moro não precise pagar nada à Receita Federal quando
declarar os rendimentos recebidos nos EUA, segundo os especialistas ouvidos
pela Folha. Em casos assim, a legislação tributária permite que o imposto pago
lá fora seja compensado no cálculo dos tributos a serem recolhidos no Brasil.
A
reportagem ouviu cinco pessoas sobre o caso do ex-juiz, incluindo dois
ex-dirigentes da Receita Federal, um advogado tributarista, um especialista em
programas empresariais de controle interno e um contador. Eles pediram
anonimato para analisar a situação, por não conhecer todos os detalhes do caso
concreto.
Para ler mais acesse, www:
professortacianomedrado.com
AVISO: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Blog do professor Taciano Medrado. Qualquer reclamação ou reparação é de inteira responsabilidade do comentador. É vetada a postagem de conteúdos que violem a lei e/ ou direitos de terceiros. Comentários postados que não respeitem os critérios podem ser removidos sem prévia notificação
Postar um comentário