Da: Redação
Prof.Taciano Medrado
A vítima da
"política de segurança" do Carrefour não é apenas João Alberto
Silveira Freitas, 40, e sua família, mas toda a sociedade brasileira. Como
ocorre nos crimes ambientais, a irresponsabilidade empresarial prejudica o país
inteiro. Esse é o raciocínio do constitucionalista Lenio Streck e da advogada
Camila Torres.
Lenio
acrescenta: "Há casos de lesões e atos criminosos que transcendem aos
valores individuais e às vítimas diretas. Porque ferem a consciência moral de
uma coletividade e, no caso, todo um país. Nesse caso é razoável que se aplique
a noção de dano moral coletivo. Mesmo que não haja precedente similar, o caso
concreto demanda profunda reflexão e, por que não, uma nova forma de enxergar
esse tipo de lesão, pelo seu caráter transcendente".
O fato de
não haver precedentes nessa matéria, infere Lenio, antes de impedir, justifica
— ante a gravidade do fato — a inauguração de uma nova cadeia decisória.
"Se o crime traumatizou o país todo, não há que se falar em dano
individual", conclui o professor de Direito Constitucional.
O crime
hediondo deixou para trás o noticiário eleitoral e a epidemia da Covid-19.
O Brasil parece ter-se olhado no espelho e não gostou do que viu.
Juridicamente,
a discussão é sobre a responsabilização. O advogado Luís Henrique Machado explica
que existem dois tipos de responsabilidade que devem ser atribuídas nessa
tragédia: a penal e a cível. "Quanto à primeira, tanto o policial
como o próprio segurança da loja responderão individualmente, na medida da sua
culpabilidade. Em relação à segunda, o próprio estabelecimento poderá responder
civilmente, a título de danos morais, tendo em vista que o segurança do
estabelecimento teria gerado o fato causador da morte."
A Polícia
Civil gaúcha autuou em flagrante por homicídio triplamente qualificado os dois
seguranças que agrediram João até a morte.
Em nota,
a Brigada Militar se manifestou e informou que prendeu todos os
envolvidos. Também afirmou que o policial temporário Giovane Gaspar da
Silva, um dos agressores de João, não estava em serviço. No texto, a
instituição também "reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos e
garantias fundamentais, e seu total repúdio a quaisquer atos de violência,
discriminação e racismo".
O outro
homem envolvido nas agressões é o vigilante Magno Braz Borges. Em nota, a
Polícia Federal anunciou que suspenderá a carteira nacional de vigilante de
Magno.
Responsabilidade
civil
Apesar de
não haver jurisprudência consolidada no STJ, a Justiça em muitos casos tem
decidido que supermercados são responsáveis por ato ilegal cometido por
terceiros. Em 2018, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
confirmou condenação de um estabelecimento onde um comprador foi agredido por
outro no estacionamento
Em artigo publicado
na ConJur,
os advogados Gustavo
Diaz Rosa e Cláudia
Fernandes Santos explicam que empresas devem sofrer as
consequências jurídicas de ato ilícito praticado em suas dependências.
"Evidente
está que a empresa deve prever que suas atividades cotidianas podem ocasionar
atos ilícitos, descartando-se assim alegações de força maior ou caso
fortuito", diz trecho do artigo.
Os
especialistas também comentam que no caso do terceiro envolvido no crime ser
funcionário da empresa "haverá um verdadeiro litisconsórcio passivo entre
o agente causador do dano direto e a empresa responsável pela vigilância e
segurança dos clientes que se encontram em suas dependências".
Os
agressores de João trabalham para Vector Segurança Patrimonial, que presta
serviço ao Carrefour. O fato de o autor do ato ilícito ser um funcionário
terceirizado não exime a rede de supermercados de culpa.
Esse foi
o entendimento da 3ª
Turma do STJ, que decidiu que empresa que terceiriza serviço também responde
por dano causado por funcionário da prestadora de serviço.
Repercussão
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES)
apresentou uma denúncia contra o Carrefour no Conselho Nacional de Direitos
Humanos (CNDH). O parlamentar também apresentou voto de repúdio e lamentou
o episódio em nota.
"Não
é por acaso que, no Dia da Consciência Negra, o Brasil se choque com o
assassinato brutal de uma pessoa negra, realidade cruel que reflete uma
sociedade racista e um Estado que, omisso, estimula a barbárie. Nossa
solidariedade à família da vítima. E condenação efetiva para os
criminosos", afirmou.
A Iniciativa
Empresarial pela Igualdade Racial — grupo composto por representantes da
sociedade civil, do ambiente empresarial e do poder público — também divulgou
nota sobre o episódio e informou que o Carrefour está excluído por tempo
indeterminado das atividades da entidade.
"Repudiamos
com todas as nossas forças o assassinato do cidadão negro João Alberto Silveira
Freitas. É criminoso um ambiente empresarial em que um cidadão entre para fazer
uma compra e saia morto. E é conivente todos aqueles que se omitiram e não
tomaram as medidas para que essa morte fosse evitada. Inclusive os que se
calam", afirmou Raphael
Vicente, coordenador da Iniciativa Empresarial pela Igualdade
Racial
Em nota
técnica, o Grupo de Trabalho Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da
União também se manifestou sobre o caso. Os defensores cobram "a
apuração dos fatos pelas autoridades competentes e a imediata responsabilização
dos agressores".
A loja do
Carrefour onde o crime aconteceu foi fechada temporariamente. O comércio fica
no bairro Passo D'Areia, na região norte de Porto Alegre. O Movimento Negro
Unificado e outras 33 entidades farão um ato em frente à unidade.
Também
foram convocados protestos em outras unidades da rede em São Paulo, Osasco, Belo
Horizonte e Rio de Janeiro.
Para ler outras
matérias acesse, www: professortacianomedrado.com
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