ARTIGO: Sobre a possibilidade de acumulação de cargo público com aposentadoria


Por: Igor Daltro advogado, professor, autor e parecerista. Especializado pela Emerj.

Corriqueiramente os candidatos às vagas em concursos públicos e alunos apresentam a seguinte indagação: "É possível a acumulação de uma aposentadoria pela iniciativa privada (INSS) com um cargo público em atividade"? Ou seja, busca-se saber se é possível continuar recebendo sua aposentadoria e, caso classificado em um certame de concurso público, ocupar um cargo, emprego ou exercer função pública de forma cumulativa. "A reforma da previdência introduziu alguma alteração ao cenário? Algo mudou?". De antemão já estabelecemos que sim, é possível, e não, a Emenda Constitucional 103/19 (reforma da Previdência) não alterou esse tópico.

O artigo 37, XVI, da CRFB/88 institui como regra a proibição de acumulação de cargos públicos [1]. Embora informe que a vedação abrange a "acumulação remunerada", devemos salientar que melhor interpretação e bom senso jurídico encontra-se em posicionamento do TCU na Súmula 246 [2], que confere interpretação distinta, proibindo a acumulação de titularidade de cargos públicos ainda que não remunerados. Essa vertente é corroborada pela doutrina e jurisprudência, em especial pelo STF, nos RE 180597/CE [3] e 300220/CE [4], que externa seu ideário de que o servidor licenciado sem remuneração para, por exemplo, trato de interesses particulares não tem descaracterizado o seu vínculo jurídico com o serviço público, haja vista que a referida licença somente é concedida a critério da administração e pelo prazo fixado em lei, podendo, inclusive, ser interrompida, a qualquer tempo no interesse do serviço ou a pedido do servidor.

Ademais, o artigo 37, XVII, da CRFB/88 [5] amplia referida regra (de proibição) aos empregos e funções públicas e abrange, ainda, todas as entidades da Administração Pública indireta, suas subsidiárias e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público. Apenas excepcionalmente a Carta Magna admite a acumulação de cargos, empregos e funções públicas nos termos dos artigos 37, XVI, alíneas "a", "b" e "c", 38, III, 95, parágrafo único, I, 73, §3º e 128, §5º, II, "a".

No que tange à possibilidade ou não da acumulação de remuneração oriunda de aposentadorias, a regra também é clara: nos mesmos casos em que é permitida a acumulação em atividade, será admitida em inatividade. Portanto, é possível, por exemplo, que um professor acumule proventos de inatividade em relação a dois cargos ou, ainda, perceber remuneração por um cargo ativo e outro inativo, uma vez que dois cargos de professor são acumuláveis em atividade.

O artigo 37, §10º, da CRFB/88 [6] admite ainda outras duas hipóteses, quais sejam: cargos eletivos e cargos em comissão. Isto é, se em atividade um magistrado pode apenas exercer outro cargo de magistério, após decretada sua aposentadoria o magistrado poderia a acumular a mesma ocupando um cargo de natureza eletiva ou um cargo em comissão, como, por exemplo, chefe do Executivo ou ministro de Estado [7], respectivamente.

Cabe frisar: esses casos supracitados são excepcionais. O dispositivo em comento mantém a regra da vedação à acumulação de proventos de aposentadoria, que sejam decorrentes do artigo 40 ou dos artigos 42 e 142, com a remuneração de cargo, emprego ou função pública. Destacamos, no entanto, que os artigos 40, 42 e 142 tratam, respectivamente, dos regimes próprios de aposentadoria do servidor, das forças militares auxiliares e das forças armadas.

Isso posto, a partir de uma interpretação contrária (a contrário sensu) salientamos que esse dispositivo não traz expressamente a proibição de acumulação de remuneração de cargo, emprego ou função pública em atividade com aposentadoria percebida com base no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do artigo 201 da CRFB/88. Logo, é possível um candidato aposentado pelo RGPS prestar concurso público e, caso investido, acumular a remuneração de seu cargo, emprego ou função pública com a aposentadoria preteritamente obtida.


[1] "Artigo 37, XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998):

a) a de dois cargos de professor; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998);

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001)".

[2] Súmula 246, TCU: "O fato de o servidor licenciar-se, sem vencimentos, do cargo público ou emprego que exerça em órgão ou entidade da administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou emprego público, sem incidir no exercício cumulativo vedado pelo artigo 37 da Constituição Federal, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige à titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção de vantagens pecuniárias".

[3] [...] "O fato de o servidor encontrar-se licenciado para tratar de interesses particulares não descaracteriza o seu vínculo jurídico, já que a referida licença somente é concedida a critério da administração e pelo prazo fixado em lei, podendo, inclusive, ser interrompida, a qualquer tempo, no interesse do serviço ou a pedido do servidor" [...] - RE 180597/CE – STF.

[4] [...] "O fato de o servidor se encontrar licenciado para tratar de interesses particulares não descaracteriza o seu vínculo jurídico" [...] – RE 300220/CE – STF

[5] "Artigo 37, XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções eabrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)"

[6] "Artigo 37, §10 - É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do artigo 40 ou dos artigos 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

[7] Há alguns exemplos na política brasileira, citamos: a) Sergio Fernando Moro, ex-juiz federal, precisou, necessariamente, pedir exoneração de seu cargo vitalício na Magistratura para ocupar o cargo de Ministro de Estado, tanto que, após sua exoneração do cargo de Ministro, não retornou para à toga – se aposentado fosse, poderia atuar como Ministro de Estado e seguir percebendo a aposentadoria da carreira do Judiciário; e b) Denise Frossard, magistrada aposentada, concorreu a diversos cargos eletivos no Estado do Rio de Janeiro, tendo, inclusive, sido eleita na década passada como deputada federal

 

Fonte: Revista Consultor  Jurídico

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